Um movimento de pais de alunos e ex-estudantes de colégios de elite de São Paulo, como Santa Cruz e Vera Cruz, em prol da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criou bate boca na porta da escola e confusão em grupos de Whats App. Desde a semana passada, o grupo passou a ficar diariamente em uma praça na frente dos colégios para conversar com pais e funcionários sobre a opção de voto. Eles vestiam branco e não distribuíram nenhum material que fazia referência a Lula. Nesta semana, um vídeo com um pai do Santa Cruz acusando o grupo de “doutrinar crianças” viralizou nas redes sociais.
A direção do Colégio Santa Cruz, tradicional reduto da elite paulistana, que fica em Pinheiros, não quis se manifestar. A escola não tem ligação com o grupo, do qual também não fazem parte professores. Nesta quarta-feira, 26, o movimento chamado “Frente Ampla pela Democracia, pela Paz e pela Vida, com Lula e Haddad” soltou uma nota em que diz que “longe de querer doutrinar pessoas, o propósito é contribuir com um debate respeitoso, tratando de temas fundamentais para o país”.
No vídeo, um pai – o empresário Marcos Pastore – se aproxima do grupo na saída da escola e diz “não venha mais aqui falar de política”. Em seguida completa: “Eu não falo com bandido, se você acha que o Lula não é, você fala na sua casa, não para os meus filhos e para os amigos. Você não tem argumento. O seu argumento... você deve ter ficado em alguma treta... alguma merda (sic)”.
Em volta dele, há crianças e adolescentes, um deles entra na discussão e outros riem. Procurado pelo Estadão, Pastore disse que os pais não poderiam estar na praça perto da escola. “O debate sobre política tem que ser trazido para dentro da escola, com tempo dividido entre todos os candidatos, com os mesmos direitos e na idade adequada”, afirmou ele, que tem um filho de 13 anos na escola.
Uma das organizadoras do movimento, a advogada e mãe de três alunos do Santa Cruz, Ana Cecília Vidigal diz que o caso foi pontual e que na maior parte do tempo não houve agressões ou conflitos com o grupo que estava na praça na frente da escola. “Não abordamos ninguém, estávamos ali para quem quisesse conversar. E faz sentido estar ali por termos uma identidade com aquela comunidade, o lugar onde nossos filhos estão crescendo. A questão da política está presente e seria uma loucura negar isso”. Segundo ela, o grupo só conversou com adolescentes que tinham idade para votar (acima de 16 anos), pais e funcionários.
Um dos pais que estavam no momento da discussão representando o movimento é o vereador Daniel Annenberg (PSB). Ele citou o episódio nesta terça-feira, 25, em discurso da Câmara Municipal como um exemplo de ódio e violência durante as eleições. “Que país é esse em que a gente não pode, a 4 dias da eleição, discutir proposta?”
Depois do ocorrido, nesta quarta, 26, houve panfletagem de adesivos de Jair Bolsonaro (PL) na porta do Santa Cruz, algo que não tinha ocorrido até então. Não há informações de quem organizou o ato. O assunto dominou os grupos de pais do Santa Cruz durante esta semana, com opiniões favoráveis e contrárias ao grupo e também à reclamação de Pastore. Segundo pais que discordam do movimento de frente ampla, e que não quiseram se identificar, o grupo levou bolos de chocolate e sugeriu que os adolescentes assistissem a vídeos do Felipe Neto, youtuber que declarou apoio a Lula. Alguns deles sustentam que se trata de um “crime” falar com adolescentes na porta da escola sobre política. No vídeo, Pastore disse que chamaria a polícia, algo que acabou não fazendo.
Para a professora de Direito da Universidade de São Paulo (USP), especialista em Direito à Educação, Nina Ranieri, não há crime no ato realizado pelos pais na praça próxima ao colégio. “Em um país democrático, não é crime manifestar sua preferência política em um espaço público. O ideal era depois debater com o filho, ouvir argumentos, não impedir as pessoas de se manifestarem”, diz ela, em referência aos pais que discordaram da ação.
Nina lembra ainda que, mesmo dentro da escola, as discussões políticas devem acontecer. As tentativas de emplacar legislações defendidas por grupos como Escola sem Partido não foram adiante no País porque foram consideradas, segundo a especialista, “limitadoras do exercício democrático e da formação de ideias”.
“Não há como evitar que as crianças evitem o tema da política quando seus pais, todo o entorno, só falam sobre isso, ainda mais na semana do segundo turno”, diz a cientista política e Pesquisadora do Centro de Política e Economia do Setor Público da FGV, Debora Thomé. Ela é autora do livro Dicionário Fácil das Coisas Difíceis (Editora Jandaíra), lançado mês passado, que fala justamente de política para crianças. “É muito importante colocar a política no lugar do diálogo e tirá-la do lugar de violência, entendendo que é possível discutir dentro do campo democrático”.
A publicitária Ana Paula Cassettari Musa, mãe de dois filhos no Santa Cruz, diz que não acredita que seus filhos seriam “catequizados” por receberem opiniões de quem quer que seja. Mas que considera “desnecessário pais e ex-alunos envolverem o nome de um colégio para fazer panfletagem partidária”. “Se autodenominar Frente ampla no Santa, dando a impressão de que todos da instituição partilham dos mesmos princípios, não soa exatamente democrático. Acredito que isso gerou a reação de alguns pais, que não se sentiram confortáveis com a ação.”
Na frente do colégio Vera Cruz, na zona oeste, também houve atuação de pais com o mesmo objetivo, mas não há relatos de confusões. Pais e mães de outros colégios particulares da região, como Oswald de Andrade e Equipe, também fazem parte do movimento. Nesta quarta-feira, 26, o grupo realiza um evento na Vila Madalena com a presença da deputada federal eleita Marina Silva (Rede) e da reeleita Tabata Amaral (PSB). Ambas vão conversar com integrantes das comunidades escolares e falar com indecisos sobre o apoio à candidatura de Lula.
Um documento com os oito pontos que motivaram a formação da frente está sendo distribuído há cerca de dez dias. Ele fala em “recuperar a democracia brasileira”, “valorizar a educação” e “recuperar valores humanitários e de direitos humanos”. Cita ainda apoios recebidos por Lula, como os Simone Tebet (MDB), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e os economista Armínio Fraga, Pedro Malan e Pérsio Arida.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.