BRASÍLIA - Documentos internos do Ministério do Meio Ambiente revelam que, apesar das críticas públicas da ministra Marina Silva às mudanças na MP dos Ministérios, ela não chegou a pedir ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para barrar parte das alterações propostas pelos deputados. Em maio, quando a Medida Provisória que estruturou o governo Lula foi alterada da Câmara, Marina veio a público para denunciar o esvaziamento de sua Pasta.
Uma das principais reclamações da ministra foi sobre a retirada do controle do Cadastro Ambiental Rural (CAR) do Ministério do Meio Ambiente. O Congresso transferiu a competência para o Ministério da Gestão. O CAR é usado, por exemplo, para a gestão ambiental e controle de queimadas, e foi objeto de uma queda de braço entre Marina e ruralistas.
Ao analisar as mudanças aprovadas pelo Congresso para sugerir vetos à presidência da República, o Ministério do Meio Ambiente não apresentou formalmente as queixas da ministra. Ao contrário, em documento interno, frisou que “não há óbice” na transferência do CAR para ao Ministério da Gestão.
A posição oficial do ministério foi assinada pelo chefe de gabinete de Marina, Fabiano Chaves da Silva, em 12 de junho, conforme documentos da tramitação interna obtidos pelo Estadão. Ao contrário do que declarara a ministra menos de um mês antes, o texto diz que a transferência do CAR para a pasta da Gestão “não gera impactos relevantes na gestão, na implementação dos objetivos do Código Florestal e na execução da agenda de regularização ambiental”.
A Câmara aprovou o texto da reforma administrativa no dia 31 de maio. A medida passou no Senado no dia seguinte. Antes de Lula sancionar a lei, com vetos, em 19 de junho, os ministérios emitiram pareceres para embasar a decisão do presidente. As críticas feitas por Marina Silva publicamente apareceram na documentação interna, mas não foram mantidas nos pareceres conclusivos.
Conforme a lei em vigor, a “gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) em âmbito federal” ficou a cargo do ministério de Esther Dweck. Ao defender o argumento, o ministério alegou que o Sistema de Cadastro Ambiental Rural (SICAR) estaria mantido com o Meio Ambiente, portanto não haveria prejuízos.
CAR usado em esquema
A manifestação de junho do Ministério do Meio Ambiente é bem diferente da que os técnicos da Pasta e a própria Marina fizeram em maio, quando a Câmara começou a mexer no texto da MP. A coordenadora-geral do SICAR, Rejane Mendes, produziu uma nota técnica se opondo à retirada do cadastro ambiental do MMA.
“A gestão do CAR em âmbito federal, como parte integral do Código Florestal, é propriamente uma competência do Ministério do Meio Ambiente, ao qual compete a formulação e a implementação de políticas públicas ambientais, sem que se desconsidere, por outro lado, a importância da salutar articulação intersetorial do MMA com outras pastas”, frisou Rejane Mendes, em 23 de maio.
O secretário-executivo do ministério, João Paulo Capobianco, também se manifestou contrário à retirada. “O lócus institucional apropriado para gestão do CAR, como instrumento de monitoramento, planejamento e controle ambiental, é o Ministério do Meio Ambiente”, ressaltou, em ofício na mesma data.
Na fase das discussões sobre a MP, Marina Silva chegou a classificar o esvaziamento de sua pasta como um “desserviço ao Estado brasileiro” que poderia “criar gravíssimos prejuízos aos interesses econômicos, sociais e ambientais”. A retirada do CAR, na avaliação da ministra, seria um “erro estratégico”.
“Será um erro estratégico para a agricultura brasileira tirar o Cadastro Ambiental Rural do Ministério do Meio Ambiente, do Sistema Florestal Brasileiro”, disse, dias antes da votação na Câmara. “Será um erro estratégico, em prejuízo da agricultura, em prejuízo do acordo do Brasil com o Mercosul, em prejuízo de tudo que a gente tá conseguindo nestes quatro meses de governo.”
Sob pressão de ruralistas e do Centrão, o governo decidiu não brigar com algumas das mudanças aprovadas na Câmara na MP dos Ministérios. A Medida Provisória estava prestes a caducar e a gestão Lula corria o risco de ter vários dos novos ministérios extintos.
Na reta final, restou ao MMA propor vetos em trechos menos polêmicos. A pasta recomendou, por exemplo, que Lula anulasse o trecho que deixava a cargo do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional a Política Nacional de Recursos Hídricos, a Política Nacional de Segurança Hídrica e a gestão de recursos hídricos, ações historicamente coordenadas pelo Meio Ambiente. Estas foram vetadas e, na prática, Lula impediu o esvaziamento de Marina na Esplanada no setor hídrico.
Procurado, o Ministério do Meio Ambiente não comentou.
Criado em 2012, o CAR se propõe a mapear, a partir da autodeclaração dos proprietários, as características ambientais dos imóveis rurais do País. Cada dono de terra informa, por exemplo, nascentes, áreas de proteção e para criação de gado e lavoura, além de áreas de proteção. No governo de Jair Bolsonaro, o CAR ficou sob a responsabilidade do Ministério da Agricultura. Deputados da bancada ruralista tentaram mantê-lo na pasta.
Aliados de Marina Silva avaliavam que a mudança foi um erro que permitiu um descontrole. Um dos sintomas seria os casos de sobreposição de imóveis rurais com terras indígenas, algo que o CAR não poderia permitir. Ao longo dos anos, o mecanismo passou a ser usado indevidamente, também, para a “grilagem digital”. O governo Lula passou a reeditar filtros para impedir o uso ilegal do mecanismo.
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