O Ministério Público de São Paulo (MP-SP), por meio da Promotoria da Infância e Juventude, apura os termos de um convênio firmado entre a Prefeitura de São Paulo e uma Organização não-governamental (ONG) que era comandada por familiares da secretária municipal de Assistência Social, Marcelina Conceição dos Santos, conhecida como Ciça Santos, o que é proibido por leo. Além da questão familiar, no endereço da ONG funciona uma serralheria, segundo relato do Fórum de Assistência Social de São Paulo (FAS-SP). Após a abertura da investigação, o contrato foi cancelado e a entidade devolveu os recursos.
O documento foi assinado no primeiro semestre deste ano entre a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, comandada por Soninha Francine, e o Instituto Social Arca da Aliança, no valor de R$ 950 mil. O dinheiro seria aplicado num projeto para crianças vulneráveis. Pela legislação, é proibido qualquer parceria entre uma organização e o Poder Público se a entidade for comandada por parentes de servidor de primeiro escalão, como no caso.
Procurada, a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania afirmou, em nota, que, “após o Instituto Social Arca da Aliança ter solicitado a rescisão da parceria, ao constatar o impedimento, decidiu pela anulação do Termo de Fomento formalizado, o que ocorreu em novembro deste ano” e que não houve prejuízo ao erário. A Prefeitura ainda apontou que o MP teria arquivado a investigação (veja abaixo).
Embora uma outra denúncia encaminhada para o MP, por meio da Promotoria de Patrimônio Público e Social, tenha realmente sido arquivada, a apuração do caso conduzida pela Promotoria de Infância e Juventude segue aberta.
A secretaria também diz que houve mudança de endereço solicitada pela ONG antes do início do projeto. O advogado da ONG, Flávio Campos, afirmou que o local em que o projeto foi realizado fica em outro endereço e não no mesmo terreno da serralheria, onde no imóvel ao lado está localizado o escritório da ONG. Na comemoração de assinatura do convênio, a Arca da Aliança também inclui este endereço (veja abaixo).
A defesa da ONG também disse que o trâmite junto à Prefeitura de São Paulo começou em 2022, quando Ciça ainda não estava no primeiro escalão do Executivo (ela virou secretária em abril deste ano). A defesa da ONG espera que a apuração da Promotoria de Infância e Juventude seja arquivada em breve.
De acordo com documentos enviados ao MP, Carmen Lucia Santos, irmã da secretária Ciça Santos, presidia o Instituto Arca da Aliança no momento em que a parceria foi firmada. Ainda na diretoria da ONG, apareciam a filha da secretaria e o genro. Já no conselho fiscal, dois filhos de Ciça faziam parte no momento da celebração do convênio.
No dia 6 de novembro último, o Departamento de Parcerias enviou documento à Secretaria de Direitos Humanos e ao Conselho Municipal de Assistência Social de São Paulo atestando que os familiares de Ciça Santos estavam na direção da instituição.
“Conforme previsto em legislação que rege as parcerias públicas, é vedada a celebração de parcerias entre a Administração Pública e Organizações da Sociedade Civil que, dentre outros, possuam entre seus dirigentes membros do Poder Público, assim como cônjuges e familiares”, diz trecho do documento.
Há ainda citação ao artigo 39, da lei 13.019/2014, que diz ser proibido “celebrar qualquer modalidade de parceria prevista nesta lei a organização da sociedade civil que: (...) III - tenha como dirigente membro de Poder ou do Ministério Público, ou dirigente de órgão ou entidade da administração pública da mesma esfera governamental na qual será celebrado o ter de colaboração ou de fomento, estendendo-se a vedação aos respectivos cônjuges, companheiros, bem como parentes em linha reta, colateral ou por afinidade, até o segundo grau”.
No mesmo documento, o Departamento de Parcerias cita que é de responsabilidade da instituição, no caso Arco da Aliança, informar se há algum impedimento que barre o convênio com ente público. “Em termos procedimentais, esta ausência de vínculos é atestada no momento da celebração da parceria, por meio de documento chamado ‘declaração de não impedimento’. Nesta declaração, a OSC atesta, por meio de seu presidente ou representante legal, que não incorre nas vedações legais para celebração de uma parceria”, diz trecho do documento encaminhado à Secretaria de Direitos Humanos.
Depois de início de apuração do MP, a Arco da Aliança informou à Prefeitura de São Paulo que devolveria a primeira parcela do repasse no valor de R$ 228,5 mil recebidos para atuação no programa “Corujinhas” e encerraria a parceria. A alegação da irmã de Ciça Santos foi a de que não poderia seguir com o projeto por “questões pessoais”. No dia 5 de novembro último, a secretaria de Direitos Humanos, Soninha Francine, rescindiu a contrato.
Em endereço de ONG funciona uma serralheria, diz FAS-SP
Outra questão encaminhada ao Ministério Público é a localização da Arco da Aliança. De acordo com a denúncia publicada pelo FAS-SP, o endereço apontado pela ONG em documentos enviados à Prefeitura de São Paulo como local de funcionamento da entidade, na verdade, é uma serralheria.
“Situada na Rua João da Silva, nº 1, Itaim Paulista, foi indicada no contrato como o local de execução do projeto. No entanto, o Fórum da Assistência Social visitou o endereço e encontrou uma serralheria, visivelmente sem condições de abrigar um projeto social voltado ao atendimento de crianças vulneráveis”, informou o FAS.
No perfil do Instagram da entidade, há uma publicação em que o endereço aparece. Ao comunicar que havia conseguido convênio com a Prefeitura de São Paulo, com validade a partir de agosto deste ano pelo prazo de 24 meses, a página da Arca da Aliança colocou chaves do imóvel junto ao documento de locação ― mesmo endereço da serralheria. De acordo com a defesa, o imóvel que seria utilizado para o projeto fica no mesmo terreno da serralheria. Com o cancelamento do contrato, não havia mais necessidade de manter o local.
“Se o local indicado no processo não possui as condições mínimas para abrigar o projeto, onde está realmente acontecendo o Projeto Corujinhas? Para onde estão indo os recursos públicos destinados a essa iniciativa?”, questionou o FAS-SP, que afirmou ter questionado servidores da Prefeitura de São Paulo, mas não obteve retorno até o momento.
Veja a íntegra da nota da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo:
“A Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania informa que, após o Instituto Social Arca da Aliança ter solicitado a rescisão da parceria, ao constatar o impedimento, decidiu pela anulação do Termo de Fomento formalizado, o que ocorreu em novembro deste ano. A Pasta determinou a devolução integral dos recursos repassados, com atualização monetária, num total de R$ 229.519,92, e cancelou notas para futuros repasses ao projeto, sem prejuízo ao erário público. Conforme a legislação, a Arca da Aliança está impedida de firmar parcerias com a Administração Pública enquanto mantiver em sua diretoria cônjuges ou familiares de servidores públicos. Vale ressaltar que a apresentação do projeto ocorreu antes da nomeação da secretária Ciça Santos. O Ministério Público pediu arquivamento do procedimento que apurava a denúncia contra o termo de parceria e sobre o endereço mencionado a OSC solicitou antes do início do projeto a sua alteração para Rua Professor Zeferino Ferraz, 554.”
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