Do ponto de vista puramente técnico, é quase impossível de ser atendida a cobrança de Gilmar Mendes, presidente do STF, para que o governo deixe de repassar recursos a entidades que promovem invasões de terras e agem na ilegalidade. Afinal, o governo não repassa dinheiro para o MST ou qualquer movimento que encabece invasões ou participe de atos de violência, como o que resultou na morte de quatro seguranças contratados por fazendeiros de Pernambuco, no dia 21. Os recursos vão para associações e cooperativas de assentados da reforma agrária. Elas possuem documentos legais, CNPJ, sede, enfim, tudo o que é necessário para a celebração de convênios com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, por onde passa o dinheiro dos assentamentos. Oficialmente, a verba deve ser destinada para a melhoria da vida dos assentados. Na prática, suspeita-se que parte dela seja desviada para financiar invasões. Para entender melhor, é preciso lembrar que o MST não possui existência legal. Oficialmente inexiste. E, segundo seu principal líder, João Pedro Stédile, nunca vai existir. Diz ele que se trata de um movimento social, não de uma instituição. Por outro lado, o MST precisa do dinheiro público para tocar assentamentos erigidos sob a batuta de seus camaradas. Para consegui-lo, montou associações e cooperativas legais por todo o País. É para elas que se destina o dinheiro que Mendes quer segurar. As ligações entre essas duas partes do MST são íntimas. Quando alguém telefona para algum diretor do MST nos locais em que costumam ficar, em São Paulo, Brasília e em outras partes do País, é informado de que ali é a sede da Anca - a principal organização de fachada do movimento. As suspeitas sobre o desvio de dinheiro não são novidades. Foram levantadas pela primeira vez pelo ministro Raul Jungmann, que chefiou a pasta do Desenvolvimento Agrário no governo de Fernando Henrique Cardoso. Acossado por uma média superior a 500 invasões de propriedades rurais por ano, ele suspendeu o repasse de verbas para as principais entidades ligadas ao MST. Ao mesmo tempo conseguiu que o presidente assinasse uma lei punindo invasores de terras: os que fossem flagrados nessas ações ficariam afastados por dois anos de qualquer possibilidade de serem assentados. A combinação das duas medidas resultou numa queda notável no ritmo de invasões. As torneiras foram reabertas, porém, em 2003, quando Luiz Inácio Lula da Silva chegou ao poder.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.