Múcio quer deixar PEC dos militares como legado, mas proposta enfrenta resistência no Planalto

Ministro da Defesa diz que esta é a época ideal para a aprovação, já que 2026 será ano eleitoral, e vê iniciativa como ‘ação de purificação’ nos quartéis; Casa Civil teme contaminação com atual momento político

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Atualização:

BRASÍLIA – O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, quer deixar como legado, antes de sair do governo, a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que impede a candidatura de militares da ativa a cargos políticos. O avanço da proposta, porém, enfrenta resistências no próprio governo.

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Múcio pediu apoio político ao texto, que ficou conhecido como PEC dos militares na política, durante a primeira reunião ministerial do ano, no último dia 20. Argumentou que países como Estados Unidos, Chile, Portugal, França e Inglaterra já adotam o modelo e disse que esta é a época ideal para a iniciativa ser aprovada, uma vez que 2026 é ano eleitoral.

Na avaliação do ministro, a trava estabelecida na PEC para que militares disputem cargos eletivos – a não ser que passem para a reserva – também serve como antídoto para evitar novos atos golpistas. “É uma ação de purificação”, define Múcio.

O presidente Lula, o comandante do Exército, Tomás Paiva, e o ministro da Defesa, José Múcio: PEC dos militares na política recebeu aval das Forças, mas naufragou no Senado.  Foto: WILTON JUNIOR

A Casa Civil, no entanto, tem resistências à proposta, que está parada no Senado desde o ano passado. Um dos “senões” apresentados é o temor de policiais militares de que a PEC provoque efeito dominó, estendendo a proibição das candidaturas de integrantes das Forças Armadas à categoria.

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A oposição dos PMs contribuiu para barrar o projeto num momento em que o governo tem outra batalha pela frente: a PEC da Segurança Pública, que atinge as polícias nos Estados e conta com divergência de governadores.

O Palácio do Planalto também teme que essa discussão seja “contaminada” pelo julgamento que ocorrerá no Supremo Tribunal Federal (STF), ainda neste ano, do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros indicados pela Polícia Federal no inquérito que apurou a tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023. Na lista está o general Braga Netto, o primeiro quatro estrelas preso na era democrática do Brasil.

Em dezembro, mês da prisão de Braga Netto, Múcio pediu ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para deixar o governo, por motivos pessoais. Alegou que, aos 76 anos, a família cobra a diminuição do seu ritmo de trabalho. Mas nunca quis sair na leva da reforma ministerial que o presidente pretende fazer até março.

Wagner diz que Múcio ficará no cargo até fim do ano

Ex-ministro da Defesa, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), disse que Lula convenceu Múcio a ficar no cargo até o fim deste ano. O receio do chefe do Executivo é que a saída do auxiliar, com bom trânsito no Exército, na Marinha e na Aeronáutica, provoque turbulência nas Forças Armadas.

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Além disso, Lula enfrenta dificuldades para encontrar um nome que possa substituir o titular da Defesa. Chegaram ao Planalto informações de que militares não querem nenhum político no comando da pasta, nem mesmo o vice-presidente Geraldo Alckmin. Preferem um diplomata.

A hashtag “Fica Múcio”, aliás, marcou a confraternização de fim de ano no Ministério da Defesa. Apesar da afirmação de Wagner sobre a permanência de Múcio, ele próprio não fala sobre o assunto e apenas sorri. “Meu futuro depende do meu chefe”, repete o ministro para todos que lhe perguntam sobre seu destino.

No ano passado, representantes de PMs procuraram líderes do governo para pedir que a PEC dos militares não fosse adiante. Tiveram sucesso na empreitada. O senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), vice-presidente no governo Bolsonaro, também foi um dos mais enfáticos críticos da PEC.

“Essa proposta busca cercear o direito do militar da ativa de concorrer a um cargo eletivo ao obrigar aquele que possui menos de 35 anos de serviço a passar para a reserva não remunerada. Na prática, coloca o militar como cidadão de segunda categoria”, reclamou o general, que também se queixou da inclusão das Forças Armadas no pacote do corte de gastos.

O protesto de Mourão era esperado, mas a falta de empenho do Planalto para a tramitação da PEC aborreceu Múcio. A proposta foi concebida após muitas negociações, com aval dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, para ser uma resposta concreta à politização das tropas.

Na última década, o número de candidaturas de profissionais ligados às forças de segurança disparou. Entre 2010 e 2022, em quatro eleições federais seguidas, a quantidade de militares reformados que entraram nas disputas pulou de 172 (0,76% de todas as candidaturas) para 255 (0,87%), segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Integrantes das Forças Armadas que se candidataram passaram de 60 (0,22%) para 63 (0,22%), após um pico de 91 (0,31%) em 2018; policiais civis, de 141 (0,63%) para 186 (0,64%); e policiais militares, de 473 (2,10%) para 835 (2,85%).

Em conversas reservadas, oficiais afirmam que o governo e a esquerda apelam para forte retórica contra os militares, mas, quando há uma solução à mesa, como no caso da PEC, não trabalham para que o projeto saia do papel.

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Há na caserna uma insatisfação com a abordagem dada pelo governo ao 8 de janeiro de 2023, quando aliados de Jair Bolsonaro (PL) atacaram as sedes dos três Poderes, na esteira da derrota eleitoral do então presidente. A data se tornou uma espécie de efeméride da defesa da democracia e a cada ano o Planalto promove uma cerimônia para lembrar a tentativa de golpe.

Na avaliação de Múcio e de comandantes militares, é preciso separar a instituição Forças Armadas do CPF daqueles que cometeram crimes. É por isso que, mesmo antes do envio da PEC que proíbe a candidatura de oficiais da ativa, o comandante do Exército, Tomás Paiva, já dizia que a política deve ficar fora dos quartéis. “Se o camarada quer ser político, que mude de profissão”, afirmou o general.

Para o cientista político Paulo Cunha, a PEC é positiva ao disciplinar candidaturas de militares, mas peca ao “afastá-los da política”. No seu diagnóstico, o foco deveria estar em coibir a partidarização das Forças Armadas.

Cunha lembrou que Bolsonaro chegou a fazer campanha dentro dos quartéis, enquanto outros candidatos não tiveram a mesma deferência. Já o general Eduardo Pazuello (PL), ex-ministro da Saúde e hoje deputado federal, subiu em um palanque e não foi punido.

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“Os militares nunca foram sozinhos para a política”, observou Cunha, que é professor de Teoria Política da Unesp e autor do livro Militares e militantes. “Setores civis sempre estiveram à frente dos quartéis pedindo um golpe de Estado. O que temos de mudar é a relação de diálogo entre os militares e a sociedade, para que os civis passem a entender qual é o papel das Forças Armadas.”

Eduardo Heleno de Jesus Santos, professor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF), disse, por sua vez, que a PEC dos militares é bem-vinda, mas não pode ser a única iniciativa para combater a politização dos quartéis.

Santos defendeu maior disciplina na presença de militares nas redes sociais e criticou o uso de postos e patentes concedidos durante o período na caserna como identidade de campanha. Para ele, militares que seguem carreira política não podem mais usar a farda.

“A questão aqui não é a negação ao direito de representação. Temos na história brasileira, nos mais variados espectros políticos, militares que se tornaram parlamentares, alguns até fundaram partidos”, constatou o professor. “Entendo que o militar com pendor para a atividade político-partidária possa fazer essa escolha, desde que respeite uma espécie de moratória para se candidatar, e leve em consideração a transferência para a reserva, já que se trata de um assunto particular.”

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