Muda, Supremo!; leia análise

Decisões revertendo cassações de deputados são apenas sintoma de doença mais grave: o modelo decisório da Corte

PUBLICIDADE

PUBLICIDADE

Por Joaquim Falcão

As decisões do ministro Nunes Marques suspendendo a cassação de dois deputados bolsonaristas pelo TSE são apenas sintoma de doença mais grave. Que doença é esta? Como descrevê-la? Tem cura? É a seguinte.

PUBLICIDADE

Pela Constituição, o Supremo é um órgão coletivo. Seu poder, legitimidade e independência vêm da coletividade decisória. Da participação de todos os ministros nas decisões. Justamente para evitar o que Nunes Marques fez agora.

A doença é o modelo decisório que o Supremo se autopratica. Se não mudar o modelo, o sintoma volta. A doença progride. Possivelmente até com ministros uns contra os outros.

O autofágico modelo decisório resulta do exagero de recursos, da estratégia dos advogados e procuradores e do vácuo de prazos decisórios. Tudo junto, permite-se que ministros ajam, cada um, sendo o próprio Supremo.

O ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal. Foto: Carlos Moura/STF

Resultou nos “onze supremos”. Até mais, se somarmos as turmas, a Presidência e o Plenário. Todos com pelo menos quinze minutos de fama.

Publicidade

Talleyrand, notável político francês, do século XVIII, dizia que “tudo em excesso torna-se insignificante”. É o que acontece. Quando se tem onze ou mais supremos, tem-se supremo nenhum.

Catarina, a Megera Domada de Shakespeare, na tradução de Millôr Fernandes, encerrava a peça dizendo: “Quanto mais queremos ser, menos somos”.

Deu no que deu. No que está dando. Um Supremo de temporários. Onde a decisão de um só ministro é final enquanto dura.

Decisões isoladas de ministros podem ser apenas “fake narrativas processuais”.

Não se trata de discutir se Nunes Marques tem ou não competência para suspender ou revogar decisões do TSE. Nem se estaria abrindo nova porta processual autônoma no Supremo: a “tutela provisória antecipada”. Muito menos sobre qual o prazo para levar ao Plenário.

Publicidade

A questão não é mais de interpretação legal. É de comportamento individual. Como deve se comportar um ministro? Qual sua visão de Supremo? Seus compromissos? Palavras sozinhas não geram independência decisória necessária. Afinal, o que é, para Nunes Marques, o Supremo no Estado Democrático de Direito?

Só o Supremo pode curar o próprio Supremo.

Se o Congresso aprovar lei ou emenda constitucional tentando diminuir os onze supremos para apenas um, como determina a Constituição, o atual individualismo exagerado vai reagir. Vai dizer que o Congresso não pode interferir. Fere a cláusula pétrea de separação e independência dos Poderes.

Na democracia, quem é independente é o Supremo coletivamente. Com este modelo decisório baseado no monocratismo, o Supremo criou o seu próprio vírus.

Muda, Supremo!

Publicidade

* Membro da Academia Brasileira de Letras, professor de Direito Constitucional e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI)

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.