Mudança na comunicação do governo tem desejo de Lula, influência de Janja e divergências no PT

Presidente quer construir uma espécie de ‘arcabouço digital’ na segunda metade de seu mandato, a partir de 2025, para divulgar entregas e se contrapor ao bolsonarismo, mas não há acordo com o PT sobre tom da disputa política nas redes sociais

PUBLICIDADE

Foto do author Vera Rosa
Atualização:

BRASÍLIA – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer construir uma espécie de “arcabouço digital” para a segunda metade de seu governo, que começa em janeiro de 2025. A comunicação é, na prática, a primeira pasta na qual Lula pretende mexer e dar um “chacoalhão” para deter o avanço da extrema-direita nas redes sociais.

PUBLICIDADE

A mudança não se limita, porém, somente à possível troca do ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), Paulo Pimenta, expoente da chamada “esquerda” do PT.

Antes mesmo de ser internado em São Paulo para uma cirurgia na qual drenou um hematoma provocado por sangramento intracraniano, Lula já dizia que a comunicação do governo era frágil, sem uma linguagem única, e por isso cada ministro e cada parlamentar do PT divulgavam o que bem entendiam.

Até agora, no entanto, não há consenso entre auxiliares da Secom, a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, e a cúpula do PT sobre o caminho a seguir nessa seara. Janja exerce muita influência na Secom, principalmente sobre a Secretaria de Estratégias e Redes, e age com total autonomia.

Publicidade

Em 8 de janeiro deste ano, por exemplo, quando a tentativa de golpe completou um ano, ela bolou um vídeo com ministros, que foi exibido nas redes, no qual todos diziam a palavra “Democracia”. Pimenta só ficou sabendo do convite para a gravação – da qual ele também participou – após a notícia ser publicada.

Ao lado da primeira-dama Janja, o presidente Lula diz não ser possível aceitar gente "de alta graduação militar" tramando sua morte, a do vice Geraldo Alckmin e a do ministro Alexandre de Moraes. Foto: Fabio Vieira/Estadão

Não é de hoje que o PT acha que Lula precisa ter mais protagonismo no embate com o ex-presidente Jair Bolsonaro. Mas, após a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, a preocupação com a batalha da comunicação aumentou.

Dirigentes do partido dizem que o presidente deve fazer mais pronunciamentos em rede nacional de rádio e TV para disputar a narrativa política com os bolsonaristas e destacar a gravidade do que ocorreu no País em 8 de janeiro de 2023. O pedido vem sendo feito a Lula desde o ano passado.

Não foi à toa que, ao deixar o hospital Sírio Libanês no domingo, 15, o presidente comentou a prisão do general Braga Netto, que foi ministro da Defesa e da Casa Civil, além de candidato a vice na chapa de Bolsonaro, em 2022.

Publicidade

“Este País teve gente que fez 10% do que eles fizeram e que foi morta na cadeia. Não é possível a gente aceitar o desrespeito à democracia, à Constituição, e admitir que, num País generoso como o Brasil, a gente tenha gente de alta graduação militar tramando a morte do presidente da República, do seu vice e de um juiz que era presidente da Suprema Corte Eleitoral”, disse Lula, que definiu o governo do antecessor como “praga de gafanhotos”.

No diagnóstico do PT, porém, as Forças Armadas precisam ser enquadradas o mais rápido possível. Desde a reunião do Diretório Nacional do partido, no último dia 7, petistas voltaram a cobrar a demissão do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro. O presidente discorda e afirma que Múcio fica. Ele só sai do governo se quiser.

Sidônio pode atuar como assessor especial

O publicitário Sidônio Palmeira, por sua vez, é cotado tanto para substituir Pimenta como para ser assessor especial do presidente. Marqueteiro da campanha petista ao Palácio do Planalto, em 2022, Sidônio é o responsável pelo slogan do terceiro mandato de Lula – “União e Reconstrução”. Foi ele também quem preparou o pronunciamento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre o pacote fiscal.

Sidônio vai se encontrar com Lula nos próximos dias. O presidente quer conversar com o marqueteiro, que é contra a polarização defendida pelo PT, sobre o melhor modelo a ser adotado para a estratégia digital de sua gestão, a partir de 2025. Tem em mente a ofensiva para o ano eleitoral de 2026, mesmo se não for ele o candidato.

Publicidade

PUBLICIDADE

“O PT tem culpa e o meu governo tem culpa porque a gente não pode permitir em nenhum momento que alguém que pense como a extrema-direita no nosso País tenha mais espaço nas redes sociais do que nós e consiga projetar as suas maldades mais do que a gente consegue projetar as bondades que fazemos”, argumentou Lula ao participar por teleconferência, no dia 6, de um seminário organizado pelo PT e Fundação Perseu Abramo.

A própria internação do presidente para uma cirurgia de emergência, em São Paulo, escancarou as falhas na comunicação do governo. A imprensa só soube do que havia ocorrido após a operação, na madrugada de terça-feira, 10, quando o hospital Sírio Libanês divulgou um boletim médico, o que deu margem a várias especulações sobre a saúde do presidente.

Uma ala do governo acha que Lula deveria recriar o cargo de porta-voz, mas não há acordo sobre isso. No primeiro mandato, quem ocupava esse posto era o jornalista André Singer; no segundo, a função foi entregue ao diplomata Marcelo Baumbach. No Planalto, o argumento usado por quem defende a escalação de um porta-voz tem alguns motivos: blindar Lula, evitar a “bateção de cabeça” entre ministros e impedir os tiros no pé, como o de fevereiro, quando o presidente comparou o ataque de Israel na Faixa de Gaza ao Holocausto.

Paulo Pimenta diz que 2024 foi um ano difícil e reafirma lealdade a Lula dentro ou fora do governo. Foto: Pedro Kirilos

A não ser que seja convencido a mudar de ideia, porém, Lula não quer ter novamente um porta-voz. Avalia como desnecessário e repete que ele mesmo faz essa tarefa. Apesar da bronca endereçada à Secom, o presidente também não vai deixar Pimenta “na chuva”. Deputado licenciado, o ministro poderá ser deslocado para outro cargo na reforma da equipe, prevista para fevereiro de 2025.

Publicidade

Pimenta tem dito que o presidente sempre contará com ele, tanto no governo como fora. “Este ano de 2024 foi difícil. Tivemos enchentes no Rio Grande do Sul e, depois, o País tomado pela fumaça, com uma seca histórica”, afirmou.

Durante quatro meses, Pimenta – que é de Santa Maria (RS) – comandou a Secretaria Extraordinária criada pelo governo para enfrentar a tragédia das chuvas em território gaúcho. Agora, em 2026, ele pretende concorrer ao Senado por seu Estado e assegura não estar magoado com Lula. “O presidente é muito autêntico, fala o que pensa. Eu compartilho da preocupação dele com a comunicação”.

Em setembro, a Secom teve de cancelar uma licitação para um contrato de comunicação digital, no valor de R$ 197,7 milhões por ano. Dois meses antes, o Tribunal de Contas da União (TCU) havia suspendido a concorrência por indícios de quebra do sigilo das propostas após o site O Antagonista publicar nas redes sociais, de forma cifrada, as iniciais das quatro empresas vencedoras.

O governo fará outra licitação, mas o processo ainda está sob análise jurídica. “Eu acho que o presidente precisa mudar o ministério, dar ritmo ao governo para divulgar as entregas e organizar os palanques para as eleições de 2026″, disse o deputado Jilmar Tatto (SP), secretário de Comunicação do PT. “É preciso que todo mundo fale a mesma linguagem, mas hoje isso não está acontecendo.”

Publicidade

Para o deputado Rogério Correia (PT-MG), é injusto culpar Pimenta por todos os problemas do governo. “Quando as coisas não estão bem, não há comunicação que resolva”, observou. “A comunicação não pode ser responsável pelo conteúdo.”

Candidato derrotado à prefeitura de Belo Horizonte, Correia sustentou que falta ao governo uma ofensiva política de enfrentamento à extrema-direita. “O PT não tem de ir para o centro”, avaliou ele, criticando setores do próprio partido que pregam essa posição. “A tese de que não podemos ir para a polarização é pior. O povo precisa saber o que está acontecendo e não vamos deixar o golpe ser normalizado”, insistiu o deputado.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.