Uma mulher mais velha, mal-remunerada, com baixa escolaridade e que vive sem o cônjuge, nos centros urbanos, é a típica brasileira que comanda um quarto das famílias do País, revela o Perfil das Mulheres Responsáveis pelos Domicílios no Brasil. Os dados do Censo 2000 divulgados pelo IBGE nesta quinta-feira, véspera do Dia Internacional da Mulher, apontam que, na década de 90, o porcentual de famílias sob responsabilidade feminina aumentou de 18% para 24,9%. As ?chefes de família? representavam apenas 8,5% da população feminina em 1991. Em 2000, já eram 13%. São 11,1 milhões de mulheres nesta condição, de um total de 86,2 milhões de brasileiras. Um dos dados mais preocupantes é de que metade delas tem renda mensal de apenas R$ 276. Um quinto não sabe ler nem escrever. Os números não refletem apenas independência e emancipação feminina. No Nordeste, por exemplo, são conseqüência também da migração de homens para outras regiões, em busca de emprego. É entre as famílias nordestinas que está a maior proporção de chefes de famílias mulheres ? são 25,9%. Muito perto está o Sudeste, onde 25,6% dos domicílios têm uma mulher como referência. Outros fenômenos que explicam o crescimento das mulheres como pessoa-referência são os divórcios e separações, ou o simples abandono, além das mães solteiras, que nunca viveram com os pais de seus filhos. Um terceiro fator é o fato de que as mulheres vivem bem mais que os homens. Muitas ficam viúvas e passam a ser a referência familiar. O censo revelou que um terço das mulheres responsáveis pelas famílias tem mais de 60 anos de idade. Em geral, o critério usado pela população recenseada para escolher o responsável pela família é quem tem a maior remuneração. Os demógrafos do IBGE calculam que a renda da pessoa-referência representa 70% do orçamento familiar e acreditam que, no caso das mulheres, o peso é ainda maior. A renda média das chefes de família, apurada em agosto de 2000, era de R$ 591. No entanto, 5,5 milhões de mulheres-referência não ultrapassavam os R$ 276 de rendimento mensal. É a chamada renda mediana, que divide ao meio o universo estudado. Em dez dos 27 Estados (os nove do Nordeste mais Tocantins) a renda mediana das mulheres responsáveis pelos domicílios é de apenas um salário mínimo (R$ 151 em agosto de 2001). A renda média também das chefes de família nordestinas é a mais baixa, de apenas R$ 376, enquanto a do Sudeste chega a R$ 712 mensais. Apesar de ainda ser muito baixo, houve um aumento de 60% no rendimento da mulher que comanda as famílias. Em 1991, a renda média era equivalente a R$ 365. A renda mediana cresceu 78% (era equivalente a R$ 155 no início da década). A baixa escolaridade das pessoas responsáveis por domicílios em geral e das mulheres em particular é outro dado negativo revelado pelo censo. Os índices de analfabetismo são maiores entre os chefes de família do que entre o total da população residente. Enquanto o índice de analfabetismo geral é de 12,8%, entre as pessoas-referência nos domicílios é de 17,2%. E as mulheres estão em desvantagem. Entre as responsáveis por famílias, 20,5% não sabem ler nem escrever. As analfabetas funcionais (que têm menos de quatro anos de estudos) chegam a 37,7%. Ao longo da década, houve uma melhora: em 1991, o índice de analfabetismo entre as mulheres responsáveis por domicílios era de 31,3%. No universo de homens que comandam famílias, o porcentual é de 16,1%. Os piores índices estão em Alagoas. Chega a 43,6% o analfabetismo entre as mulheres chefes de família no Estado. Entre as capitais, Alagoas tem o pior porcentual: 24,4% das responsáveis são analfabetas. O melhor desempenho entre os Estados está no Distrito Federal, onde 8,9% das chefes de família são analfabetas. Nas capitais, o melhor desempenho é em Porto Alegre, com apenas 4,9%. A maior participação da mulher no comando dos domicílios é uma das novidades do perfil da família brasileira, que começou a queda na taxa de fecundidade e conseqüente redução do número de filhos. ?No futuro a sociedade vai absorver esse modelo de família. Nesta pesquisa, vimos que em torno de 90% das mulheres responsáveis por domicílios não têm conjuge e também 90% ainda se ocupam de afazeres domésticos, o que mostra jornada dupla de trabalho para muitas delas?, diz a coordenadora da pesquisa, Ana Lúcia Sabóia. Fenomeno urbano O fenômeno de mulheres responsáveis por domicílios é tipicamente urbano. Estão localizados em cidades 91,4% dos domicílios com responsáveis do sexo feminino. Apenas 8,6% estão na área rural. Em 26 capitais, o índice de famílias comandadas por mulheres supera a média nacional. Porto Alegre fica em primeiro lugar, com 38,2% dos domicílios comandados por pessoas do sexo feminino. São 13 pontos a mais que o índice do País. Além de ter o maior índice de mulheres chefes de família, a capital gaúcha está entre as que apresentam melhores condições de vida dessas pessoas-referência. A média de anos de estudos é de 8,7, perdendo apenas para Florianópolis, com 9,2. A renda média também está muito acima da média nacional: R$ 1.101,20 mensais. Mais uma vez, neste item o melhor desempenho é de Florianópolis, com rendimento de R$ 1.224,08 mensais. Já Salvador e Recife, que ficam em segundo e terceiro lugares entre as capitais com mais índice de mulher chefe de família, não repetem os mesmos bons indicadores. Na capital pernambucana, a renda média das mulheres é de R$ 744,25 e na capital baiana, de R$ 657,81. Um fator decisivo para o elevado índice de mulheres portoalegrenses chefes de família é a elevada expectativa de vida feminina no Rio Grande do Sul, de 74 anos, uma das mais altas do País. Verifica-se então o fenômeno das mulheres que ficam viúvas e passam a ser referência do domicílio, seja vivendo ainda com filhos ou sozinhas. Na análise do IBGE, é um fenômeno completamente diferente do que ocorre em Salvador e Recife, que também têm muitas famílias chefiadas por mulheres. ?Os dois Estados (Bahia e Pernambuco) são fortemente marcados pela emigração masculina. Além disso, o fenômeno da dissolução conjugal é muito freqüente nas camadas mais pobres da população, podendo estar afetando os resultados verificados nestas duas capitais. De qualquer forma, as altas proporções de domicílios com responsáveis mulheres nas diversas capitais são generalizadas, independentemente do grau de desenvolvimento local?, diz o estudo. Palmas é a capital com menor porcentual de domicílios com mulheres responsáveis ? são 23,4%. No entanto, é a que teve disparado o maior aumento ao longo da década. Em 1991, apenas 8% das famílias tinham uma mulher como pessoa de referência na capital de Tocantins. Houve um crescimento de 15 pontos porcentuais em nove anos.
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