BRASÍLIA – Em 200 anos de independência do Brasil, alguns dos cargos mais importantes na hierarquia dos poderes ainda não foram ocupados por mulheres. Nunca brasileiras foram eleitas presidente da Câmara ou do Senado. Elas também jamais comandaram os ministérios da Defesa, da Justiça e das Relações Exteriores. Nas Cortes superiores, ministras chegaram a ocupar postos de presidência, mas ainda são minoria.
Criado sob o eco do movimento separatista de 1822, a pasta da Justiça exibe uma galeria de ex-ministros apenas com fotografias de homens. O Itamaraty, por sua vez, nasceu ainda sob o domínio português, em 1821, e carrega até hoje o predomínio masculino, nunca tendo tido uma chanceler. O mesmo acontece com a pasta da Defesa, criada em 1999 para aglutinar a representação política das Três Forças, que só teve civis e militares homens no comando das tropas. Marinha e Aeronáutica já contam com almirantes e brigadeiros mulheres. Só o Exército ainda não tem uma oficial-general.
É a história de uma República machista. Desde a queda da monarquia, há 133 anos, apenas Dilma Rousseff ocupou a cadeira de chefe do Executivo. Hoje, o primeiro escalão do governo tem um número recorde de mulheres no controle de ministérios. São 11 pastas em mãos femininas e 26 sob a gestão de homens. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não repartiu, porém, entre elas, o poder concentrado nas pastas da Defesa, Fazenda, Justiça, Relações Exteriores e Casa Civil.
Pelas estatísticas, 51,1% da população brasileira é feminina. As mulheres, porém, não são maioria nos gabinetes. Prestes a completar duzentos anos de fundação, a Câmara e o Senado somam atualmente apenas 106 parlamentares femininas, o equivalente a 18% das cadeiras no Congresso. Nas duas Casas, o número de mulheres eleitas no ano passado foi recorde, com 91 deputadas e 15 senadoras, mas ainda está distante do ideal de paridade. Em todo seu tempo de existência, o Senado teve apenas uma presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a principal da instituição, a agora ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB).
O avanço das mulheres no Poder Judiciário foi maior do que no Executivo e no Legislativo. Com 131 anos, o Supremo Tribunal Federal teve ao longo de toda a sua história três presidentes mulheres: Ellen Gracie, Cármen Lúcia e a atual, Rosa Weber. Há agora a pressão de movimentos sociais de mulheres para que Lula crie uma quarta vaga de ministra no tribunal para suceder o ministro Ricardo Lewandowski, que se aposentará em maio deste ano. Fato é que nem a terceira vaga de ministra está garantida depois de setembro, quando Rosa Weber se aposenta.
Ao visitar a ministra no ano passado, após ser eleito, Lula foi apresentado ao mural de ex-presidentes da Corte e provocado pela ministra sobre a pouca quantidade de mulheres. Pessoas que testemunharam a conversa dizem que o petista apenas se calou diante da provocação.
Machismo político
A deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) avalia que a ausência de mulheres no comando das casas do Congresso simboliza o “machismo” na carreira política. “Pelo número de mulheres dentro do parlamento, isso já deveria ter sido superado”, afirma. “Nós ainda encontramos dificuldades no machismo e no patriarcado, como sistema estrutural, mas também há problemas como as anistias recorrentes dadas a partidos que descumprem as cotas de mulheres. Uma vez que não se pune os partidos infratores, o sistema se torna leniente.”
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Líder da bancada feminina no Senado, a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) observa que o aumento registrado de mulheres parlamentares se deveu à aprovação da lei que reservou 30% dos recursos do Fundo Eleitoral para candidaturas femininas, mas pondera que, sem leis mais rigorosas, o acesso das mulheres aos cargos da mesa diretora da Câmara e do Senado continuará restrito. Ela defende a adoção de reservas de vagas em cargos dos Três Poderes. “Se a gente for no delineador natural, por meio da conscientização, nós vamos levar 100 anos para alcançar a paridade”, afirma.
A pesquisadora e socióloga Giselle Agneli recorre à formação da cultura política brasileira para explicar o fenômeno da exclusão feminina dos espaços de poder. Fundadora do coletivo Vote Nelas, ela lembra que as mulheres só puderam votar e se candidatar a partir de 1932. Giselle avalia que a falta das mulheres nos cargos decisórios também se explica pela divisão sexual do trabalho. Enquanto as mulheres são socialmente cobradas a cuidar da casa e da educação dos filhos, os homens não sofrem com as mesmas demandas e ficam livres para investir em suas carreiras políticas, que geralmente exigem períodos de afastamento da família.
Pesquisa DataSenado registrou que 41% das mulheres candidatas a cargos eletivos em 2016 relataram falta de apoio dos partidos políticos. Giselle sugere a criação de reservas de vagas nas estruturas partidárias para minimizar a relação desigual na distribuição de recursos entre os gêneros. “São os homens que dominam os diretórios. O partido tem muitas ferramentas para ajudar e alavancar as candidaturas femininas, mas, com o regime de cotas (do Fundo Partidário), o que eles querem são mulheres candidatas, não eleitas”, afirma.
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