Multidão na rua e barulho na janela

Movimentos anti-Dilma se organizam em grupos de WhatsApp e negam ter grandes financiadores

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Por Clarissa Thomé e Valmar Hupsel Filho

Parado em frente a um restaurante da zona sul em que costuma se encontrar com colegas de movimento, Rogério Chequer desliza o dedo sobre o telefone celular e mostra uma lista de grupos de WhatsApp que rola tela acima. “Aqui ó: este é o Vem Pra Rua”, afirma. 

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Em outro ponto de São Paulo, no centro, Renan Santos abre as portas de uma sala de dois ambientes onde se veem mesas de trabalho bagunçadas e rodeadas de instrumentos musicais. “Este aqui é o ‘aparelho’ do Movimento Brasil Livre”, diz, usando a expressão com a qual militantes de esquerda se referiam a seus esconderijos na ditadura. 

Os líderes dos dois principais movimentos organizadores dos protestos anti-Dilma, que no espectro ideológico estão no que se pode chamar de direita liberal, dizem que se valem de estrutura mínima para organizar atos como o de domingo passado, que os elevou ao patamar de maior pedra no sapato da presidente Dilma Rousseff fora do Congresso.

Os líderes Chequer (centro), do Vem Pra Rua, posa com Renan Santos e Kim Kataguiri, do MBL Foto: Evelson de Freitas/Estadão

Com a adesão do partido Solidariedade e da Força Sindical, de grupos periféricos como o Revoltados On Line e Movimento Endireita Brasil, e até de organizações de ideologias mais radicais como o SOS Forças Armadas, o Intervenção Já e Quero Me Defender, que pedem a intervenção militar, eles organizaram, no domingo da semana passada, a maior manifestação popular do País desde as “Diretas-Já”. 

“Nosso escritório é no WhatsApp”, diz Renan, de 30 anos, num discurso muito parecido ao de Chequer, de 46 anos, também empresário. Ele explica que a sala usada pelo Movimento Brasil Livre, no sétimo andar de um edifício comercial localizado na Avenida Brigadeiro Luís Antonio é, na verdade, a sede da empresa em que ele, o irmão e amigos produzem videoclipes e campanhas pela internet para sobreviver. O custo com o aplicativo de trocas de mensagens instantâneas em telefones celulares é zero. 

A despeito das especulações de que são financiados por partidos políticos de oposição, pelos bilionários irmãos Kock, pelo empresário Jorge Paulo Lemann - o homem mais rico do Brasil, segundo a revista Forbes - e até pela CIA, os líderes do Movimento Brasil Livre, ou MBL, e doVem Pra Rua, ou VPR, juram que vivem apenas de doações de simpatizantes - e nenhum desses simpatizantes está na lista acima. “Estamos até agora esperando nosso milionário. Se sem grana já estamos fazendo esse barulho, imagine com dinheiro”, ironiza Renan. 

Ele conta que o grupo recebe doações via PayPal - sistema de pagamento online. “São pequenas doações, de R$ 50, R$ 30 e até de R$ 2. A maior delas foi de R$ 1 mil, salvo engano de uma mulher de Campina Grande”, relata. De gozação, o grupo passou a confeccionar e distribuir entre os doadores uma carteirinha com os dizeres “eu sou agente da CIA”. 

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Desde a semana passada o MBL passou a usar do artifício de vender camisetas e adesivos pela internet para arrecadar dinheiro. O investimento foi de R$ 11 mil para a confecção das peças e, até a sexta-feira, o retorno foi em torno de R$ 8 mil, segundo Renan. Camisetas são vendidas a R$ 40 e os kits com adesivos, a R$ 25. 

O dinheiro é depositado nas contas pessoais dos organizadores porque o MBL não existe formalmente. “Sabemos que em algum momento teremos que existir formalmente, mas nosso medo é se perder na burocracia, e perder a agilidade e leveza que temos hoje”, diz Renan. Ele explica que o que entra é usado para cobrir os custos de divulgação das atividades na internet e as manifestações de rua. “Temos dificuldade de captar recursos porque somos muito jovens e não temos relação com empresários. Nosso coordenador de Belo Horizonte, por exemplo, tem 17 anos.” 

No protesto de domingo passado, integrantes do Vem Pra Rua, como a fisioterapeuta Verena Shcultze, de 47 anos, estavam vendendo por R$ 25 camisas amarelas com a marca do grupo. A estampa em preto era uma mão sem o dedo mindinho, numa alusão de gosto duvidoso ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e a palavra “Basta!”. “Mandei confeccionar as camisas e estou vendendo a preço de custo”, diz ela, que afirmou não ter votado na última eleição porque estava trabalhando na Suíça. 

Chequer afirma que o grupo não vende camisas. Prefere dizer que são doações cujo valor mínimo é de R$ 25. “A gente sugere doações de R$ 25, se alguém quiser dar R$ 50, ok. Sabe quanto a gente arrecadou vendendo... arrecadando doações com as camisetas? R$ 20 mil.” 

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O valor arrecadado cobriu parte dos custos da manifestação. O aluguel do trio elétrico usado pelo grupo, diz, custou R$ 9 mil. “O segredo é que tem muita gente trabalhando para isso. Você se surpreenderia com a quantidade de gente envolvida. Sabe quanto que a gente gasta com essas pessoas? Zero. As únicas pessoas remuneradas no ato eram poucos seguranças - e nem todos, porque alguns deles estavam trabalhando voluntariamente - e o pessoal da mesa de som. Só.” 

Diferente do MBL, que possibilita a doação de qualquer interessado, o VPR recebe doações, mas somente dos seus membros. “Temos um grupo de WhatsApp com 90 membros. Se arrecadarmos R$ 200, R$ 300 de cada um, quanto não arrecadaríamos?”, diz Chequer. O núcleo duro do grupo, que não tem sequer uma sede física, é formado por pessoas bem empregadas em grandes empresas e profissionais liberais, cujas identidades Chequer prefere preservar mesmo diante da insistência da reportagem. 

Integrantes do Movimento Brasil Livre se reúnem no escritório do grupo, localizado no centro de São Paulo Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Profissionalismo. Em documento interno da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, revelado na terça-feira passada pelo portal estadao.com.br, o governo federal elogiou o “profissionalismo” da ação online dos grupos que organizaram os atos de domingo passado. O texto também acusa os grupos de usar robôs especializados em replicar mensagens de forma mais rápida e eficiente que a capacidade humana, para “bombar” suas publicações nas redes sociais. “A partir do final de janeiro, as páginas mais radicais contra o governo passaram a trabalhar com invejável profissionalismo, com uso de robôs e redes de WhatsApp”, diz o texto. 

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Segundo o documento, com o uso desse artifício o Vem Pra Rua conseguiu engajamento de 4 milhões de pessoas nos últimos três meses enquanto as páginas de Dilma e do PT foram compartilhadas por 3 milhões de internautas. “Não usamos robôs. Conseguimos esse alcance sem uso de qualquer mecanismo. A força e a capilaridade da causa foram suficientes para alcançar o número de pessoas que alcançamos”, afirma Chequer. Só pelo Facebook, o grupo estima ter alcançado 12 milhões de pessoas na semana passada. 

Para Renan, o uso de robôs pode ser bom para marcas e candidatos a cargos eletivos, mas seria uma estratégia ineficiente para movimentos de rua como o MBL ou o VPR. “Se queremos que pessoas estejam presentes em eventos de rua por que iremos usar perfis vazios?”, argumenta. Segundo ele, a força dos movimentos está na rede de colaboradores que replicam as mensagens de forma direta. Mensagens que chamam multidões e fazem barulho, como nos panelaços ouvidos em várias capitais durante pronunciamentos de Dilma na TV, todos convocados e espalhados via celular e redes sociais. 

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