Municípios paulistas têm R$ 831 milhões em emendas Pix parados em caixa, diz TCE-SP

Recursos acumulados em contas bancárias revelam possível ineficiência na gestão pública dos recursos; levantamento destaca disparidades entre cidades e falhas na transparência

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Foto do author Bianca Gomes

Os municípios paulistas acumulam R$ 831 milhões parados em contas bancárias, oriundos de transferências especiais, as chamadas emendas Pix. Segundo o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), o saldo acumulado pode ser um indicativo de ineficiência na gestão pública desses recursos.

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Os dados, obtidos com exclusividade pelo Estadão, estão disponíveis no novo painel do TCE-SP, denominado Transferências Especiais. A plataforma apresenta informações detalhadas sobre as emendas Pix transferidas por deputados e senadores aos municípios fiscalizados pelo tribunal — todos os municípios paulistas, exceto a capital. Para realizar o levantamento, o TCE-SP enviou questionários a todas as cidades do Estado, que forneceram os dados sobre os repasses.

Segundo o TCE-SP, esses recursos, parados nos bancos, representam uma “oportunidade desperdiçada de investimento em serviços e infraestrutura que poderiam melhorar a qualidade de vida dos cidadãos e atender demandas urgentes em áreas como saúde, educação, segurança e saneamento”.

Sede do TCE-SP, na região central de São Paulo Foto: Laercio Bispo / TCE-SP

Dos R$ 831 milhões em caixa, a maior parcela (82,52%) é composta por recursos federais, enquanto apenas 17,48% têm origem em repasses estaduais. Os dados são referentes a repasses de 1º de janeiro de 2020 a 30 de agosto deste ano.

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“Se o administrador mantém o dinheiro parado porque está planejando uma utilização positiva dos recursos, ótimo, significa que ele não está jogando o dinheiro em qualquer ação. O que é inadequado é esse dinheiro sobrar, ficar rendendo juros. Dinheiro público não é feito para isso. Na área pública, o déficit é inaceitável, mas um superávit sem justificativa também, pois os recursos foram arrecadados para serem investidos em benefício da sociedade local, e não para se acumularem em aplicações financeiras”, afirma Renato Martins Costa, presidente do TCE-SP.

Reveladas pelo Estadão, as emendas Pix, oficialmente chamadas de “transferências especiais”, são um mecanismo que permite o envio direto de recursos do Congresso e das assembleias estaduais para as contas das prefeituras e governos, sem burocracia ou vínculo com programas específicos. As verbas ficam à disposição do prefeito ou governador, como um cheque em branco, o que tem gerado preocupações de autoridades devido à falta de transparência.

O presidente do TCE-SP explica que, nas emendas Pix, os valores são transferidos diretamente para a conta do tesouro municipal, ficando a cargo do administrador público decidir como utilizá-los. “Essa elasticidade de utilização é o que nos preocupa, pois, sem a necessidade de prestar contas, aumenta a chance de os recursos serem destinados a políticas públicas menos relevantes”, afirmou. Ele exemplificou com o caso de um município que opta por usar os recursos para promover um show artístico, em vez de investi-los em áreas prioritárias, como saúde, educação ou infraestrutura.

O levantamento do Tribunal de Contas paulista revelou falhas de transparência na execução dos recursos: 44% dos municípios não dispõem de um link específico em seus Portais da Transparência para detalhar todas as emendas recebidas. Desse total, 35,7% afirmaram não disponibilizar nenhum link e 7,9% informaram possuir link apenas para as emendas federais. Outro dado relevante revela que, em uma a cada três cidades, a aplicação desses recursos não foi submetida à fiscalização do Controle Interno do Município.

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O painel do tribunal revela um boom nas emendas Pix de origem federal no ano passado. Em 2022, os deputados federais destinaram R$ 153,8 milhões aos municípios por meio dessa modalidade. No ano seguinte, esse montante quase quintuplicou, alcançando R$ 767,3 milhões. Já no âmbito estadual, o cenário foi oposto: houve uma redução no volume de recursos até o período analisado.


Desde 2020, os municípios receberam R$ 158 milhões em emendas Pix para despesas correntes da prefeitura e R$ 1,6 bilhão para investimentos. As notas de empenho emitidas mediante dispensa de licitação, inexigibilidade, convite e “outras” representam 31,2% do total, seguidas por pregão eletrônico (28,7%), pregão presencial (18%), tomada de preços (15,7%) e concorrência (6,4%).

O painel do TCE-SP mostra que apenas 24 municípios paulistas (4% das cidades do Estado) nunca receberam transferências especiais. Carapicuíba, na Grande São Paulo, lidera com folga o ranking de repasses, com R$ 174,2 milhões recebidos desde 2020. A cidade tem aproximadamente 400 mil habitantes e concentra, sozinha, 10% de todos os recursos do tipo distribuídos no estado. O deputado federal Pastor Marco Feliciano (PL-SP) foi quem mais destinou a verba ao município (R$ 30,7 milhões), seguido pelo ex-deputado federal Alexandre Frota (R$ 27,2 milhões), eleito vereador em Cotia, cidade vizinha.

Para se ter uma ideia da disparidade, a média de recursos provenientes de emendas Pix entre todas as cidades do Estado é de R$ 52,75 por habitante. Em Carapicuíba, no entanto, esse valor chega a R$ 450,12 por habitante, o que significa que cada morador da cidade recebeu, em média, mais de oito vezes a média registrada nos municípios paulistas.

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Em nota, a Prefeitura de Carapicuíba disse que as transferências especiais têm sido fundamentais para agilizar processos burocráticos, como a aprovação de projetos, licitações e execução de obras. “Assim, garantimos que os benefícios cheguem de forma mais rápida e eficiente à população, que é a principal beneficiada com esses investimentos.”

A Prefeitura afirma ainda que a grande quantidade de recursos destinados à cidade é fruto do “bom relacionamento do município com os gestores e parlamentares dos mais diversos partidos e orientações políticas” e que as informações referentes às emendas parlamentares e seus respectivos destinos estão disponíveis no Portal da Transparência municipal.

“O que chama a atenção é o crescimento exponencial dos recursos em 2023, especialmente das transferências federais, além da distribuição por todo o estado. Há, também, uma concentração significativa em alguns municípios, que receberam volumes consideráveis, algo que também nos chama a atenção”, afirma o presidente do TCE-SP, ressaltando que o tribunal pretende investigar detalhadamente como esses recursos foram utilizados.

Parlamentares defendem legitimidade e agilidade das emendas Pix

O painel do TCE-SP apresenta um ranking dos cinco parlamentares que mais destinaram emendas Pix federais desde 2020. No topo da lista está o senador Giordano (MDB-SP), seguido pelos deputados federais Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), Marco Feliciano, Gilberto Nascimento (PSD-SP) e Fausto Pinato (PP-SP). Os valores apresentados abaixo correspondem ao total das emendas Pix repassadas por esses parlamentares de 2020 até agosto deste ano.

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Em nota, Giordano disse que a destinação de emendas parlamentares é um dos instrumentos mais relevantes para promover melhorias diretas na vida da população. Segundo ele, essa modalidade de emenda proporciona maior agilidade e eficiência na liberação dos recursos, garantindo que os benefícios cheguem rapidamente aos cidadãos. “O compromisso com a eficiência e a efetividade das políticas públicas norteia cada decisão sobre o uso dessas verbas”, afirmou o senador, acrescentando que, no caso das emendas alocadas pelo seu mandato, “todas as iniciativas buscam atender critérios de necessidade e impacto social, com prioridade para construção de hospitais, infraestrutura em municípios, custeio em saúde, investimentos em assistência social, em entidades como a Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais)”.

Feliciano, por sua vez, ressaltou que as emendas são de livre indicação pelos membros do Congresso e que a cidade de Carapicuíba é “extremamente populosa” e necessita de muitos investimentos em infraestrutura, educação, saúde e segurança pública para promover o desenvolvimento sustentável e melhorar a qualidade de vida de seus cidadãos. “As indicações feitas por este parlamentar na época atenderam esse contexto”, disse a assessoria do deputado ao Estadão.

O deputado federal Fausto Pinato disse, em nota, que as emendas de Transferência Especial são uma ferramenta constitucional para garantir que os recursos federais cheguem de forma rápida e eficiente dentro da legalidade às cidades que mais necessitam. “O deputado tem trabalhado de forma legal para atender às demandas dos municípios paulistas em todas as áreas, priorizando áreas como saúde, educação e infraestrutura”, afirmou o deputado, que reafirmou seu compromisso com a transparência e a responsabilidade na destinação dos recursos públicos.

Já o deputado Gilberto Nascimento afirmou que o modelo “está amparado pela Constituição Federal, que assegura o direito de direcionar recursos públicos para atender às necessidades locais das bases eleitorais” e disse que “essa modalidade proporciona mais agilidade aos municípios no uso dos recursos e maior autonomia para definir as prioridades de investimento.”

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“Um exemplo prático é sua aplicação em áreas como educação e infraestrutura, beneficiando diretamente a população, especialmente em cidades menores que enfrentam restrições orçamentárias”, disse, completando que o mecanismo garante um atendimento rápido a demandas locais. Ele ainda ressaltou que os valores se referem ao período de quatro anos.

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