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Rubinho Nunes após polêmica em CPI das ONGs: ‘Não é correto afirmar que enganei qualquer colega’

Em entrevista ao Estadão, vereador disse ter confiança de que CPI que mira padre Júlio Lancellotti será aprovada na Câmara de São Paulo, e afirma que é vítima de uma ‘campanha de perseguição’ promovida por apoiadores de pároco

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Foto do author Zeca  Ferreira
Atualização:
Foto: Divulgação/Rubinho Nunes
Entrevista comRubinho NunesVereador da cidade de São Paulo

Depois de uma ampla repercussão negativa, que resultou na perda de apoio entre vereadores, a instalação de uma Comissão de Inquérito Parlamentar (CPI) sobre ONGs que tem na mira o padre Júlio Lancellotti tornou-se cada vez mais incerta na Câmara de São Paulo. Apesar disso, o autor da proposta, vereador Rubinho Nunes (União), disse, em entrevista ao Estadão, que tem “bastante confiança” de que a abertura da comissão será aprovada pelo Legislativo paulistano.

“Preciso de 28 votos (no plenário). Uma coisa que sempre faço é contar votos na Câmara. Por mais que não tenha o apoio do PT, do PSOL, do PSB e de alguns colegas isolados, ainda assim tenho uma boa confiança (na aprovação da CPI)”, afirmou o vereador, que disse ter ficado surpreso com o tamanho da repercussão do caso. “Não imaginava que um pedido de CPI para investigar ONGs que atuam na Cracolândia fosse tomar uma proporção nacional como tomou”.

Vereador Rubinho Nunes (União) afirma que tem confiança de que CPI das ONGs será aprovada na Câmara de São Paulo. Foto Tiago Queiroz / ESTADAO 

A objeção à proposta de Rubinho reuniu figuras de diferentes matizes ideológicos, indo desde o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o deputado Guilherme Boulos (PSOL), à esquerda, até o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), e o secretário de Relações Institucionais do Estado, Gilberto Kassab (PSD), à direita. A Arquidiocese de São Paulo ainda questionou, em nota, a abertura da CPI das ONGs e manifestou o seu apoio ao padre Lancellotti.

Segundo o vereador, a forte oposição à proposta de uma CPI para investigar o trabalho de organizações sem fins lucrativos que atuam no centro de São Paulo é resultado de uma “campanha de perseguição” contra ele e os demais parlamentares que assinaram o requerimento. Rubinho alega que a finalidade da comissão, que seria apurar a atuação de ONGs, “foi desvirtuada pela narrativa de Lancellotti”, que teria se colocado como o alvo principal da proposta.

No intuito de sepultar a CPI, de barrar a investigação, criaram uma campanha de perseguição a mim e aos vereadores que assinaram a CPI

Vereador Rubinho Nunes (União)

A declaração de Rubinho representa uma mudança no discurso observado em suas próprias redes sociais. Em publicações feitas no X (antigo Twitter) entre os dias 3 e 4, o vereador apresentava uma postura mais bélica em relação ao padre, afirmando que o religioso sentaria no “banco dos réus”. Além disso, o parlamentar possui um histórico de embates com Lancellotti, convocando-o para depor em uma audiência da Frente Parlamentar em Defesa do Centro no ano passado.

Após a perda de apoio entre colegas, porém, os posts de Rubinho começaram a destacar as ONGs em vez do sacerdote. No dia 6, o parlamentar publica um vídeo no X em que alega estar sendo “perseguido pela grande mídia”. Além disso, o parlamentar considera que mesmo as entidades que não recebem repassem da Prefeitura devem ser investigadas. “O argumento de que elas não recebem dinheiro público é raso”, disse.

Sobre o recuso de seus colegas, Rubinho disse que respeita a posição de todos que retiraram o apoio à criação da CPI. No dia 5, quatro dos 24 vereadores que inicialmente assinaram a proposta voltaram atrás, alegando desconhecimento sobre a investigação do padre. Rubinho contesta, afirmando que sempre deixou claro o propósito da comissão durante a coleta de assinaturas.

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Em seu primeiro mandato como vereador, Rubinho exerce importantes funções na Câmara. Ele é relator na Comissão Especial de Estudos sobre a privatização da Sabesp, preside a Comissão de Política Urbana, que discute a revisão da Lei de Zoneamento, e atua como corregedor geral da Casa. Também foi cogitado para substituir o vereador Milton Leite na presidência da Câmara. Veja a entrevista completa abaixo:

Nos últimos dias, a proposta de CPI das ONGs tem sido amplamente discutida na esfera pública. Inclusive, com duras críticas à medida. Como o senhor avalia a repercussão desse caso?

Fiquei surpreso com o tamanho da repercussão gerada pela CPI das ONGs. Não imaginava que um pedido de CPI para investigar ONGs que atuam na Cracolândia fosse tomar uma proporção nacional como tomou. Mas, analisando todo o cenário, foi realizada uma campanha de blindagem dessas ONGs, capitaneada pelo Júlio Lancellotti, a fim de inviabilizar a instalação da CPI, o que demonstra que há algo severo a ser investigado. Especialmente porque a finalidade da CPI acabou desvirtuada pela narrativa do Júlio. Ele é uma das figuras que pode também ser investigada, mas o objetivo são as ONGs que atuam no centro de São Paulo. E, a partir do momento que ele transforma uma CPI para investigar ONGs numa guerra entre o Legislativo paulistano e a Igreja - o que não faz o menor sentido -, ele dá outra conotação, envolvendo ainda figuras como Lula, Guilherme Boulos, Marina Silva, transformando o debate numa disputa entre direita e esquerda ao invés de ter um caráter de fiscalização. Tudo isso trouxe essa proporção muito grande. No intuito de sepultar a CPI, de barrar a investigação, criaram uma campanha de perseguição a mim e aos vereadores que assinaram a CPI, o que mais uma vez demonstra, para mim, que há algo de muito grave que eles tentam esconder e precisa ser investigado.

Padre Júlio Lancellotti recebe bilhete de ameaça na porta de sua igreja. Foto: Reprodução/ Instagram: padrejulio.lancellotti

O padre Júlio Lancellotti alega que não faz parte de nenhuma organização que receba recursos públicos. Caso essa informação seja confirmada, qual seria o foco da investigação proposta pela CPI?

Se é isso que ele diz, então por que ele está tão preocupado com a instalação da CPI? As ONGs que atuam no centro, recebendo ou não dinheiro público, elas orbitam ao redor do Lancellotti, de maneira direta ou indireta. Então, ele é uma pessoa que, se tivesse um compromisso com a seriedade do trabalho realizado ali, poderia comparecer espontaneamente à Câmara de São Paulo para ajudar nas investigações e aperfeiçoar o trabalho dessas ONGs. Mas ele fez exatamente o oposto. E mesmo que ele não figure diretamente no quadro administrativo de nenhuma ONG, sabendo que ele é o rosto dessas ONGs que atuam no centro de São Paulo, especialmente na região da Cracolândia, ele é uma figura que precisa ser ouvida e talvez até investigada, dada a amplitude do trabalho que ele realiza e a gravidade da situação da Cracolândia que nós temos hoje. Mas eu volto a dizer: o nosso objetivo não é investigar um indivíduo, é investigar as ONGs. E ainda que se analise a postura do Lancellotti, não se analisa a postura da igreja, da arquidiocese, mas, sim, exclusivamente daquele indivíduo com relação às ONGs.

Quer dizer que o objetivo da CPI não é investigar o padre Júlio Lancellotti?

Não, são as ONGs (o objeto de investigação da CPI). Existem inúmeras ONGs que atuam no centro de São Paulo. Elas exercem função de interesse público. O argumento de que elas não recebem dinheiro público é raso. Porque você pode, por exemplo, abrir uma CPI para investigar aplicativos que atuam em São Paulo. Foi aberta uma vez uma CPI para investigar a evasão fiscal de bancos. Eu posso abrir uma CPI para investigar a atuação delas no centro de São Paulo.

Entre os possíveis alvos da CPI das ONGs, o senhor também mencionou o Bompar, entidade católica que recebeu R$ 41,8 milhões da Prefeitura de São Paulo em 2023. Porém, essa entidade é ligada à Arquidiocese de São Paulo. Esse fato altera o andamento de uma possível investigação?

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Essa entidade tem uma grande aproximação com a Igreja Católica. Eu respeito demais a Igreja Católica. Já fui uma pessoa que frequentou ativamente a Igreja Católica. Fui batizado, fiz a primeira comunhão. Hoje eu sou evangélico. De toda forma, entendo que, a partir do momento que ela recebe recursos e faz uma função de interesse da prefeitura, ela pode ser analisada.

A proposta de CPI surge de suspeitas sobre o uso indevido de repasses feitos pela Prefeitura para essas ONGs. O senhor tem alguma informação que não foi divulgada sobre isso?

Tenho denúncias sobre casos de “nepotismo”, que é a contratação de parentes de agentes políticos dentro dessas ONGs que exerceriam função fantasma. Também tenho denúncias de desvio de recursos dessas ONG para custeio de seus gestores, com esses recursos sendo utilizados em benefício próprio desses indivíduos. Um ponto interessante que precisa ser analisado é se essas ONGs estão servindo para atender a finalidade delas, que é erradicar a miséria e trazer dignidade para as pessoas, ou para enriquecer aqueles que as administram.

Alguns parlamentares que assinaram o requerimento afirmam não terem conhecimento de que o padre Júlio Lancellotti seria investigado, alegando terem sido enganados, e retiraram seu apoio à proposta. Antes das assinaturas, o possível envolvimento do padre nas investigações já havia sido revelado? Como o senhor responde às acusações de ter enganado outros vereadores?

Primeiramente, respeito a posição de todos os vereadores que retiraram o apoio. Entendo que a pressão realizada pela militância ligada ao Lancellotti, a cortina de fumaça que ele criou, assuste alguns colegas, especialmente em ano eleitoral, pois começaram a realizar um ataque às bases, inclusive aos doadores de campanha deles. Porém, não é correto afirmar que enganei ou que ludibriei qualquer colega. No momento da coleta de assinaturas, sempre deixei muito claro o objetivo da CPI e que o padre poderia ser investigado. Inclusive, não é de hoje que realizo tentativas de fiscalização ao redor do Lancellotti. Na Frente Parlamentar de Defesa do Centro, a qual eu presido, já aprovei uma convocação do Lancellotti e tornei isso público nas redes. No ato de coleta de assinaturas, sempre deixei muito claro sobre o que se tratava. E volto a dizer, não é um ato de perseguição à Igreja, mas, sim, uma fiscalização na pessoa, no indivíduo do Lancellotti, o qual não se confunde com o sacerdote e muito menos com a Igreja.

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O vereador Rubinho Nunes. Foto: Afonso Braga/ Câmara Municipal de São Paulo

Após a repercussão negativa, algum dos vereadores que retiraram o apoio ao requerimento da CPI procurou o senhor para discutir o assunto?

A maioria dos vereadores que retiraram a assinatura (do requerimento de CPI) entrou em contato dizendo que teriam que retirar, e eu sempre disse que está tudo bem, porque são todos meus amigos. Tenho uma relação maravilhosa com todos os vereadores, de muito respeito O Xexéu é um amigo pessoal, o Thammy, o Sidney, eu sei do posicionamento deles… Só não acho correto dizer que foi enganado. E não foram todos (que dizerem isso), sei especificamente quem foi o único vereador que disse que foi enganado, mas isso não aconteceu.

Tenho bastante confiança que ela vai ser aprovada, porque eu preciso de 28 votos, e uma coisa que eu sempre faço é contar votos na Câmara

Vereador Rubinho Nunes (União)

E o senhor teme que a proposta de CPI não seja aprovada pelo plenário da Câmara?

Tenho bastante confiança que ela vai ser aprovada, porque eu preciso de 28 votos, e uma coisa que eu sempre faço é contar votos na Câmara. Por mais que eu não tenha o apoio do PT, do PSOL, do PSB e de alguns colegas isolados, ainda assim tenho uma boa confiança (na aprovação).

O advogado do padre Júlio Lancellotti mencionou a possibilidade de tomar medidas legais contra o senhor, alegando calúnia e difamação, e sugerindo que o senhor busca se promover às custas do padre. Qual é a sua resposta a essas acusações?

Primeiro ponto é que acho que ele deveria se ater à defesa do cliente dele, e não a análises políticas. Ele é um advogado, não um analista político. Mas não tenho o menor problema quanto a ameaças processuais, até porque eu sou advogado. Todos os trâmites que a gente tem adotado aqui na Câmara estão dentro do estrito rigor da lei. O objetivo não é atacar ou vilipendiar a imagem do Lancellotti de maneira alguma, mas, sim, esclarecer os fatos com relação à CPI das ONGs.

O que dizem o padre Júlio Lancellotti e as ONGs

O padre Júlio Lancellotti afirma que se trata de uma ação legítima quando se instala uma CPI para investigar o uso de recursos públicos pelo terceiro setor, mas acrescenta que não faz parte de nenhuma organização conveniada à Prefeitura de São Paulo, e, sim, da Paróquia São Miguel Arcanjo.

O sacerdote diz ainda que seus trabalhos estão vinculados à Ação Pastoral da Arquidiocese de São Paulo, que, por sua vez, “não se encontra vinculada, de nenhuma forma, às atividades que constituem o objetivo do requerimento aprovado para criação da CPI em questão”.

A Craco Resiste, um dos alvos de Rubinho, rechaçou as acusações e afirmou não ser um ONG, e sim um projeto de militância . “Quem tenta lucrar com a miséria são esses homens brancos cheios de frases de efeito vazias que tentam usar a Cracolândia como vitrine para seus projetos pessoais”, declarou a entidade em nota divulgada nas redes sociais. A reportagem não conseguiu contato com o Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto, conhecido como Bompar, também mencionada pelo vereador.

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