Nomeações de última hora protegem quem?

Nomeações estratégicas no ocaso da elite política que se despede gera restrições a mudanças radicais por parte da que entra

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colunista convidado
Foto do author Carlos Pereira

A cada transição de governo, com a chegada de uma nova elite política no poder, surgem preocupações sobre a possibilidade de que a composição de vários órgãos de controle e de representação do País, como agência reguladoras, tribunais, comissões de ética, embaixadas etc, reflita estrategicamente as preferências da “velha” e não da “nova” elite.

A interpretação dominante é a de que a principal motivação do governo que se despede é a autoproteção. É racional supor que, ao nomear pessoas de sua confiança, a elite que sai estaria assim se protegendo contra potenciais retaliações da elite que entra.

O presidente Jair Bolsonaro, a poucos dias de deixar o Palácio do Planalto, indicou nomes de confiança para cargos importantes, como o de Célio Faria Junior para integrar a Comissão de Ética Pública da Presidência da República.  Foto: Dida Sampaio/Estadão

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Será que a sociedade não poderia extrair algum benefício desse comportamento estratégico no crepúsculo de governos que perdem eleições?

Um efeito colateral desse comportamento supostamente autoprotetivo é criar restrições ao próximo governante. Funcionaria como uma salvaguarda política e institucional contra potenciais mudanças radicais da preferência mediana da sociedade, o que estaria alinhado com o desenho inclusivo do presidencialismo multipartidário.

É natural que um novo governo eleito busque moldar o perfil de várias políticas públicas às suas promessas de campanha. Mas, diante da polarização de preferências entre a nova e a antiga elite política, também seria racional que a que está prestes a deixar o poder tenha interesse em “amarrar as mãos” da que entra, para reduzir de forma intertemporal seus graus de liberdade na implementação de políticas distantes das suas preferências.

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Vale salientar que essa conduta, supostamente oportunista, não é uma prerrogativa do governo Bolsonaro. Outros governos, inclusive os de Lula, apresentaram comportamentos semelhantes.

No artigo Delegation Dilemmas: Coalition Size, Electoral Risk and Regulatory Governance in New Democracies eu e meus coautores, Marcus Melo e Heitor Werneck, testamos a hipótese de que quanto maior a autonomia delegada por governadores estaduais para agências reguladoras, menores seriam as chances de interferência política do seu sucessor na política estadual.

Mostramos que quanto maior o risco eleitoral do incumbente perder as eleições, capturado pela menor distância entre o primeiro e segundo colocados e pela maior frequência de alternância de elites no poder, maior a autonomia delegada para agências reguladoras nos estados brasileiros.

Eleições extremamente incertas e competitivas, decididas por pequena margem, e grande alternância de elites no poder têm sido a marca da democracia brasileira. Daí não ser surpresa nomeações estratégicas para funções de Estado nos estertores do governo que se despede.

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