Nova Câmara de SP pode aprovar ampliação das funções da GCM e internação compulsória na Cracolândia

Levantamento do Estadão consultou os 55 parlamentares eleitos em São Paulo, apresentando cinco perguntas sobre temas polêmicos das eleições; ao todo, 38 (70%) responderam a pelo menos uma questão, enquanto 17 (30%) optaram por não se posicionar sobre temas relevantes para a capital paulista

PUBLICIDADE

Foto do author Adriana Victorino
Foto do author Elton Félix
Foto do author Gabriela Pessanha
Foto do author Hugo Henud
Foto do author Luana Simões
Foto do author Pedro Lima
Por Adriana Victorino, Elton Félix, Gabriela Pessanha, Hugo Henud, Luana Simões e Pedro Lima
Atualização:

A maioria dos vereadores eleitos em São Paulo tende a aprovar projetos para ampliar o armamento e as atribuições da Guarda Civil Metropolitana (GCM). A conclusão é resultado do levantamento realizado pelo Estadão, que consultou os 55 parlamentares vencedores nas urnas em 6 de outubro, apresentando cinco perguntas sobre temas debatidos nas eleições municipais e que podem ser deliberados na próxima legislatura. Ao todo, 38 vereadores (70%) responderam a pelo menos uma das questões, enquanto 17 (30%) optaram por não se posicionar sobre tópicos relevantes para a capital paulista.

A pesquisa possibilitou que cada parlamentar justificasse suas posições sobre as questões levantadas e também incluiu outros projetos em debate, como a desapropriação de imóveis abandonados para criação de moradias populares, a internação compulsória de dependentes químicos na região da Cracolândia e a ampliação da gratuidade do transporte público em São Paulo — iniciativas que, a princípio, têm maior chance de aprovação devido ao apoio da maioria dos vereadores que participaram do levantamento.

Estadão ouviu os parlamentares que vão ocupar a Câmara em 2025 para saber suas visões de temas discutidos na cidade Foto: Alex Silva/Estadão

PUBLICIDADE

Em contrapartida, a proposta de proibir o uso de banheiros femininos por mulheres trans encontra resistência na nova composição da Câmara, com a maioria dos vereadores consultados manifestando-se contrariamente à iniciativa.

Entre os que preferiram não participar estão figuras como a influenciadora Zoe Martinez (PL); Silvão Leite e Silvinho Leite, ambos do União Brasil e ligados a Milton Leite, presidente da Câmara; Major Palumbo (PP); Dr. Murillo Lima (PP); Renata Falzoni (PSB); Thammy Miranda (PSD); André Santos (Republicanos); Ely Teruel (MDB); Sandra Santana (MDB); Cris Monteiro (Novo); e Ana Carolina Oliveira (Podemos), mãe de Isabella Nardoni e segunda mais votada nestas eleições.

Para Vinicius Alves, diretor do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe) Analítica e professor de ciência política do IDP, a decisão de não se pronunciar pode ter sido uma estratégia política para evitar “queimar pontes” com o prefeito reeleito Ricardo Nunes (MDB) e, ao mesmo tempo, se resguardar em temas com pouco consenso em suas bases eleitorais.

Alves ressalta que o levantamento em torno desses temas permite vislumbrar quais disputas poderão ser priorizadas por serem menos controversas entre um grupo distinto de vereadores, e quais têm potencial para gerar embates, caso sejam deliberadas ao longo da próxima legislatura.

A seguir, confira como as respostas dos 38 parlamentares que participaram da pesquisa sinalizam a direção que a Câmara poderá tomar a partir de janeiro.

Publicidade

Maioria dos vereadores defende armamento da Guarda Municipal

A segurança pública e o papel da GCM foram temas predominantes nas eleições deste ano entre os candidatos à Prefeitura de São Paulo. Uma vez proposto pelo prefeito, o projeto precisa ser analisado e votado pela Câmara Municipal, passando pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para verificação de sua legalidade e depois por outras comissões pertinentes. O projeto, caso aprovado, segue para sanção do prefeito. A maioria simples é suficiente para aprovar a maior parte dos projetos, mas temas mais complexos exigem maioria absoluta — pelo menos 28 votos dos 55 vereadores.

Sobre o tema, 26 vereadores se declararam favoráveis à ampliação do uso de armas de fogo e do aumento das atribuições da corporação, enquanto 11 se posicionaram contra a iniciativa. Dos 17 que optaram por não responder, 12 fazem parte da coligação de Nunes — composta por PP, MDB, PL, PSD, Republicanos, Solidariedade, Pode, Avante, PRD, Mobiliza e União —, o que, na avaliação de Alves, indica uma tendência de aprovação do projeto caso venha a ser deliberado.

A bancada do PSOL, composta por seis vereadores, foi unânime em rejeitar o projeto. Entre eles, Toninho Vespoli afirma que “mais armas não resolverão a questão da segurança pública em São Paulo” e destaca que a GCM “foi criada com foco na segurança patrimonial e comunitária, enquanto o policiamento ostensivo é uma atribuição da Polícia Militar.”

Já o vereador Sargento Nantes (PP), eleito com cerca de 100 mil votos e com carreira na Polícia Militar, defende a proposta ao argumentar que a GCM assumiu, ao longo do tempo, responsabilidades que vão além da proteção de bens e serviços municipais.

Ampliação da gratuidade do transporte público conta com apoio majoritário

Os vereadores eleitos também foram questionados sobre a ampliação da gratuidade do transporte público em São Paulo — tema amplamente debatido entre os candidatos à Prefeitura da capital. Atualmente, o município oferece tarifa zero aos domingos, e cabe ao Legislativo discutir a possibilidade de ampliação, com análise pela Comissão de Finanças e Orçamento da Câmara Municipal e pela Comissão de Trânsito, Transporte e Atividade Econômica.

A medida também estava presente nas propostas dos candidatos que defendiam a ampliação da tarifa zero de forma gradual e com responsabilidade fiscal.

Dos 38 vereadores eleitos que responderam ao questionário do Estadão, 31 são a favor da ampliação da gratuidade do transporte público, enquanto 5 se opõem à medida. Outros 2 parlamentares – um pró-Nunes e um da oposição – não se manifestaram sobre a proposta.

Publicidade

A vereadora Janaina Paschoal (PP), por exemplo, critica a medida, chamando-a de “irreal”. “Tudo que é gratuito, alguém paga. Muitas vezes, são os impostos de pessoas até mais carentes,” justifica, explicando sua posição desfavorável à gratuidade.

Por outro lado, os 13 vereadores eleitos por partidos de oposição, como PSOL e PT, apoiam a medida. O arquiteto e urbanista Nabil Bonduki (PT), porém, prefere não assumir um posicionamento definitivo, afirmando que só apoiaria a gratuidade caso os contratos com empresas fossem “revistos com a remuneração por quilômetro rodado e não por passageiro, que incluísse todos os modais coletivos — incluindo o metrô e a CPTM — e houvesse uma fonte alternativa de financiamento do transporte coletivo que substituísse o Vale Transporte,” explica ao Estadão.

Desapropriação de imóveis abandonados tem mais apoio na oposição

A desapropriação de imóveis abandonados ou desocupados para criação de moradias populares em São Paulo foi uma das principais bandeiras do candidato à Prefeitura Guilherme Boulos (PSOL), que liderou o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). O prefeito Ricardo Nunes buscou capturar o eleitorado sensível ao tema utilizando discursos direcionados e citando em seus discursos o programa “Pode Entrar”, criado pelo ex-prefeito Bruno Covas — uma iniciativa que visa facilitar a construção de moradias de interesse social, a requalificação de imóveis urbanos e a aquisição de habitações populares.

No total, 27 vereadores declararam apoio à desapropriação de imóveis ociosos, sendo 10 da base do governo e o restante de partidos de oposição. Em contrapartida, 8 vereadores se opõem à medida, enquanto 3 preferiram não responder a essa pergunta, alegando a necessidade de uma discussão mais ampla. Entre eles está Adrilles Jorge (União), que considera necessário analisar os casos individualmente. “A propriedade privada não pode ser tocada ou desapropriada pelo Estado,” afirma o vereador ao Estadão.

A vereadora Silvia da Bancada Feminista (PSOL), por sua vez, defende a medida justificando o déficit habitacional no município. De acordo com o Censo 2022, o centro de São Paulo abriga 58,7 mil imóveis desocupados, enquanto 80.369 pessoas vivem em situação de rua na capital, conforme um levantamento do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua (OBPopRua), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

“O grande número de moradias precárias e de moradores em situação de rua são marcas de uma cidade socialmente muito desigual. Além disso, boa parte desses imóveis vazios têm dívidas gigantescas de impostos e só servem à especulação imobiliária”, ressalta a vereadora psolista.

Maioria concorda sobre internação compulsória de dependentes

Dos vereadores eleitos, 26 se declararam favoráveis à internação compulsória para dependentes químicos na região da Cracolândia; enquanto outros 12, dos partidos PSOL, PT, REDE e PSB, não concordam com a ação como forma de lidar com o problema.

Publicidade

Silvia da Bancada Feminista argumenta que a dependência química deve ser tratada por meio de políticas de saúde pública, moradia e emprego, e não pela internação compulsória. “Não resolve”, diz. Ricardo Nunes, por sua vez, afirma que cerca de 900 dependentes frequentam a Cracolândia diariamente e defende a internação involuntária de usuários crônicos de crack, respaldada pela Lei nº 13.840, de 2019.

Durante a campanha de 2024, os principais candidatos apresentaram a internação compulsória como um compromisso do poder público, defendendo que o tema exige avaliação médica cuidadosa.

Ao Estadão, a campanha do prefeito reeleito afirmou que considera o tema mais ideológico do que prático, apesar de também apoiar a abordagem de tratamento.

Maior parte dos vereadores não é favorável a proibição de mulheres trans em banheiros femininos

A proibição do uso de banheiros femininos por mulheres trans foi explorada como bandeira de campanha do vereador eleito mais votado em São Paulo, Lucas Pavanato (PL). Além disso, ele também defendeu a extinção de banheiros unissex em locais públicos. A medida foi apresentada por ele como prevenção contra a violência sexual e abuso de mulheres nestes espaços.

Entre os demais eleitos, 24 se posicionaram contra a criação de um projeto de lei que restrinja o acesso de pessoas que não se identificam com o sexo biológico aos espaços destinados ao gênero feminino. A Dra. Sandra Tadeu, do mesmo partido de Pavanato, o PL, é uma das que se opõem à ideia.

Além do defensor do projeto, outros 11 nomes eleitos da direita e centro-direita também se dizem favoráveis à criação de uma lei que limite o acesso aos sanitários – entre eles vereadores do MDB, PL, Podemos, PP, PSD e União.

Por outro lado, três vereadores preferiram não se posicionar sobre o tema. Para Ricardo Teixeira (União) a decisão precisa levar em conta a opinião da população com um todo. “É um assunto novo e a sociedade tem de participar da discussão. É preciso ampliar o debate, promover audiências públicas. Acredito que temos de ouvir os especialistas no assunto, os legisladores, advogados, as famílias, as pessoas trans. E o que o eleitor decidir é o que vamos fazer”, diz.

Publicidade

O assunto segue em indefinição no cenário nacional. Em julho deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF), considerou que não havia uma questão constitucional a ser julgada no caso de uma mulher trans que entrou com pedido de indenização por danos morais após se sentir confrontada por um segurança na saída de um banheiro, em shopping em Florianópolis (SC). A discussão do caso iniciou em 2015.

Apesar da falta de normas sobre a questão, ministros do STF reconheceram a necessidade de avançar em medidas para a garantia de direitos, amparo e proteção da população transgênera contra crimes de transfobia.

A antropóloga e coordenadora da Pós-Graduação em Antropologia da FESPSP, Isabela Kalil, avalia que os resultados do levantamento apontam para uma gestão de continuidade, sustentada pelo alinhamento com o prefeito reeleito e pela reeleição de 35 parlamentares. “A agenda mais conservadora será mantida,” afirma.

Kalil também destaca que pautas como segurança pública, originalmente uma atribuição estadual, devem prevalecer na agenda dos vereadores, com uma crescente transferência desse tema para a esfera municipal, exemplificada pelas propostas envolvendo a GCM.

Em sua análise, essas agendas mais ideológicas, embora frequentemente se limitem a discursos e propostas fora das atribuições diretas da Câmara, desempenham um papel significativo para certos segmentos de eleitores, funcionando como plataformas políticas para que vereadores conquistem esse público — como no caso da proposta de restringir o uso de banheiros femininos por mulheres trans.