BRASÍLIA – A nova cúpula do Congresso vai pressionar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a acelerar a reforma ministerial e a resolver o bloqueio das emendas parlamentares para votar projetos essenciais, como o do Orçamento de 2025, antes do carnaval. Diante de um presidente que inicia a segunda metade de seu mandato com queda de popularidade, partidos da base de sustentação do governo aproveitam a crise para cobrar mais caro pelo apoio e também querem espaço no Palácio do Planalto.
Lula sabe que não terá vida fácil pela frente, nem na Câmara, agora presidida por Hugo Motta (Republicanos-PB), nem no Senado, sob comando de Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). Com dificuldades em exibir uma agenda positiva, o chefe do Executivo tem contabilizado uma sucessão de más notícias – do alto preço dos alimentos à crise do Pix, passando pelo aumento dos juros – e pesquisas indicam que a aprovação do governo despencou.
Foi o que bastou para que o Centrão começasse a duvidar da expectativa de poder para a disputa presidencial de 2026. Agora, Lula aposta em uma nova estratégia de comunicação, sob a batuta do ministro Sidônio Palmeira, em mais contato com o povo e com o Congresso, e até em uma aliança com o Supremo Tribunal Federal (STF) para manter a governabilidade.

Em discurso na tribuna do Senado, pouco antes de ser eleito para comandar a Casa, neste sábado, 1.º, Alcolumbre deu uma estocada indireta no ministro do STF Flávio Dino, que bloqueou o repasse de emendas sob a justificativa de falta de transparência.
“É essencial respeitar as decisões judiciais e o papel do Judiciário em nosso sistema democrático. Mas é igualmente indispensável respeitar as prerrogativas do Legislativo e garantir que este Parlamento possa exercer seu dever constitucional de legislar e representar o povo”, disse o senador. “Sem confiança uns nos outros e sem a obediência ao que foi acordado, este Parlamento se transforma em um campo de guerra e as boas ideias se perdem numa eterna e infrutífera disputa entre antagonistas.”
Na Câmara, Motta também mandou recados ao governo e ao STF, em pronunciamento após a vitória. “O que não pode haver é transparência relativa, porque o princípio é da igualdade entre os Poderes. A praça é dos três (Executivo, Legislativo e Judiciário), e não de um nem de dois Poderes”, destacou ele.
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Alcolumbre é visto na Casa de Salão Azul como uma espécie de “operador” para a liberação de emendas a redutos eleitorais. Ele já conversou com Lula sobre o que vê como problema criado pelo STF e também sobre o espaço do União Brasil na Esplanada. Saiu das reuniões convencido de que seu grupo político não perderá poder. Atualmente, o partido controla três ministérios – Comunicações, Turismo e Integração Nacional.
O novo presidente do Senado está, porém, em acirrada disputa com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), pelo controle de diretorias de agências reguladoras, como a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Tanto Alcolumbre quanto seu antecessor, Rodrigo Pacheco (PSD), e o senador Eduardo Braga (MDB) querem tirar Silveira de Minas e Energia. O caso já foi levado a Lula, que gosta do ministro por considerar que ele defende o governo, e avalia como resolver o imbróglio.
Pacheco tem chance de ir para o MDB
Pacheco, por sua vez, negocia a migração do PSD para o MDB, partido que integrou quando era deputado. O ex-presidente do Senado está nos planos de Lula para ser candidato ao governo de Minas Gerais, em 2026. A disputa é considerada muito difícil em um Estado no qual o bolsonarismo vem crescendo e, por isso, Pacheco resiste a aceitar a empreitada.
Sem querer amarrar sua possível entrada na equipe de Lula a uma candidatura, o senador gostaria de comandar Justiça e Segurança Pública para, em eventual reeleição de Lula, em 2026, ser indicado para uma vaga no STF. Como o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, não sairá do cargo, ao menos por enquanto, Pacheco deverá ser acomodado em outra pasta, ainda não definida, apesar da discordância de parte do PT. Uma das possibilidade é o ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
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Fortalecido com a eleição de Hugo Motta, o grupo do novo presidente da Câmara, na outra ponta, quer agora emplacar o deputado Isnaldo Bulhões (AL), líder do MDB, na cadeira do ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha.
Bulhões é muito próximo de Motta. Lula enfrenta problemas de articulação com o Congresso e tem sido cobrado a assumir as rédeas das negociações com os partidos para evitar o agravamento da crise. Prometeu fazer isso a partir desta semana, chamando ministros, líderes e presidentes de partidos para redefinir o espaço de cada força política na Esplanada após as eleições no Congresso.
“O governo precisa fazer gestos aos partidos. É como mandar flores”, comparou o ministro dos Transportes, Renan Filho, da ala do MDB que defende o apoio à reeleição de Lula.
O MDB está hoje à frente de três ministérios (Transportes, Cidades e Planejamento), mas não garante apoio ao presidente caso ele concorra a novo mandato, em 2026. Uma ala do partido avalia que, para a aliança ser renovada, o vice da chapa presidencial precisará ser emedebista, e não mais Geraldo Alckmin (PSB).
Além de resolver a equação política com o MDB, Lula tem sido aconselhado por interlocutores até mesmo do PT a levar para o governo o ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL).
Expoente do Centrão e padrinho de Motta, Lira é visto como um dos poucos ali que podem aglutinar o grupo não apenas em votações, mas também para a disputa de 2026.

O nome do ex-presidente da Câmara vem sendo citado para comandar o Ministério da Agricultura, hoje com Carlos Fávaro (PSD), mas sua entrada no governo não é vista como favas contadas. A partir deste mês, Lira assumirá uma vice-presidência da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).
Com um cenário político e econômico conturbado, presidentes e integrantes de vários partidos que sustentam Lula no Congresso passaram a criticar o governo com mais ênfase. Na lista está Gilberto Kassab, que comanda o PSD, é secretário do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e chamou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de “fraco”. Engrossam o coro, ainda, os presidentes do Republicanos, Marcos Pereira, e do PP, Ciro Nogueira.
“Ninguém quer entrar em barco afundando. Ou o governo recupera rapidamente a credibilidade, com diálogo e com entregas, ou terá muita dificuldade para fazer a recomposição mais ampla dos ministérios”, afirmou o deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), que no ano passado foi relator do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Para Forte, o momento é de ajustar a relação entre os Poderes. “Não adianta o Congresso fazer lei para depois o Supremo dizer que não vale nem o governo editar uma portaria para depois passar por cima”, insistiu.
No fim de dezembro, a votação do Orçamento de 2025 foi adiada justamente porque deputados e senadores queriam saber como ficaria o espaço dos partidos na Esplanada, após as eleições no Congresso, e nas comissões permanentes da Câmara e do Senado. O problema é que a reforma ministerial não andou.
Além de Sidônio Palmeira, o único nome definido até agora, como mostrou o Estadão, é o da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, para a Secretaria-Geral da Presidência.
A maior pressão do Congresso, hoje, é para destravar o repasse das emendas. O governo foi informado por aliados que haverá uma rebelião no plenário enquanto essa questão não for resolvida, mas diz não poder interferir em decisão do STF.
Hugo Motta e Alcolumbre vão se reunir com Lula nesta segunda-feira, 3, e querem se encontrar com Dino, nos próximos dias, para discutir o assunto. Há no STF pelo menos 15 investigações feitas pela Polícia Federal que tratam de desvio de recursos de emendas envolvendo parlamentares.
“Eu, pessoalmente, acho que o valor das emendas é muito alto”, admitiu o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA). Para este ano, por exemplo, a previsão é que deputados e senadores tenham direito a R$ 50,5 bilhões em emendas.
“Sabemos que quem entra na zona de conforto não quer dar um passo atrás, mas o que o ministro Flávio Dino está pedindo é só que haja transparência no destino do dinheiro, que é público”, disse Wagner.
Sem contar a votação do Orçamento, o governo tem no rol de pautas prioritárias muitos projetos ainda não enviados ao Congresso, como o da isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais, e propostas que auxiliam no combate à inflação de alimentos. Até mesmo no Planalto ministros admitem, nos bastidores, que há um atraso na resposta à crise.