Com 45% dos assentos renovados, a nova Câmara dos Deputados que assume a partir de 1° de fevereiro recebe do grupo que a antecedeu uma agenda econômica que agitou tentativas de ajuste fiscal, mas deixou um legado de aumento de gastos. Os parlamentares da legislatura que se inicia neste ano terão no topo da lista de afazeres uma agenda de reforma tributária, que funciona como prova de fogo do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Especialistas ouvidos pelo Estadão acreditam que o desafio será o Congresso atuar de maneira propositiva na agenda econômica, sem ficar refém de “pautas bomba” que, segundo eles, costumam reger parte da atuação dos parlamentares.
“Por onde você olha, as prioridades para resolver os problemas mais graves no Brasil ou fazer o País se reencontrar e voltar a ter crescimento exige medidas econômicas cada vez mais complexa. Nós dificilmente estaremos livres da predominância dos projetos econômicos na pauta do Congresso”, disse o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega. Para ele, no primeiro ano, os parlamentares devem se concentrar em ações relacionadas à produtividade e ao arcabouço fiscal.
“Se não for isso, não vai enfrentar os problemas cuja solução depende o crescimento do País e a redução da pobreza. Enfrentar a grave situação fiscal que pode nos encaminhar para uma crise de dívida pública, com repercussões graves, não vai ser uma tarefa fácil, e ela foi tornada mais difícil com a PEC da transição”, disse. Segundo o Nóbrega, o governo tem maioria para aprovar a legislação necessária para aprovar o arcabouço fiscal, mas vai depender de articulação.
Revogaço
Como mostrou o Estadão, um eventual “revogaço” proposto por Lula também precisará de apoio político, assim como a retomada já anunciada de programas sociais, como o Minha Casa Minha Vida e o Farmácia Popular. Mas é na reforma tributária que o petista deve encontrar seu primeiro desafio de conquista de apoio político na Câmara.
Lula já marcou posição em favor da medida, e nomeou o economista Bernard Appy como secretário especial para reforma tributária. Considerado o “pai da reforma tributária”, ele sugere criar um gatilho para blindar Estados e municípios de eventual perda de arrecadação com projetos aprovados pelo Congresso.
A proposta é considerada sensível, principalmente após os congressistas aprovarem durante o governo Jair Bolsonaro dois projetos para diminuir o ICMS – cobrado sobre combustíveis, telecomunicações, energia e transportes –, cuja perda de receita foi estimada em R$ 124 bilhões por ano pelos Estados.
Parte dessa agenda estará concentrada e mudanças no imposto sobre a renda e taxação de dividendos ou juros sobre capital próprio. A outra está centrada em um projeto que circula na Câmara e pretende unificar os impostos sobre consumo em um único Imposto de Valor Agregado (IVA).
Tais medidas vão caminhar no Congresso ao lado de propostas de transferência de renda. A Câmara enxugou a validade da PEC da Transição para um ano, depois de Lula aceitar um acordo com líderes do Centrão para desidratar a proposta em troca de apoio.
O diretor-geral para as Américas da Eurasia, Christopher Garman, acredita que o zelo pela responsabilidade fiscal do Congresso só ocorre em momentos de crise e que a influência do setor privado será relativamente grande nessa legislatura.
“Eu diria que esse Congresso tem um perfil mais sensível a demandas específicas e tem uma orientação um pouco mais amigável a medidas econômicas que incentivam o investimento privado”, disse. Segundo ele, isso não minimiza uma certa orientação dos parlamentares para passar propostas do Executivo. “Tem caminho para aprovar sim, mas vai ser receptivo a demandas do setor privado.”
Cientista político da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e diretor do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), João Feres, acredita que o governo Lula 3 vai querer ter uma marca que não se restringe à repetição de Lula 1 e 2, e será mais ativo no sentido da iniciativa legislativa.
“O Congresso é muito caudatário das iniciativas do Executivo em termos de temas. O que chama mais a atenção é a diferença (entre Lula e Bolsonaro). Como é um governo de reconstrução da capacidade estatal, pelo menos é isso que propõe, ele vai diversificar as pautas e então vai trazer mais temas”, disse. Para ele, o mais importante é a gestão da coalizão que, se estiver consolidada, deve conseguir trazer à pauta dos parlamentares medidas progressistas mesmo em um Congresso conservador.
Uma maior presença ativa do Executivo na atuação Legislativa também é esperada pelo cientista político e professor da FGV Eduardo Grin. Para ele, a retomada do controle pelo presidente resultará em um Congresso “menos gastador” e com “menos liberdade para usar do recurso orçamentário”, levando em consideração os episódios do orçamento secreto, mecanismo revelado pelo Estadão, que marcou a última legislatura. Essa mudança vai gerar um impacto na forma de atuação das Casas, segundo o professor. “O Congresso vai ser cada vez mais pressionado, entre aspas, a apresentar emendas para prioridades que o poder Executivo vai definir”, complementa.
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