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Novo governo Lula: evangélicos ficam sem espaço

Ausência de núcleo específico, segundo petistas, não impede aumento de articulação com grupo e participação de religiosos

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Foto do author Felipe Frazão
Atualização:

BRASÍLIA - Grupo religioso chave na campanha eleitoral de 2022, os evangélicos ficaram sem um núcleo dedicado no gabinete de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e também não garantiram espaço destacado no novo governo. Integrantes da equipe de Lula chegaram a discutir com a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, a criação de uma Secretaria para o Diálogo Religioso, mas a ideia não prosperou.

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“Nunca pensamos nisso (criação da secretaria)”, descartou Gleisi, em declaração ao Estadão. “Vamos conversar com o povo evangélico, como vamos conversar com todo o povo brasileiro. Vão ser respeitados. Governo não pode ter recorte religioso, nem foco nisso.”

Durante o período da transição, o relacionamento com as igrejas ficou por conta do Conselho de Participação Social, formalmente montado no gabinete de transição com um mês de atraso. Esse conselho, no entanto, foi integrado principalmente por representantes de movimentos sociais populares e sindicais, sem nenhuma liderança evangélica de renome. O grupo foi responsável por promover a interlocução com a sociedade civil organizada no período da transição.

Participação de Lula em encontro com evangélicos durante a campanha eleitoral, em São Gonçalo, Rio de Janeiro, em setembro; novo governo ainda não definiu espaço de destaque para a denominação religiosa.  Foto: André Coelho/EFE

O diálogo agora seria feito de forma transversal por diversos setores do governo. Lula pretende recriar o Conselhão, órgão de assessoramento criado no seu primeiro mandato, em 2003, e extinto por decreto de Jair Bolsonaro em 2019. O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social reunia periodicamente representantes dos empresários, personalidades, acadêmicos e lideranças civis. É por meio do Conselhão que parlamentares evangélicos do PT sugerem a interlocução entre Lula e as igrejas.

A ausência de um núcleo específico - seja na transição, seja no desenho do futuro governo - preocupa alguns dos mais próximos colaboradores de Lula, como o ex-ministro Gilberto Carvalho. Ele centralizou a relação com as igrejas no Palácio do Planalto nos governos anteriores do PT. Carvalho tem dito que o partido deve voltar atenções ao segmento, principalmente ao pentecostalismo e reconhece a força social e eleitoral das igrejas.

“Não sei se é o caso de ter secretaria, mas de compreender como eles se organizam, o princípio da prosperidade, como se mobilizam nas periferias, nas comunidades, e como vamos ao encontro deles, no diálogo e em políticas públicas”, disse o líder da bancada do PT na Câmara, Reginaldo Lopes (MG).

Pequenas igrejas podem ser foco

Apesar da negativa de Gleisi, pastores e petistas que atuaram nessa frente na campanha seguem defendendo nos bastidores a criação da Secretaria para o Diálogo Religioso. Segundo eles, esse núcleo deveria centralizar as políticas para a área e se voltar principalmente para as igrejas “pequenas e carentes”, que fazem trabalhos sociais em lugares com déficit de presença do Estado.

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Um projeto específico para o seu funcionamento foi apresentado pelo pastor da Assembleia de Deus Paulo Marcelo Schallenberger, a partir de diálogo com Gilberto Carvalho. O ex-ministro já teceu críticas públicas a lideranças de grandes igrejas com forte hierarquia de comando interno e sugere que o PT centre esforços nas igrejas menores.

Em paralelo à indefinição sobre a criação ou não da secretaria, o PT montou uma comissão interna para tratar do relacionamento com os evangélicos. A ideia é abrir canais para Lula. Ao longo da campanha, o partido havia criado núcleos nos Estados para se relacionar com esses grupos, sob a liderança da deputada Benedita da Silva (PT-RJ). Eles criaram canais digitais de comunicação e disseminação de conteúdo direcionado aos evangélicos, para reagir a notícias falsas que se espalhavam e para tentar reduzir o amplo favoritismo do presidente Jair Bolsonaro no segmento.

Bolsonaro não tinha estrutura formal

Bolsonaro nunca montou uma estrutura formal de relacionamento com os religiosos. Ele mesmo fazia a interlocução direta e concedia benesses, sobretudo fiscais. Ele abrigou protestantes de diversas matizes em cargos no governo e manteve os palácios e o gabinete de portas abertas para receber com frequência lideranças religiosas pentecostais e neopentecostais, principalmente o grupo do pastor Silas Malafaia, Assembleia de Deus Vitória em Cristo. Ele é ligado ao atual presidente da Frente Parlamentar Evangélica, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que anunciou oposição a Lula. Malafaia ainda não abandonou Bolsonaro, mas já disse no altar que orava por Lula. Mais um sinal de reaproximação no meio religioso, o que era previsto e aguardado pelos petistas mais experientes.

Eventual falta de atenção ao segmento, no entanto, pode se refletir em votações no Congresso, sinaliza o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), que foi vice-líder do governo Bolsonaro e andava na garupa dele em passeios de moto com militantes. O deputado é um dos nomes fortes da Frente Parlamentar Evangélica, que presidiu, e da Assembleia de Deus Ministério Madureira, a segunda maior do País. “Somos 137 deputados e senadores, unidos independente (sic) de partidos. Acredito que o governo Lula vai precisar desses votos”, disse ao Estadão.

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Após a derrota de Bolsonaro, Cezinha se reuniu com o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), que tem bom trânsito em igrejas protestantes e histórica ligação com a Igreja Católica. Ele disse que chegou a ser sondado por aliados do petista para fazer a interlocução e se dispôs a aproximar-se do governo eleito. Outrora bolsonarista, o deputado e pastor Otoni de Paula (MDB-RJ), da Assembleia de Deus, também se reuniu com petistas e posou sorridente para fotos com Carvalho e André Ceciliano, presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).

Visto como um político conservador, Alckmin foi um dos únicos do novo governo a dar destaque e lamentar em público na semana passada a morte do monsenhor Jonas Abib, fundador da Canção Nova, um dos principais movimentos da renovação carismática católica, que reúne adeptos do bolsonarismo no Congresso. O vice gravou um vídeo de homenagem e enviou à comunidade de Cachoeira Paulista (SP). Bolsonaro mandou o Palácio do Planalto publicar nota de pesar.

Líderes de igrejas não frequentaram a sede da transição, no Centro Cultural Banco do Brasil. Grupos religiosos de matrizes africanas mantiveram contato com o núcleo temático da Igualdade Racial. O futuro ministro da Justiça, Flávio Dino, visitou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), sendo recebido pelo secretário-geral, dom Joel Portella Amado. Lula e o PT possuem laços históricos com o episcopado brasileiro desde a fundação do partido.

Houve ainda um atrito. O bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, sugeriu que os crentes deveriam perdoar Lula e que ele havia sido escolhido por Deus. A seu modo, a mensagem publicada guardava um indicativo de recomposição política. Mas a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, rebateu afirmando que era o bispo quem deveria pedir perdão por ter promovido campanha desabonadora sobre o presidente eleito, acusando-o de pacto de sangue com as trevas. O Republicanos, partido ligado à Universal, tem integrantes lulistas e bolsonaristas, e anunciou posição de independência do futuro governo. A legenda foi base do governo Bolsonaro e, no passado, de Lula e Dilma Rousseff.