‘Nunca combinei muito com o tom vermelho’, diz Márcio França sobre esquerda

Para ganhar votos em SP, ex-governador tenta atrair eleitorado mais amplo e diz que sua candidatura ‘alivia tarefa’ de Lula no Estado

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Por Pedro Venceslau

Pré-candidato ao governo de São Paulo, o ex-governador Márcio França (PSB), de 58 anos, mantém seu nome na disputa apesar da pressão do PT para que ele aceite tentar uma vaga no Senado e apoie Fernando Haddad, candidato ungido por Luiz Inácio Lula da Silva e que lidera as pesquisas.

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Advogado de formação e ex-vice de Geraldo Alckmin, o ex-governador advoga a tese de que uma escolha errada do PT em São Paulo pode custar a eleição de Lula. “Minha candidatura alivia a tarefa do Lula em São Paulo”, disse o pessebista.

Em 2018, o sr. chegou ao segundo turno no cargo de governador. Como está sendo agora fazer campanha sem a máquina?

É diferente, claro. A máquina pública ajuda, mas nesse ponto o Bolsonaro foi pedagógico. Não tinha máquina, partido, vereador e prefeito, mas ganhou a eleição. Para mim foi educativo perceber que aquela engrenagem a que estamos acostumados, de partidos e tempo de televisão, desperta no povo uma sensação de que quanto mais partido maior a obrigação com eles. Com menos partido, menos obrigação.

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Agora é fácil falar isso.

Claro. Mas é o que posso falar.

Com essa união inédita da esquerda em torno do Lula, esse campo não perde identidade e se torna satélite do ex-presidente?

É preciso reconhecer que o PT é o único partido do Brasil, como partido institucional. Então é natural que eles tenham voltado com uma certa gana depois daqueles momentos difíceis que passaram. Os partidos à esquerda estão todos no que chamam de frente ampla. Hoje a frente ampla é de esquerda, ou de centro à esquerda. Talvez a Rede, nós (PSB) e PV estejamos um pouco mais ao centro, mas na lógica de todos é uma frente de esquerda. A gente tem que ampliar isso. Buscar mais gente. A disputa real não é da esquerda contra a direita, mas da democracia contra a não democracia. Parece uma conversa retórica, mas tem fundamento pelo que vemos no mundo na Hungria, Rússia e Venezuela. São posições diferentes na origem, mas iguais na forma e no resultado.

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Ex-governador Márcio França, em entrevista; ele diz poder fazer campanha com Lula, Alckmin e Haddad. Foto: Marcelo Chello/Estadão

O PT gostaria que o sr. disputasse o Senado na chapa com Fernando Haddad. Esse cenário está no horizonte ou serão mesmo duas candidaturas?

São Paulo é muito importante, mas o Brasil é mais importante do que São Paulo. É preciso que a gente tenha em mente o que está acontecendo na eleição brasileira. O erro em São Paulo pode custar a eleição brasileira (do Lula). Dez por cento em São Paulo são 2,5 milhões de votos. Não há como compensar isso.

O erro seria o PT lançar candidato em São Paulo?

Qualquer erro. O que tem de concreto é a eleição passada. Em 2018 eu tive para governador 10,2 milhões de votos e o Haddad, 7,2 milhões para presidente. Estamos discutindo esses 3 milhões. Por que esses 3 milhões migraram para mim e não para ele? É isso. De repente estou enganado, mas acho que temos de ir em busca do que não era nosso. A escolha do Alckmin pelo Lula foi nesse sentido.

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O sr. alimenta expectativa de que Haddad possa abrir mão para apoiá-lo?

Não. Mas alimento a de que ele quer o Lula presidente.

Acha que a candidatura de Haddad atrapalha Lula?

Aí é uma decisão que ele precisa tomar. Ele está testando. Imagine se o Ciro Gomes tivesse 20% das intenções de voto numa pesquisa. Ele se acharia o candidato da terceira via. São Paulo mantém uma candidatura, no meu caso, um pouco equidistante dessas posições, que tem a ver um pouco com a história de São Paulo. Quando havia Getúlio (Vargas) e UDN, aqui em São Paulo havia Jânio e Adhemar. Nós temos que aliviar a tarefa do Lula.

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Sua candidatura alivia a tarefa de Lula em São Paulo?

Sem dúvida. Eu amplio um pedaço a mais que ele não tem.

O sr. espera uma intervenção de Lula em SP?

Do Lula não, mas do bom senso. É uma obviedade.

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Para ganhar em São Paulo é preciso ser menos de esquerda?

Eu nunca combinei muito com esse tom vermelho. Não é o meu estilo. Sou do PSB há 40 anos, foi meu único partido. Não posso ser acusado de ser incoerente. Eu compreendia os movimentos do PSDB e achava que o partido não devia ser tratado como inimigo. Era um adversário. O convite ao Alckmin é uma mensagem aos brasileiros.

'O erro em São Paulo pode custar a eleição brasileira', diz Márcio França Foto: Marcelo Chello/Estadão

Se não tiver acordo, como ficam os palanques? O sr. com Alckmin, Lula com Haddad ou todos juntos?

Eu não teria problema de fazer campanha com nós quatro juntos. Até sugeri de rodarmos o interior juntos. Não tenho dúvida de que Alckmin vai comigo e Lula com ele. Se der para fazermos juntos, melhor.

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O eleitor histórico do Alckmin vota em Lula?

80% não, mas 20% sim. Estamos de olho nos 20%.

Como o sr. vai se equilibrar na busca pelo eleitor de esquerda e o de direita?

Para o eleitor que vota em Haddad e no PSOL, a conta é óbvia: é melhor ter dois aliados no segundo turno do que um só para correr menos risco. Mas a separação não é entre esquerda e direita. Vejo Haddad e Rodrigo (Garcia) como duas pessoas com jeito parecido. Jovens acadêmicos e menos populares. O Tarcísio (de Freitas) é um técnico. Eu estou no lado mais prático e eles no teórico.

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Que legado o PSDB, que vai completar 30 anos no poder em São Paulo, deixou para o Estado?

Primeiro o equilíbrio fiscal. São Paulo devia muito para a União. Na segurança pública, é inegável que desde o (Mário) Covas até os últimos meses do Doria o índice de violência caiu. Agora que voltou a subir. Teve as Etecs e Fatec, o Poupatempo. O PSDB foi institucional para São Paulo. Mas agora precisamos avaliar o futuro.

O sr. e Tarcísio de Freitas são os únicos críticos ao uso de câmeras no uniforme da PM. Sua posição é uma tentativa de se aproximar do eleitor de direita?

Não. É como eu penso. Durante o período em que estive no governo houve a maior queda de violência policial da história. Logo que saí, o Doria veio falar em atirar na cabecinha de bandido. Para o policial isso é quase um comando.

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O sr. é contra esse discurso de dar tiro em bandido? Geraldo Alckmin seguia essa linha: “Quem não reagiu tá vivo”.

Totalmente. Se ele disse, está errado. Antes de reagir você tem de evitar que o rapaz esteja lá. A gente fica discutindo o efeito sem discutir a causa. A câmera não pode ficar 12 horas ligada na lapela de ninguém. É um direito individual da pessoa.

Mas as corporações apoiam as câmeras.

Azar das corporações. Eu tenho dúvidas se as corporações estão apoiando. São sempre esses especialistas.

Como o sr. avalia o desempenho de São Paulo na pandemia?

A insistência da vacinação foi correta, claro. Mas foi um movimento de sorte do Doria. Quando ele foi para a China com o Dimas Covas (do Butantan) a ideia era vender o Butantan. Tipo assim: te interessa privatizar o Butantan? ' Aí houve aquela coincidência que foi positiva. O que não é positivo? Passaram 3 anos e seguimos importando vacinas. Não avançamos na nossa produção. Faltou mais investimento em pesquisa. No apavoramento da situação eles erraram na dosagem das medidas. Criaram uma confusão no rodízio de carros, tira ônibus, faz carnaval.

O que tem a dizer sobre as buscas da polícia em endereços ligados ao sr. no âmbito da Operação Raio X (que investigou suspeitas de desvios na área da saúde em vários Estados)?

Foi tudo muito politizado. Trinta dias depois eles devolveram as coisas. Vamos apurar depois porque fizeram. Estou tentando assimilar de onde partiu. Certamente não foi uma ação judicial, mas política. Foi tão malfeita que não é o padrão da polícia de São Paulo. No meu caso, se encerrou com a devolução das coisas, mas ficou a marca na família.

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