‘O denuncismo é muito danoso à vida brasileira’, afirma Eduardo Azeredo

Ex-governador de Minas diz que sua condenação serviu de compensação ao mensalão do PT e revela convite para voltar ao PSDB

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Foto do author Vitor Marques

O ex-governador de Minas Eduardo Azeredo, de 73 anos, diz não sentir mágoas do PSDB, apesar de “alguns” correligionários terem evitado mantê-lo “muito perto” durante o processo que culminou com sua prisão, em maio de 2018, pelos crimes de peculato e lavagem de dinheiro no caso que ficou conhecido como mensalão mineiro. Em entrevista ao Estadão, Azeredo evita nomear os tucanos que lhe faltaram com amparo e reconhece dificuldades na corrida ao Planalto para João Doria – atual presidenciável do partido que ajudou a fundar, comandou e do qual se desfiliou em 2019. Ele também diz lamentar a possibilidade de Geraldo Alckmin compor chapa com Luiz Inácio Lula da Silva

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Para Azeredo, Doria é um bom nome, mas precisa se tornar mais conhecido no País. Além do tucano paulista, o ex-governador citou o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), como opções a Bolsonaro, a Lula e ao ex-juiz da Lava Jato Sérgio Moro (Podemos) na disputa pela Presidência. 

O ex-governador reforça a avaliação de que sua condenação a 20 anos de prisão serviu como um “contraponto” ao mensalão do PT e se diz vítima de um “denuncismo” muito “danoso à vida brasileira”. Nos 18 meses em que permaneceu no 1.º Batalhão do Corpo de Bombeiros de Belo Horizonte, Azeredo começou a redigir o livro autobiográfico O X no Lugar Certo, que será lançado em março.

Azeredo foi condenado a 20 anos no chamado mensalão mineiro. Foto: Uarlen Valerio/Estadão

A seguir, os principais trechos da entrevista. 

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O que há de mais revelador nas memórias da vida pública do sr. no livro ‘O X no lugar certo’?

O título do livro se refere ao slogan que eu usei na campanha de 1994 e foi muito bem-sucedido. Procuro mostrar, na primeira parte do livro, minha relação familiar com a política, meu pai, Renato Azeredo, a ligação com Tancredo (Neves), com Hélio Garcia, com Pimenta da Veiga, que foram pessoas que me marcaram do ponto de vista político. É uma parte ligada a minha história e minha origem política, da qual me orgulho muito. Passo depois para o Congresso, no Senado, com oito anos (de mandato), e na Câmara, com três anos. Ao final do livro, chego com as questões ligadas em si ao processo que tive de enfrentar e no qual fui realmente muito injustiçado. Servi mesmo de um contraponto, não tenho dúvidas disso hoje. Eu escrevi quando estava na Academia de Bombeiros (Militar). Comecei a escrever quando estava lá. Fiquei um ano e meio alojado na Academia e você vê como é difícil ter a privação da liberdade, ainda mais quando você tinha a certeza de não ter tido nenhum benefício pessoal, como eu não tive em nenhum momento. É uma coisa que coloca muitas interrogações sobre nosso sistema político-eleitoral. 

O sr. fala “Academia de Bombeiros”. Evita a palavra prisão por algum motivo?

Não, cito na própria orelha do livro a palavra prisão. Acho que é uma prisão que teve características claramente políticas.

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O sr. ficou preso de maio de 2018 a novembro de 2019. Deixou o PSDB, partido que chegou a presidir, e se afastou da política. Como encara hoje esse processo?

Eu me afastei exatamente por força das circunstâncias e senti, em alguns momentos, que alguns do PSDB não me queriam muito perto. Mas isso é um fato superado. Continuo achando que o PSDB, do ponto de vista de ideário, é um partido forte, maduro. Está passando por momentos difíceis, mas tem uma história. (Porém,) Ao mudar essa geração da fundação, tem de caminhar, porque os problemas brasileiros estão ligados a essa multiplicidade partidária e falta de representatividade dos partidos.

O sr. sempre se disse vítima de um processo compensatório no caso do mensalão que atingiu o PT. Há avaliações de que a luta anticorrupção ganhou feição de combate à política...

Sem dúvida alguma. O denuncismo é muito danoso à vida brasileira. Porque, grosso modo, pode-se dizer que de cada dez denúncias apenas uma tem guarida. As outras são meros balões de ensaio ou desconfianças que se levantam. Fui vítima seguramente disto. Tive uma campanha eleitoral em que a prestação de contas foi a mais alta, mas era incompleta. Mas não era eu o responsável por isso, como acontece em todas as campanhas. Nunca houve mensalão mineiro. Esse termo foi usado para compensar o mensalão do PT. Nunca houve nenhuma denúncia de pagamento a parlamentares em Minas Gerais. Fui vítima, sim, e o denuncismo é muito ruim para o País e afasta bons nomes. O Marcio Lacerda, que foi prefeito de Belo Horizonte duas vezes, e foi um bom prefeito, não quer disputar mais mandatos. Um dos fatores é esse.

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Pretende voltar para a política, disputar um mandato? Como avalia o atual cenário político nacional? 

Na verdade, fui muito além do que poderia imaginar. Meu pai tinha o sonho de ser prefeito e governador, e eu realizei. Depois ainda fui senador. Sob o aspecto de ambição pessoal, não. Mas meu mandato foi interrompido por uma situação que foi criada pelo procurador (Rodrigo) Janot. Ele fez, pela primeira vez na história, a fixação de penas. Fixou 22 anos de pena para mim. Isso depois caiu para 15, caiu para 8 até, depois, ser anulado por erros processuais, de análises, de colocação de pena. O Janot foi um homem muito prejudicial ao Brasil. Ele foi o fator principal para que eu interrompesse meu mandato de deputado. As circunstâncias atuais não me dão entusiasmo para disputar uma eleição, mas confesso que cheguei a pensar quando (o senador) Tasso Jereissati era uma hipótese de candidato a presidente (pelo PSDB).

Cogita voltar ao PSDB?

Tenho sido convidado pelo próprio partido para voltar ao PSDB e fui convidado por outros partidos para voltar a disputar (uma eleição). Mas o fato é que o PSDB, em certos momentos, achava ‘longe de mim, não quero proximidade’, e, depois, muitos do PSDB foram também citados em situações muito piores. No meu caso foi uma questão eleitoral, como ficou definido, e que não tive nenhum envolvimento. Mas não me conformo com o atual quadro do Brasil. Os três primeiros colocados nas pesquisas têm mais mais defeitos do que os três seguintes. 

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Quais seriam esses defeitos?

O Lula, com um partido que volta a falar em destruir o pouco que se fez, que foi a reforma trabalhista. O Bolsonaro, que é uma biruta de aeroporto, cada hora está virando para um lado. E o Moro, que também é de um segmento só, que é esse segmento punitivista. Prefiro os outros três que vêm depois. O Ciro, o Doria e o Rodrigo Pacheco. São três nomes que teriam um perfil mais adequado para governar o Brasil, e não um pedaço do Brasil. 

Qual a avaliação do sr. do chamado “lavajatismo”?

Foi um clima que vivemos de denuncismo como um todo, de colocar um nivelamento por baixo, colocando a política como uma questão podre. No Brasil essa questão de jogar a culpa é algo mais exacerbado. A Lava Jato teve muitos méritos, sim. Em relação à Petrobras, isso foi muito esclarecido. 

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Como vê o PSDB hoje e a candidatura de Doria à Presidência?

O PSDB precisa ter uma nova visão. O Doria foi um bom prefeito. É um bom governador. Ele tem muitos pontos positivos. Ele precisa ser mais conhecido, precisa ficar mais simpático. A política leva essas questões em consideração. Está muito cedo para se ter uma decisão.

Há espaço para uma terceira via? A polarização Lula/Bolsonaro pode ser quebrada?

Não só acredito como desejo, e seria muito importante para o Brasil. Esse cenário pode mudar. 

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Entre Lula e Bolsonaro, como o sr. se posicionaria nas urnas?

Espero não ter que enfrentar essa questão.

Qual é a avaliação do sr. sobre a saída de Geraldo Alckmin do PSDB e a possibilidade de ele formar uma chapa com Lula na disputa presidencial?

Lamento muito. Não me agrada essa união, com todo o respeito ao Lula. Tive uma boa convivência com o PT no governo de Minas, no Congresso, mas temo muito pelo caráter revanchista, pelo retorno de algumas práticas. Não acho que essa saída do Alckmin seja boa.

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O sr. foi, talvez, o primeiro chefe de Executivo importante no Brasil a enfrentar uma greve da PM, em 1997, que depois deu impulso a um movimento de politização das corporações. Que avaliação faz da participação de representantes das forças de segurança na política, principalmente agora, no contexto do governo Bolsonaro?

Não fujo desses momentos difíceis. Falo da greve no livro. Depois daquela greve, tivemos uma legislação que foi realmente aprofundada em relação aos militares. Militar armado fazendo greve não é greve, é rebelião. Minha posição na época foi de endossar as posições do comando da Polícia Militar. Continuo pensando assim. Polícia tem de ter hierarquia, normas, participar da vida pública, podem participar, é até bom que participem, mas o regime militar para governar o País, policialesco, não me parece um bom caminho.

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