Diz o dicionário político que segundo turno é outra eleição. Mas em um País no qual a campanha virou uma guerra, com um duelo interminável entre um presidente da República e um ex-presidente, o que vamos assistir nesse novo round é um plebiscito sobre o governo de Jair Bolsonaro (PL) e os dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A contagem dos votos provocou nervosismo na campanha de Lula, que tinha a esperança de liquidar a fatura no primeiro turno. Bolsonaro, porém, se mostrou competitivo para a segunda rodada da disputa, assustando o desafiante.
Lula só passou à frente de Bolsonaro às 20h05, com 70% das urnas apuradas. O petista precisa dos votos de quem escolheu Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT) no primeiro turno, além de se aproximar da Faria Lima e da classe média.
O movimento do ex-presidente será para conquistar o apoio do PSDB e do MDB, que, apesar de dividididos, sustentaram a candidatura de Simone até agora. Apesar da derrota, a senadora sai do embate maior do que entrou e Lula pretende pôr na mesa a oferta de um ministério para ela, caso vença a eleição.
O PSD de Gilberto Kassab, por sua vez, pode ser o “fiel da balança” para avançar no jogo do segundo turno, ainda que nos bastidores. Kassab será procurado novamente pela cúpula petista, mas a eleição em São Paulo – onde o ex-ministro Tarcísio de Freitas enfrentará o ex-prefeito Fernando Haddad no segundo turno – é um complicador para a aliança do PSD com Lula. O vice de Tarcísio ao Palácio dos Bandeirantes é do partido de Kassab.
A alta abstenção é apontada pela equipe de Lula como um dos motivos que o prejudicaram. Não foi só: o bolsonarismo mostrou força em São Paulo e também em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, os três maiores colégios eleitorais do Brasil. O mapa que sai das urnas mostra uma configuração política conservadora para o Congresso de 2023.
Até mesmo aliados do presidente se supreenderam com o resultado das urnas. O núcleo político da campanha avalia, porém, que Jair precisa aposentar o Bolsonaro beligerante de hoje para conquistar novos eleitores.
O problema é que há uma fratura exposta no comitê da reeleição. Uma ala, liderada pelo vereador Carlos Bolsonaro, filho 02, acha que o presidente deve manter o atual estilo: ser o porta-voz do gabinete do ódio e falar para a sua própria “bolha”. A outra, comandada pelo Centrão, defende um freio de arrumação no discurso do candidato.
Bolsonaro não ouve ninguém além dos filhos e os números do primeiro turno deram mais poder ao gabinete do ódio. Ele já se desentendeu até mesmo com o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, que sempre discordou de sua estratégia de lançar suspeitas sobre as urnas eletrônicas. Pressionado por Bolsonaro, no entanto, o PL encomendou uma auditoria sobre o sistema eleitoral, ao custo de R$ 1,3 milhão.
O desfecho do segundo turno é imprevisível, mesmo porque ninguém pode duvidar do poder da caneta de Bolsonaro e da capacidade do PT de escorregar em cascas de banana nos próximos 28 dias. Além disso, em política, o “Sobrenatural de Almeida” está sempre à espreita...
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