O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta quinta-feira, 10, durante discurso no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Brasília, que “o presidente da República pode errar, mas não mentir”. A fala foi direcionada a Jair Bolsonaro (PL), que, de acordo com Lula, “humilhou” as Forças Armadas ao solicitar que fizessem auditoria nas urnas eletrônicas”. O petista disse ainda que Bolsonaro tem o dever de vir a público reconhecer a derrota e pedir desculpas ao povo.
O discurso, realizado durante um encontro entre o governo de transição com parlamentares, durou cerca de 40 minutos. Lula ainda falou sobre sua busca por diálogo com as diferentes vertentes políticas e a promessa de garantir a independência dos poderes e das instituições da república. Além disso, criticou e defendeu a ampliação do teto de gastos.
Confira os principais pontos do discurso:
Governo de transição
“Fiz questão de colocar o (Geraldo) Alckmin para que ninguém pensasse que o coordenador da transição vai virar ministro. Qualquer outro que eu colocasse, já iam dizer ‘ah, vai virar ministro’. Pode ser, como pode não ser. O governo de transição é como se fosse uma máquina de ressonância, vai fazer um levantamento da situação do País. Se alguém quiser contribuir, mandar proposta, por favor! Não se sintam excluídos porque não estão na lista.”
Aceno aos derrotados
“O fato de alguém ter perdido uma eleição não significa que esse alguém é menor que alguém que ganhou. Quantas vezes depois que perdi chorei em casa, eu fiquei triste porque eu não tinha conseguido convencer o povo daquilo que eu acreditava que eu era? Se fala que a história é escrita pelos vencedores, mas quero dizer pra vocês que os perdedores terão o direito de escrever e de participar do processo de transição e de governança.”
Voto dos mais pobres
“A gente não tem que ter vergonha de dizer que nosso voto é daquelas pessoas que mais necessitam. Quem já nasce no asfalto, com luz elétrica e água encanada não tem noção do que é fazer política para o povo pobre desse país. A gente não pensa no PIB quando faz isso (políticas públicas), a gente pensa na sobrevivência da espécie humana que o Estado tem o dever de cuidar, e dar condições de igualdade”.
Relações trabalhistas
“A verdade é que a gente vai ter que rediscutir a relação capital-trabalho no século XXI. A gente não pode abdicar daquilo que foi conquistado e foi tirado dos trabalhadores (sobre reformas trabalhista, previdenciária e sobre autônomos que trabalham sem nenhum sistema de seguridade social para protegê-los).
Fome
“A única razão que eu tenho de voltar a ser presidente é tentar restabelecer a dignidade do nosso povo. E a prioridade zero, de novo, é o mesmo discurso de 2003, não tenho que mudar uma única palavra. Se quando eu terminar esse mandato, cada brasileiro tiver tomado café, almoçando e jantando, eu terei cumprido a missão da minha vida”. Ao final da fala, Lula se emociona e chora.
Perseguição política
“Eu sinto como se tivesse ressuscitado. Esse País levou ao impeachment uma mulher por pedaladas, esse país viveu o maior processo de negação política da história. Eu não tive que provar minha inocência, eu tive que provar a culpa do (ex-juiz Sérgio) Moro, do (ex-procurador Deltan) Dallagnol. E graças a Deus eu consegui”.
Responsabilidade fiscal
“Ninguém pode falar de responsabilidade fiscal comigo. Falar pode, mas não pode dizer que tem nesse país alguém mais responsável que eu. Quando eu cheguei na presidência a inflação era de 12%, no final do governo ficou em 4%. O desemprego estava em 12%, no final chegou a 4%. Nós pagamos o FMI e hoje o Brasil é credor do FMI. O Brasil foi o único país do G20 que, durante o meu governo, teve superávit primário. Eu tinha consciência que eu precisava conquistar uma coisa chamada credibilidade.”
Forças Armadas
Um presidente da república, que é o chefe supremo das Forças Armadas (FFAA), não tinha o direito de envolver as Forças Armadas para fazer comissão para instigar urnas eletrônicas, coisa que é da sociedade civil, dos partidos políticos e do Congresso Nacional. O resultado foi humilhante, eu não sei se o presidente tá doente, mas ele tem a obrigação de vir a televisão e pedir desculpas a sociedade e as Forças Armadas por ter usado uma instituição séria, que é uma garantia do povo brasileiro contra inimigos externos, fosse humilhada apresentando um relatório que não diz absolutamente nada daquilo que ele durante tanto tempo falou.”
Mentiras e Saddam Hussein
“Algumas pessoas estão na frente de quartéis inconformadas com o resultado eleitoral. Isso por conta de todas as fake news contadas durante o processo eleitoral de que as urnas não eram seguras. Eu me recordo do Saddam Hussein dizendo que tinha que enfrentar os EUA, porque diziam que ele tinha armas químicas, e ele não tinha coragem de dizer que não tinha. O presidente da república pode errar, mas ele não pode mentir. Não é aceitável que um presidente da república minta para o seu povo. E nós ontem provamos que o presidente que tinha sido eleito cinco vezes deputado pela urna, que teve seus filhos eleitos pela urna, colocou em dúvida a urna porque ele sabia que iria perder as eleições. O presidente Bolsonaro tem uma dívida com o povo brasileiro, deve pedir desculpas pela quantidade de mentiras que contou nessas eleições.”
Uso da máquina pública
“Vocês sabem que não foi a disputa entre dois homens, dois partidos, dois candidatos. Foi a disputa entre um candidato contra a máquina do Estado, que foi usada em sua totalidade.”
Reconhecer a derrota
“Agora que chegou o fim, ele ainda não reconheceu a derrota. Seria tão fácil fazer como fez o (Geraldo) Alckmin e o (José) Serra, quando disputaram comigo; como eu fiz duas vezes com o FHC, quando perdi pra ele. Ele ainda não teve coragem de fazer isso, assim como o Saddam Hussein morreu sem ter coragem de reconhecer que não tinha armas químicas. Ele afundou um país por conta de uma mentira que só ele acreditava.”
Promessa de paz
“A partir de agora, vocês vão ter paz. A partir de agora, vocês não vão ter um presidente desaforado querendo intervir na Suprema Corte, na Justiça Eleitoral. Muitos pensaram que eu não falaria com o (Arthur) Lira, que é meu adversário. Mas ele é o presidente da Câmara, eleito pelos deputados, e o presidente da República necessita conversar porque não é o presidente da República que tem que se intrometer. ‘Ah, mas você vai falar com o Centrão?’ Eu vou falar com deputados e deputadas eleitos pelo povo. Nós vamos provar que o nosso governo vai ser o governo do diálogo, que vai conversar com o Congresso, com a Câmara, independente de qual partido foi eleito. Vocês vão ter paz, pq vocês vão ser respeitados. Esse país vai voltar à civilidade. "
Alexandre de Moraes
“O presidente do TSE teve uma coragem estupenda, um homem que teve um comportamento exemplar, que é orgulho de todo Brasil. Não me importa se o Alexandre de Moraes é consevador, progressista. O que importa é que ele foi de muita coragem e muita dignidade na lisura e no compromisso de conduzir essas eleições.”
Dívida com o povo
“Eu quero pagar uma dívida social que temos com o povo brasileiro. Nós, que podemos comprar o que quisermos para comer, nós temos uma dívida, nós temos que estender a mão pra trazer essas pessoas que não tiveram. E não é porque são burros, porque não estudaram, não é por isso. Eles não tiveram as oportunidades que nós tivemos. Eles não tiveram a possibilidade de ter acesso a uma profissão.”
Educação
“Esse país não acreditava na educação. Eu tenho orgulho, eu e o (José) Zé Alencar, dois quase analfabetos, entramos para a história como os que mais investimos na educação nesse país. Mas a nossa dívida é muito grande com a educação. Não vamos facilitar a compra de armas, mas sim a compra de livros nesse País.” Neste ponto, Lula cita a necessidade de fazer uma verdadeira “revolução” para recuperar o aprendizado das crianças que não tiveram acesso à educação na pandemia.
Estatais
“As empresas públicas serão respeitadas, a Petrobras não vai ser fatiada, o Banco do Brasil e a Caixa não vão ser privatizadas, o BNDES vai voltar a ser banco de investimento.” O presidente também afirmou, nesta parte da fala, que o atual governo está “esvaziando o caixa da Petrobrás para que a gente não consiga fazer nada”, e que retiradas do BNDES estão sendo realizadas “para que a gente não tenha capacidade de investimento”.
Teto de gastos
“Por que as pessoas são levadas a sofrerem por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal desse País? Por que toda hora as pessoas falam que é preciso cortar gastos, que é preciso fazer superávit, que é preciso fazer teto de gastos? Por que as mesmas pessoas que discutem teto de gastos com seriedade não discutem a questão social neste País? Muitas coisas que são tratadas como gasto precisam ser vistas como investimento. A “regra de ouro” desse País tem que ser que cada criança não vá dormir sem tomar um copo de leite e que acorde com um pão com manteiga de manhã. A coisa mais barata num país é cuidar dos pobres.”
Retorno à política
“Eu só tomei a decisão de voltar porque eu acredito que nós vamos ter condições de fazer esse País sorrir de novo. O Congresso Nacional tem todos os defeitos que cada um de nós queira que tenha, mas esse País já foi muito pior quando não tinha Congresso, quando ele foi fechado. É melhor um debate ‘caliente’, das divergências, do que o silêncio profundo, do medo da baioneta, que esse país já experimentou.”
Manifestações contra o resultado da eleição
“Lamentavelmente tem uma minoria na rua pedindo, eles não sabem nem o que podem, mas tão pedindo. Se eu pudesse pedir pra essas pessoas, voltem pra casa. É assim a democracia, um ganha e um perde. Voltem para casa, não sejam violentos com criança, com quem pensa diferente. Vamos respeitar quem não gosta do candidato que nós gostamos. A democracia é isso, é viver democraticamente na diversidade. Eu não peço pra ninguém gostar de mim, eu peço que respeitem o resultado eleitoral.”
COP27
“Eu vou ter mais conversas em um único dia do que o Bolsonaro teve em quatro anos. Nós vamos recolocar o Brasil no centro da geopolítica internacional. Vocês não imaginam a expectativa que o Brasil vem gerando. Num único dia eu recebi 26 telefonemas. Eu não quero arrumar inimigos.”
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