'O que aconteceu na Saúde aconteceu na Educação. Serão quatro anos perdidos', diz pesquisador

Para educador, rotatividade de ministros na pasta é resultado de falta de articulação e de coordenação nacional da política educacional no governo Bolsonaro

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Foto do author Gustavo Queiroz

A rotatividade de ministros da Educação no governo do presidente Jair Bolsonaro é resultado de uma falta de articulação e de coordenação nacional da política educacional, avalia o pesquisador e educador Mozart Neves Ramos, titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP). "O que aconteceu na Saúde aconteceu na Educação. Serão quatro anos praticamente perdidos", afirma. 

O pesquisador Mozart Neves Ramos diz que a falta de coordenação na política educacional levou à instabilidade de ministros no MEC Foto: Ricardo Matsukawa/Instituto Ayrton Senna

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Com a demissão de Milton Ribeiro após denúncias de corrupção envolvendo favorecimento a pastores, que faziam parte de um gabinete paralelo, reveladas pelo Estadão, a pasta terá seu quinto ministro sob Bolsonaro. O secretário executivo da pasta, Victor Godoy Veiga, assumiu o cargo interinamente. O movimento é atípico no MEC. Nos oito anos de gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), por exemplo, apenas o economista Paulo Renato Souza comandou a pasta. Já Fernando Haddad, ministro do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), permaneceu por mais de cinco anos no cargo.

"Os ministros que passaram foram discutindo com setores próprios de interesses mais ideológicos e esqueceram de fazer esse trabalho no campo político", diz Mozart. Para o pesquisador, a influência religiosa e ideológica que perpassou o comando na Educação diminuiu a pluralidade da pasta e a transformou em alvo de conflito de interesses no governo Bolsonaro. 

A ausência de uma estrutura clara na política pública da área, afirma o educador, deixa pouco espaço de manobra para o próximo nome, que assumirá o cargo em um ano eleitoral. "O próximo ministro deve ter um perfil mais técnico e com capacidade de articulação, pelo menos para alinhar algumas dessas demandas que estavam muito desalinhadas até aqui e preparar uma base para o Plano Nacional de Educação, para o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, para o novo Enem." Leia a entrevista:

O que a nova mudança de ministro na Educação significa para a área no Brasil?

É um reflexo de que a área não conseguiu dar a resposta que a sociedade esperava, por diferentes razões. Ricardo Vélez (Rodriguez), quando assumiu, trazido pelo Olavo de Carvalho, estava completamente deslocado da política educacional. Depois tivemos o (Abraham) Weintraub, que até conseguiu montar um grupo de secretários ativos que se aproximaram das suas áreas de atuação, mas com um comportamento bélico. Isso dificultava uma agenda mais propositiva de diálogo com determinados setores, principalmente com as universidades públicas federais. Milton Ribeiro veio com a expectativa de que a construção do diálogo seria um ponto importante. O perfil dele sinalizava para a busca de uma ação mais coletiva, integrada, mas ele terminou ficando refém do grupo que trouxe para o MEC, trabalhando com segmentos específicos e tendo pouca representatividade e articulação. Ele ficou muito distante e a equipe sempre teve mais dificuldade de chegar a uma celeridade dos processos porque esse gabinete definia a velocidade com que as coisas aconteciam. Qual é a política que se tem hoje para a educação por parte do ministério? Não tem, porque não se construiu uma estrutura, uma espinha dorsal.

O Brasil vive a implementação de um novo ensino médio, com a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) chegando com maior força na ponta, a previsão do novo Enem e o impacto da pandemia na defasagem escolar. Como a troca de ministros afeta a execução das políticas públicas?

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Se nós tivéssemos tido um ministério com uma presença forte de articulação e coordenação nacional, eu diria que isso poderia ser traumático nesse momento. A Secretaria de Educação Básica até tentou, mas faltava articulação maior do próprio ministro junto aos secretários. Como isso não aconteceu, os Estados e municípios terminaram se reorganizando e tiveram um apoio do terceiro setor. O novo ensino médio teve repasses financeiros do MEC, mas alguns deles já são próprios da legislação. Educação é mobilização, articulação e coordenação. Se o ministro não faz isso, a educação, do ponto de vista da coordenação federal, não anda. Você precisa estar presente no território brasileiro. Isso não aconteceu em nenhum momento. Os ministros que passaram foram discutindo com setores próprios de interesses mais ideológicos e esqueceram de fazer esse trabalho no campo político.

A Educação sofreu um dos maiores impactos na intensa rotatividade de ministros no governo. Por que a gestão da pasta recai em um conflito maior de interesses e é alvo constante de grupos de pressão política?

Tem um pecado original. Quando Bolsonaro foi eleito, houve uma questão ideológica muito forte, trazida por Olavo de Carvalho, e o ministério perdeu muito tempo. O primeiro ministro viu que atender a essa demanda não era algo tão trivial, até porque a educação é laica e tem uma história, não se inicia em um governo. A BNCC foi discutida por anos, passou por diferentes presidentes. Não se pode imaginar que vai começar do zero da noite para o dia. Depois se tentou mudar, em uma linha mais pragmática, mas veio também uma linha no campo religioso, que foi se tentando atender a determinadas demandas. Naturalmente, ao fazer esse filtro, você deixa de ser uma pasta mais plural do ponto de vista do acesso democrático e consequentemente não trabalha com base nas qualidades dos projetos. A espinha dorsal não foi construída. Faltou mobilizar pessoas e conhecimentos pelo País. Ficou claro na pandemia quando o governo deveria ter assumido um papel de maior protagonismo na educação remota para os mais vulneráveis. Nada disso aconteceu, o MEC sempre era o último a chegar. Faltou responder às demandas mais importantes e estruturantes da educação brasileira.

Os últimos ministros, de modo geral, olharam pouco para o Plano Nacional de Educação. Seria o caso de o próximo nome adiantar a discussão da atualização deste plano, pensando também nos efeitos da pandemia na educação? Qual o perfil adequado?

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Você não faz uma política federativa como a da educação dentro de um gabinete. Você tem que ter acordos, alianças e perspectivas de trabalhar colaborativamente para que a gente possa ter uma identidade nacional. Principalmente agora que a pandemia trouxe esse impacto violento na aprendizagem, na desigualdade e na questão da evasão, a gente vai precisar repensar com muita clareza as metas do plano nacional dos próximos dez anos, a partir de 2024. O próximo ministro deve ter um perfil mais técnico e com capacidade de articulação, pelo menos para alinhar algumas dessas demandas que estavam muito desalinhadas até aqui e preparar uma base para o PNE, para o Ideb, para o Enem. Se for capaz de fazer alinhamentos para essas questões mais de médio e longo prazo, impactados principalmente pela pandemia, ele pode trazer uma contribuição.

O que mais o quinto ministro pode acrescentar nesse cenário?

Muito pouco. Primeiro porque não se construiu uma base para a educação. Seja quem for agora vai ter muita dificuldade porque vai entrar no período eleitoral, em uma eleição muito difícil e complexa. A partir de junho o cenário vai ser difícil para implementar qualquer política. O último semestre é muito mais para fazer os ajustes finos, não é mais para fazer alguma coisa estruturante. Não há clima. Os secretários dos Estados estão envolvidos no processo eleitoral. O ambiente político mudou. Do ponto de vista da educação, o governo Bolsonaro não está deixando nenhum legado, porque não criou uma estratégia para melhorar a qualidade da educação brasileira. Isso ficou claro na pandemia, a desarticulação nacional. O que aconteceu na Saúde aconteceu na Educação. Serão quatro anos praticamente perdidos.

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