O debate sobre a adoção do semipresidencialismo esquentou nos últimos dias após o sistema político - um modelo híbrido entre o parlamentarismo e o presidencialismo - despontar como tema central do IX Fórum Jurídico de Lisboa, focado na gestão de crises e sistemas políticos.
No evento promovido pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (Progressistas-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), respectivamente, defenderam o semipresidencialismo como meio para evitar a sucessão de crises políticas no País. Pacheco chegou a afirmar que este seria o sistema“mais estável” entre todos existentes no mundo.
Mas foram as declarações do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli que provocaram maior reação. Durante sua participação no Fórum Jurídico, Toffoli defendeu que, na prática, o Brasil já vive um sistema semipresidencialista. “Com um controle de Poder Moderador que hoje é exercido pelo Supremo Tribunal Federal”, disse. O ministro usou como exemplo a postura do STF durante o período de pandemia.
Em julho deste ano, o Estadão mostrou que Arthur Lira já articulava uma mudança no sistema de governo brasileiro por meio de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), como forma de avaliar a pressão pela abertura de um processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro.
Na ocasião, o PT criticou a PEC de autoria do deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) e o ex-presidente Luiz Inácio da Lula da Silva afirmou que uma mudança no sistema de governo seria um “golpe”.
No STF, outro entusiasta do modelo semipresidencialista é o ministro Gilmar Mendes, ligado ao IDP e um dos responsáveis por promover a discussão em Lisboa, que teve o reforço também do ex-presidente Michel Temer. Segundo ele, o ideal seria aprovar imediatamente a mudança, para que pudesse valer já nas próximas eleições.
Entenda o que é a proposta, como funciona o semipresidencialismo e onde o modelo é adotado.
O que diz a proposta?
Institui um modelo híbrido entre os sistemas de governo parlamentarista e o presidencialismo. Mantém um chefe de Estado (presidente) e um chefe de Governo (primeiro-ministro).
Como fica o papel do presidente da República?
O presidente é o chefe de Estado e o comandante supremo das Forças Armadas. É eleito por voto direto, secreto, e tem mandato de 4 anos, com direito a apenas uma reeleição, consecutiva ou não. O governo é exercido pelo primeiro-ministro e por integrantes do Conselho de Ministros.
Como é escolhido o primeiro-ministro?
O primeiro-ministro é o chefe de governo. Indicado pelo presidente, de preferência é escolhido entre os membros do Congresso. A indicação do primeiro-ministro e do plano de governo, definido no contrato de coalizão com os partidos, precisa ser aprovada pelo Legislativo.
O presidente não pode sofrer impeachment?
As regras para o impeachment continuam as mesmas, mas, em tese, o instrumento seria menos usado porque o presidente não é o chefe de governo. Em caso de crime de responsabilidade, podem ser chamados para o exercício do cargo os presidentes da Câmara, do Senado e do STF. O presidente também tem poderes para dissolver a Câmara – mas não o Senado – e convocar eleições extraordinárias, em caso de “grave crise política e institucional”.
O primeiro-ministro é passível de destituição?
A destituição do chefe de governo pode ocorrer pela aprovação, por maioria absoluta do Congresso, de moção de censura apresentada pelo presidente ou por 2/5 dos integrantes de cada Casa do Legislativo, após 12 meses da posse.
Como o Brasil decidiu pelo presidencialismo?
O Brasil já realizou dois plebiscitos – em 1963 e em 1993 – para que a população pudesse escolher seu sistema político. Sistemas não-presidencialistas foram rejeitados nas duas ocasiões. Após a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, devido à pressão de grupos que eram contrários à posse de João Goulart, vice de Jânio, o Congresso implantou o sistema parlamentarista para impedir que as tensões políticas deflagrassem uma guerra civil. A emenda institucional nº 4, que instaurou temporariamente o parlamentarismo no Brasil, previa a realização de um plebiscito sobre a permanência deste sistema político, ou o retorno ao presidencialismo. De um eleitorado de 18 milhões de pessoas, 11, 5 milhões votaram no plebiscito. O resultado determinou a volta ao sistema presidencialista, por 9,4 milhões de votos contra 2 milhões.
Em 1993, como previa a Constituição de 1988, uma consulta pública sobre a forma de governo foi realizada após a redemocratização. A população pôde escolher entre um regime republicano ou monárquico, dentro de um sistema presidencialista ou parlamentarista. Com 55% dos votos, o presidencialismo foi confirmado como a escolha da maioria. O parlamentarismo teve 25% dos votos e a monarquia, 10%.
Quem no mundo adota o sistema?
São 27 países declarados semipresidencialistas: Argélia, Burkina Fasso, Cabo Verde, Egito (república sob liderança militar),França, Geórgia, Guiné-Bissau, Haiti, Lituânia, Madagáscar, Mali, Mauritânia, Mongólia, Moçambique, Níger, Portugal, República Democrática do Congo, Romênia, Rússia, São Tomé e Príncipe, Senegal, Síria, Sri Lanka, Taiwan, Timor-Leste, Tunísia, Ucrânia.
Como funciona em Portugal?
Após 30 anos de um regime totalitário, com António Salazar no governo, o semipresidencialismo português foi criado nos anos 70. No semipresidencialismo, o papel do primeiro-ministro e do presidente são divididos. Esses poderes são delimitados via Constituição, o que pode variar de acordo com cada país. No regime adotado em Portugal, o país conta com um primeiro-ministro e um presidente, eleito de forma direta pelo povo. O sistema português tem muitas semelhanças com o francês. Uma delas é a eleição direta para presidente, que no caso de Portugal é também o líder do poder executivo. Portugal possui quatro poderes: o presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais.
O presidente cumpre um mandato de 5 anos, e assim como no semipresidencialismo francês, possui uma série de atribuições especiais, como a possibilidade de dissolução do Legislativo, a nomeação do primeiro-ministro e o veto sobre leis. Ele também representa o país internacionalmente e é chefe do Exército.
Uma das diferenças mais significativas é que o presidente não exerce tantas funções executivas quanto no caso da França. Está mais voltado para uma figura politicamente neutra, que arbitra, intervém e aconselha. A Assembleia da República se assemelha ao que, no Brasil, conhecemos como Congresso Nacional. Ela representa o poder legislativo, com 230 deputados eleitos para cumprirem um mandato de 4 anos. O presidente se baseia no resultado das eleições parlamentares para indicar o primeiro-ministro, que é quem governa o país de fato. O primeiro-ministro, então, escolhe seus outros ministros e secretários. O último órgão de soberania são os Tribunais, que equivalem ao nosso Judiciário.
Como funciona na França?
Na França, o semipresidencialismo foi aprovado em 1958, com a criação da chamada Quinta República. Antes disso, o país passava por instabilidades por conta de derrotas em guerras com as colônias. O sistema era o parlamentarista, o que contribuiu para o cenário caótico que o país enfrentava. Com a nova Constituição aprovada, o presidente passou a ter mais atribuições. Durante os anos, o sistema passou por algumas mudanças, mas o seu funcionamento continua intacto. Em 1962, o representante do cargo começou a ser eleito pelo voto direto, com um mandato de sete anos. Em 2000, após uma mudança aprovada, ficou definida a ocupação por cinco anos.
Já o primeiro-ministro normalmente é escolhido dentro da maior força do parlamento francês, mas o presidente pode nomear outras pessoas para o cargo, que aplica a política de Chefe de Estado, com a base definida pelo presidente. O sistema legislativo é bicameral, com o Senado e a Assembleia Nacional – que equivale à Câmara dos Deputados brasileira. A eleição dos 348 senadores é feita de forma indireta, enquanto os Deputados são eleitos em dois turnos.
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