BRASÍLIA – Uma lei criada em 2018 instituiu no Brasil o Sistema Único da Segurança Pública (SUSP), que ainda está longe de ter o mesmo reconhecimento e abrangência do seu equivalente, o Sistema Único de Saúde (SUS). Especialistas apontam que tirar o “SUS da Segurança” do papel é uma medida fundamental para ganho de eficiência no combate à violência.
A lei 13.675/2018 é considerada um marco na política de segurança pública do País. No papel, ficou estabelecida uma arquitetura de gestão nacional com colaboração, estratégias integradas, operações conjuntas, compartilhamento de dados e de estruturas federais, estaduais e municipais.
O problema é a forma como os gestores enxergam o que seria cumprir o que está previsto na lei. As grandes operações que contam com diversas agências e o uso das Forças Armadas para combater o tráfico de drogas, por exemplo, são vendidas como o SUSP em pleno funcionamento.
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Foi o que o então ministro da Justiça, Flávio Dino, destacou em outubro no lançamento do Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas (Enfoc). Era um investimento de R$ 900 milhões para “viabilizar visão sistêmica das organizações criminosas, valorizar os recursos humanos das instituições de segurança pública e fortalecer a investigação criminal e a atividade de inteligência”.
“Diferente do que aconteceu nas políticas públicas de saúde e educação, em que a integração federativa está no núcleo, isso não aconteceu na segurança, infelizmente. Foram precisos 30 anos para que fosse votada a Lei do SUSP. Ela já existe, mas não era efetivada”, reconheceu Dino.
O programa foi lançado quando o governo Lula era pressionado por apresentar resultados na área da segurança pública e foi criticado por especialistas e no Congresso por ser genérico e feito às pressas, para esboçar reação.
No noticiário institucional do governo, o Enfoc aparece como o responsável pelo êxito de uma série de operações policiais Brasil afora, da apreensão de 14,5 quilos de ouro em um barco em Coari (AM) até a busca e apreensão por racismo e crime de ódio na internet, em Santa Catarina.
Outra corrente considera que essas iniciativas são importantes, mas sem sustentação de longo prazo e, na verdade, não expressam o que é exigido na síntese da Lei do SUSP. O mais correto, para os que compartilham desta visão, seria uma coordenação nacional para definir estratégias, manuais e procedimentos que farão com que as metas sejam alcançadas.
Até existe um Plano Nacional de Segurança Pública, com metas de redução de crimes como homicídios e roubos de veículos até de mortes no trânsito. Os números, porém, não fazem parte da ordem do dia das elites decisórias, nos governos e nos parlamentos.
“A política de segurança pública não é uma política de estado, é uma política de governo. Cada um quer ter o protagonismo para falar que foi ele que fez ou resolveu. Ou então, para deixar o problema para o outro”, ressaltou Rafael Alcadipani, professor da FGV e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Os tipos e as quantidades de crimes são diferentes em cada região do País. As polícias estaduais estão em níveis diferentes de organização e eficiência. Não existe uma ordem sobre como as câmeras corporais de policiais precisam ser adotadas. Uma coordenação nacional poderia resolver todas essas questões. “A União tem um enorme poder regulatório, que nunca exerceu”, afirmou Renato Sérgio de Lima, presidente do FBSP.
Conforme estabelecido no artigo 10 da lei, cabe ao governo federal a coordenação do SUSP. Pesquisadores, policiais e gestores consultados pelo Estadão, contudo, apontam que aí mora um desafio de ordem política e eleitoral: assumir esse protagonismo é encarar o ônus de resultados que só aparecerão lentamente, depois de cinco ou dez anos. Ou ainda fracassar em uma tarefa que não depende só do governo e sofrer os prejuízos políticos de resultados que não se confirmarem.
“O gestor da segurança não pode perder de vista a perspectiva estratégica. Planejar ações para além do curto prazo deve compor sua agenda política. E é nesse sentido que a implementação do SUSP pode ser incorporada”, destacou Luis Flávio Sapori, sociólogo, professor da PUC-MG e ex-secretário adjunto de Segurança de Minas Gerais.
Ex-ministro: ‘core business do SUSP nunca foi implementado’
A proposta de criação de um SUSP surgiu ainda em 2003, no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O projeto de lei 3.734 só viria a ser apresentado à Câmara pelo governo Dilma Rousseff (PT) em 2012.
No governo de Michel Temer, no contexto da intervenção federal no Rio de Janeiro, ele foi aprovado e sancionado. O ministro Extraordinário da Segurança Pública à época era Raul Jungmann.
“O SUSP, em seu core business [negócio central], nunca foi implementado. O governo de Jair Bolsonaro deixou de lado. No governo Lula, com Flávio Dino e agora Ricardo Lewandowski, está em processo”, disse Jungmann ao Estadão.
O ex-ministro explicou que o governo federal não tem a atribuição constitucional de gerir toda a segurança pública nacional. A Lei do SUSP serviu como “ponte” para essa finalidade.
“Como ministro da Justiça, você pode ligar para um secretário de estado e dizer que a prioridade é aquela. Ele pode desligar e fazer o que quiser. O governo central não tem os efetivos e nem os recursos. O SUSP é uma ponte para fazer a coordenação e nacionalizar a atuação do poder central, o que ainda está em implementação”, afirmou.
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