A prática da chamada “rachadinha” já é algo conhecido e considerado comum por investigadores e especialistas. O termo se refere a um tipo de desvio de verba, em que o recurso destinado à contratação de servidores é, na prática, enviado para o próprio contratante por meio de repasse de parte de parte do salário dos funcionários.
É justamente por esse motivo que o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), e seu ex-assessor, Fabrício Queiroz, preso preventivamente na manhã desta quinta-feira, 18, em Atibaia, no interior de São Paulo, estão sendo investigados.
Em dezembro de 2018, o Estadão tinha revelado que Queiroz foi citado em um relatório do antigo Coaf (Conselho de Atividades Financeiras, hoje a UIF, Unidade de Inteligência Financeira) com uma movimentação atípica de R$ 1,2 milhão. Isso levou o gabinete do então deputado estadual para o centro das investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ).
No entanto, não há um consenso entre juristas sobre em qual crime deve ser enquadrada a “rachadinha”. Entenda a seguir o que exatamente é esse esquema e quais as consequências da investigação e da operação de hoje.
O que é ‘rachadinha’?
Todo político eleito recebe uma verba do governo para montar o seu gabinete, ou seja, contratar assessores e servidores. No esquema de “rachadinha”, o servidor, ao ser contratado, acaba concordando em repassar parte de seu salário de volta para o político. Na prática, a “rachadinha” desvia parte desse dinheiro destinado à contratação de servidores.
Esse esquema é parecido com a prática dos funcionários laranjas ou fantasmas, em que uma pessoa é contratada como servidor, mas não exerce ativamente o cargo no gabinete e repassa parte ou todo o seu salário para o contratante.
No caso específico do gabinete de Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz é acusado pelo MPRJ de ser o intermediário, ou seja, o responsável por contratar os servidores e cobrar a devolução do valor do salário.
Mas afinal, ‘rachadinha’ é crime?
Apesar de ser sim uma prática ilícita, há muita discussão sobre em que tipo de crime a “rachadinha” pode ser enquadrada. Isso porque depende de como o esquema é realizado, segundo o professor Lenio Streck, da Unisinos/RS.
“Se ele exigiu do funcionário o repasse, o crime é considerado concussão. Agora se ele só recebeu o dinheiro, não forçou o servidor a enviar o valor, é considerado corrupção passiva.”
O professor explica que, ainda que haja um intermediário entre o político e o servidor, ambos ainda são considerados culpados. Isso se aplica ao suposto caso de “rachadinha” no gabinete de Flávio Bolsonaro. Mesmo que apenas Queiroz tenha cobrado o repasse dos salários dos servidores, se for comprovado que o dinheiro foi enviado para o então deputado, os dois podem ser condenados pelo crime.
“O Flávio só não teria cometido crime se o Queiroz exigisse os valores para si sem que o deputado soubesse ou recebesse qualquer dinheiro”, afirmaa Streck.
Por que Fabrício Queiroz foi preso?
A prisão preventiva, de acordo com o artigo 312 do Código de Processo Penal, só pode ser decretada para garantir a ordem pública, a ordem econômica ou assegurar a aplicação da lei penal. Em qualquer desses casos, ainda é necessária comprovação.
No caso da prisão de Fabrício Queiroz, o MPRJ disse ter evidências de que o ex-assessor de Flávio Bolsonaro estava tentando manipular provas e pressionar testemunhas para obstruir as investigações sobre o esquema de “rachadinha”, o que justifica a prisão preventiva.
Flávio Bolsonaro pode ser preso?
Apesar de o filho 01 do presidente Jair Bolsonaro estar sendo investigado no esquema de “rachadinhas”, é pouco provável que ele seja preso antes de uma eventual condenação, de acordo com Lenio Streck. Isso por causa dos pré-requisitos para se decretar uma prisão preventiva.
“Um senador não parece ter risco de fuga, não coloca a ordem pública em risco. Entre os requisitos para pedir a prisão preventiva, ele só poderia ser preso se influenciar diretamente testemunhas ou provas e isso for detectado”, explica o professor.
Outros parlamentares da Alerj acusados de ‘rachadinha’
O gabinete de Flávio Bolsonaro não foi o único a ser investigado no caso das “rachadinhas” da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Na época, o Coaf também citou, em seu relatório, movimentações atípicas até maiores nos gabinetes de outros 26 parlamentares, entre eles o presidente da Assembleia, André Ceciliano (PT-RJ).
Apenas no gabinete de Ceciliano, o Coaf identificou uma movimentação de R$ 49,3 milhões, feita por quatro assessores, entre 2016 e 2017. Ele e outros deputados alvos da Operação Furna da Onça, baseada no relatório do Coaf, tiveram o sigilo fiscal e bancário quebrado em maio de 2019.
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