ESPECIAL PARA O ESTADÃO – Antes contrário à instalação de uma comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) para investigar os ataques às sedes dos Três Poderes no dia 8 de janeiro, o governo Luiz Inácio Lula da Silva decidiu mudar a estratégia após a demissão do ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Gonçalves Dias.
Em novo movimento, o Palácio do Planalto agora apoia a abertura dos trabalhos do colegiado e, como mostrou o Estadão, age para ter a maioria e o controle da CPMI. Uma sessão para abertura da comissão foi convocada para quarta-feira, 26, no Congresso. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que também comanda o Congresso, fará a leitura do requerimento, atestando a obtenção das assinaturas necessárias e o cumprimento dos requisitos básicos. “A CPI é um direito da minoria. Não cabe a mim decidir. Se forem cumpridos os requisitos - número de assinaturas, fato determinado e orçamento previsto - cabe aos líderes dos partidos tomar essa decisão”, disse Pacheco na semana passada.
G. Dias, como é conhecido o oficial, deixou o cargo na quarta-feira, 19, após a divulgação de imagens em que ele aparece no Palácio do Planalto, no dia 8 de janeiro, interagindo tranquilamente com invasores, até indicando o caminho de saída a alguns. A imagens foram reveladas pela CNN Brasil. O general prestou depoimento a delegados da Polícia Federal na sexta-feira, 21. No sábado, 22, o GSI abriu todo o conteúdo das câmeras de segurança por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
As imagens reforçam a ação violenta dos manifestantes radicais e mostram agentes do GSI sem agir para conter invasores, pelo contrário, até oferecendo água em determinado momento. Foi registrada inclusive uma tentativa de arrombamento de um caixa eletrônico, como mostrou o Estadão, que examinou o material capturado por 33 câmeras espalhadas nos quatro andares do Planalto.
A mudança de estratégia do governo Lula agora prevê um novo diálogo entre parlamentares para iniciar a CPMI, que precisava das assinaturas de pelo menos um terço dos membros de cada Casa do Congresso Nacional. Apesar da resistência do governo federal nos primeiros meses de gestão, a oposição, sob liderança do deputado federal André Fernandes (PL-CE), se articulou e já obteve assinaturas de 218 deputados e 37 senadores.
O requerimento apresentado pelo parlamentar descreve como finalidade da comissão investigar os atos de ação e omissão ocorridos no 8 de janeiro.
O que acontece agora?
Diante da crise com a saída de G. Dias, o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), disse que o Planalto também pleiteia a abertura da CPMI. Em Lisboa, no sábado, o presidente Lula declarou a decisão de estabelecer a investigação parlamentar é do Congresso. “Não decido CPI. CPI é decisão do Congresso Nacional, que decide quando quiser decidir, faz quando quiser fazer. O presidente da República não vota no Congresso Nacional. Os deputados decidem”, respondeu Lula, que se irritou com a pergunta enquanto dava entrevista coletiva ao lado do presidente português, Marcelo Rebelo.
Em meio à polêmica e também em viagem ao exterior no fim da semana passada (ele participava de um seminário em Londres), Pacheco prometeu fazer a leitura do requerimento nesta quarta-feira, 26.
Competências e indicações
Assim como uma CPI da Câmara ou do Senado, as comissões mistas Têm as mesmas competências e pré-requisitos. O pedido de instauração pode ser feito por qualquer senador ou deputado federal, sendo necessário o recolhimento de um terço de assinaturas no Senado (27) ou na Câmara (171).
A leitura do pedido em plenário pelo presidente do Congresso sela o início formal da CPMI. A partir daí, os líderes dos partidos devem indicar os integrantes que vão compor o colegiado. Isso se dá considerando o tamanho dos blocos partidários, a chamada proporcionalidade. A CPMI dos atos antidemocráticos terá 32 integrantes (16 deputados e 16 senadores), e governistas calculam conseguir indicar 20 nomes.
Por tradição, espera-se que o proponente da investigação seja o presidente do colegiado, ou seja, André Fernandes. Mas isso se define, na prática, na primeira sessão da CPMI, quando os integrantes elegem o comando e os cargos-chave: presidência e relatoria.
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Como são formadas as CPMIs e quais os principais cargos?
As comissões mistas são formadas por deputados e senadores. Diferente de uma CPI em cada Casa, os parlamentares de Câmara e Senado atuam em conjunto, com maior força política. Os cargos mais importantes do colegiado são a presidência e a relatoria. O presidente determina a agenda de depoimentos e o ritmo dos trabalhos, entre outros pontos cruciais, como agir para aprovar ou não o envio de documentos. Já o relator é o principal condutor dos depoimentos e da interpretação de todas as informações colhidas: cabe a ele (ou ela) redigir o relatório das investigações, influenciando a interpretação das informações coletadas.
Aliados do governo e opositores de Lula já travam intensa disputa de bastidor para negociar nomes e reunir o apoio necessário entre os membros da comissão para determinar o presidente, vice-presidente e relator.
Qual o prazo dos trabalhos?
Não há um prazo definido para que os líderes dos partidos nomeiem os membros da CPMI. O que pode acontecer, no entanto, é o presidente do Congresso definir uma data. Com a composição definida, a CPMI será instalada. Após este processo, o colegiado tem 120 dias para analisar o caso e apresentar um relatório final com as conclusões, mas pode também acabar aprovando uma prorrogação, como ocorreu com a CPI da Covid.
Quais são os poderes dos integrantes?
A CPMI (ou a CPI), é um instrumento do Parlamento para exercer sua atividade fiscalizadora. Ela tem poderes de investigação similares aos de uma autoridade policial: pode inquerir testemunhas, ouvir suspeitos e autoridades, requisitar informações de documentos da administração pública e quebrar sigilo bancário, fiscal e de dados. No entanto, a CPI não tem poder de julgar ou punir os investigados. Cabe às instâncias judiciais abrir processos e darem andamento a ações relacionadas aos achados da comissão.
Caso os parlamentares identifiquem que houve a transgressão disciplinar ou a prática de crimes, a CPMI encaminha suas conclusões para o Ministério Público, responsável por determinar a responsabilidade civil ou criminal após pedido de indiciamento dos citados.
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