BRASÍLIA – O deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) já afirmou que a Venezuela não vive sob uma ditadura e reconheceu o ditador Nicolás Maduro como presidente eleito nos últimos anos. Agora, o parlamentar, que é pré-candidato à Prefeitura de São Paulo, adotou um tom crítico ao regime chavista e afirma que o país não tem o “modelo de democracia” dele.
Em 2018, quando Boulos estreou na política como candidato à Presidência da República pelo PSOL, ele afirmou que Venezuela e Cuba não eram governados por ditaduras durante uma sabatina na Jovem Pan. A declaração ocorreu durante uma discussão com o comentarista político Marco Antonio Villa, onde o então presidenciável afirmou que o ex-presidente Michel Temer (MDB) era um governante ilegítimo.
“Não é uma ditadura, teve o seu governo eleito”, disse Boulos sobre a Venezuela. “Cuba é ditadura?”, questionou Villa. “Não, não é uma ditadura. Aliás, teve eleições recentemente, Cuba elegeu o seu presidente. (...) O governo Maduro foi eleito pelo povo, o Temer não”, completou o então candidato à Presidência.
Essa não foi a única vez que Boulos comparou Maduro e Michel Temer. Em 2017, Boulos afirmou que o chavista foi eleito presidente com 7,5 milhões de votos, enquanto o emedebista não havia sido votado. Temer era vice na chapa da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) nas eleições presidenciais de 2014, e assumiu o poder após o impeachment da petista seguindo o rito constitucional.
“Diga-se o que quiser de Maduro, mas foi eleito presidente com 7,5 milhões de votos. E Temer, quantos votos recebeu? Hipocrisia no Mercosul”, afirmou Boulos. O candidato do PSOL fez referência à eleição venezuelana de 2013, quando o chavista venceu o oposicionista Henrique Capriles por uma margem apertada de 200 mil votos, de acordo com o órgão eleitoral venezuelano.
Também em 2017, o ex-presidente, que então era o líder do Mercosul, afirmou que a Venezuela teve uma “ruptura democrática” ao justificar a suspensão do país do bloco. Boulos então disse que o emedebista não poderia julgar o chavista, já que chegou ao Planalto “pelas vias democráticas de Eduardo Cunha”, em referência ao ex-presidente da Câmara dos Deputados.
Boulos defendeu manobra de Maduro para anular poder da oposição
Outra postagem de Boulos em 2017 defende uma Assembleia Nacional Constituinte convocada por Maduro para anular o poder da oposição, que comandava o Legislativo desde 2016. O colegiado, criado pelo regime chavista para sanar a crise política, foi desfeito em 2020, sem apresentar uma nova Constituição.
Apesar das críticas internacionais sobre a escalada autoritária de Maduro, Boulos afirmou que a oposição tinha “medo da participação popular”: “Todo apoio à votação de hoje pela Constituinte na Venezuela. Quem tem medo da participação popular, tem medo da democracia”, disse. Menos da metade dos venezuelanos votaram na escolha dos membros da assembleia, em protesto silencioso ao ditador.
Crítica a plano de intervenção militar dos EUA e ataque com drones em Caracas
Em setembro de 2017, Boulos criticou a possibilidade de uma ação militar dos Estados Unidos na Venezuela, que foi discutido publicamente pelo ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump. “Participei agora do ato em defesa da paz na Venezuela e pela soberania do povo venezuelano. Não à ameaça covarde de intervenção de Trump!”, afirmou o deputado federal.
Essa não foi a única vez que Boulos defendeu a Venezuela diante de riscos de confronto militar. Em agosto de 2018, Boulos citou a explosão de drones em um local próximo de onde Maduro estava discursando para a população, em Caracas. O governo chavista classificou a ocasião como uma tentativa de ataque contra o governante, que saiu ileso.
“Nosso repúdio ao atentado com drones e explosivos contra o presidente venezuelano Nicolas Maduro hoje. Essa é a atitude dos que dizem defender a democracia na Venezuela? Inaceitável!”, questionou Boulos no X (antigo Twitter).
Críticas a Guaidó e relação diplomática do governo Bolsonaro
Em 2019, Boulos fez críticas ao ex-presidente da Assembleia Legislativa da Venezuela Juan Guaidó que, em janeiro daquele ano, se autoproclamou presidente interino do país, sendo reconhecido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Em uma postagem da época, o pré-candidato à Prefeitura de São Paulo afirmou que o ex-presidente apoiava um “golpe”.
O deputado do PSOL também defendeu que a solução para o país deveria ser “democrática e pacífica, sem ingerência externa”.
Boulos também atacou Bolsonaro após o ex-presidente afirmar que reconhecia a “capacidade bélica” dos Estados Unidos. A declaração ocorreu em uma visita oficial ao território americano, onde o ex-presidente disse esperar de Donald Trump soluções para a “libertação do povo venezuelano. “Além de tresloucado é subserviente. O presidente é um perigo para o Brasil e para a paz na região”, afirmou o pré-candidato à Prefeitura de São Paulo.
No final de 2019, Boulos chamou Guaidó de “golpista” e disse que a sua presidência interina acabou em “desmoralização”. O pronunciamento ocorreu após a ex-presidente da Bolívia Jeanine Añez assumir o poder do país após uma crise política, que culminou na renúncia do ex-presidente esquerdista Evo Morales.
“A moda dos golpistas sul-americanos é” se declarar” presidente. Na Venezuela foi Guaidó. Agora, na Bolívia, Jeanine Añez. Que essa tenha o mesmo fim do primeiro: a desmoralização”, afirmou Boulos.
Boulos muda tom e diz que Venezuela não tem ‘modelo de democracia’ dele
No final do mês passado, o Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela (CNE) declarou que Maduro ganhou a eleição presidencial com 51,2% dos votos válidos, contra 44,2% do candidato oposicionista Edmundo González. Há suspeitas de fraude, e os adversários do chavista declaram González vencedor com 70% dos votos.
Boulos foi o único dos candidatos à Prefeitura que não contestou a suposta vitória de Maduro. Sem criticar o processo eleitoral da Venezuela, o deputado do PSOL disse que ia esperar a posição da diplomacia brasileira e a divulgação das atas das sessões eleitorais. Já se passaram 16 dias desde o pleito e o ditador não divulgou os documentos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), aliado histórico do chavista e padrinho político do deputado do PSOL, estuda a defesa de uma nova eleição no país.
No último dia 7, durante uma sabatina do portal G1 com os candidatos à Prefeitura de São Paulo, Boulos adotou um novo tom sobre Venezuela e Nicolás Maduro. Ele afirmou que o país não tinha o “modelo de democracia” dele e cobrou mais transparência por parte do chavismo.
“Não é o meu modelo de democracia. Estamos propondo e cobrando um modelo de transparência. Se ficar comprovado que houve fraude nas eleições e o governo que exercitou fraude permanecer no governo, aí você não terá mais uma democracia”, disse
Uma pesquisa divulgada pelo instituto Datafolha nesta segunda-feira, 12, mostrou que 79% dos eleitores paulistanos acreditam que houve fraude na eleição venezuelana. Outros 13% não sabem e apenas 8% afirmaram que não houve irregularidade. Entre os que tomaram conhecimento do pleito, o percentual dos que acreditam em adulteração dos resultados cresce para 88%.
O Datafolha ouviu presencialmente 1.092 eleitores paulistanos entre os dias 6 e 7 de agosto. A margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos e o índice de confiabilidade é de 95%. O levantamento está registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob o número SP-03279/2024.
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