Para alguns dos 55 vereadores eleitos para os próximos quatro anos na Câmara Municipal de São Paulo, o mandato, que assumiram dia 1º de janeiro, chegou depois da fama. Antes de se lançarem na política, eles já eram conhecidos por motivos diferentes, entre participação em reality shows, militância por uma causa ou por questões familiares – seja por herança de popularidade, ou pela relação com um crime que chocou o País. Agora, o assunto é o futuro: falam sobre qual será o foco de atuação na maior casa legislativa municipal do Brasil.
Poucos dias antes da cerimônia de posse, o Estadão conversou com quatro dos parlamentares que, juntos, somam quase seis milhões de seguidores nas redes sociais e 235 mil votos nas urnas. Três deles, Ana Carolina Oliveira (Podemos), Adrilles Jorge (União) e Renata Falzoni (PSB), estreiam na vida política, enquanto Thammy Miranda (PSD) foi reeleito com mais de 50 mil votos para seguir com o trabalho legislativo.
Apesar do mandato que conquistaram em outubro ter começado essa semana, alguns dos futuros vereadores planejam focar na “continuação” de trabalhos cujas bandeiras já carregavam fora dos corredores parlamentares. Ana Carolina, por exemplo, pretende dar prioridade ao combate da violência contra as crianças, adolescentes e mulheres. A vereadora mais votada na eleição de outubro passado, com 129 mil votos, ficou conhecida há 16 anos, quando sua filha, Isabella Nardoni, foi morta pelo pai e pela madrasta.
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Também são os motivos pelos quais ganharam a fama que devem reger os trabalhos nos gabinetes de Falzoni, uma das ativistas pela mobilidade ativa – sobretudo a bicicleta – pioneira no Brasil, e de Adrilles Jorge, ex-Big Brother que se alavancou como comentarista político após fazer análises polêmicas, algumas consideradas racistas, que geraram grande repercussão em 2015. Hoje, o jornalista é um defensor da “liberdade de expressão”.
As intenções dos eleitos sobre como devem tocar os trabalhos legislativos também diz sobre o perfil de cada um. Segundo o cientista político especializado em comportamento legislativo e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) Lucio Rennó, uma classificação possível é conforme o perfil das bases eleitorais que elegeram os candidatos.
O perfil, portanto, pode ser territorial, no caso em que o vereador representa localidades específicas do município e tem sua votação concentrada lá; ou ter um caráter de representação corporativa ou ideológica. Isso se aplica aos casos em que o legislador representa segmentos específicos da sociedade ou economia, ou “ideias mais amplas”, que podem atravessar diversas áreas. No caso dos vereadores “famosos”, o perfil ideológico se destaca. Saiba quais serão as prioridades de cada um deles na Câmara.
‘Gatekeeper’ das pautas ambientais
“Nessa correria de fim de ano, os projetos que estão chegando precisam ser barrados. E você precisa barrar sem ser vereador.” Assim Renata Falzoni, fotojornalista, videorrepórter e, nos últimos 40 anos, ativista da bicicleta como meio de transporte, descreve seus últimos dias antes de assumir oficialmente o cargo, ao qual se elegeu na terceira tentativa. O projeto ao qual se refere, enviado pelo Executivo, permite a privatização de ciclovias, o que Renata considera um sinal de que a prefeitura não quer assumir a responsabilidade e poderá “somar coro” às organizações da sociedade civil quando reivindicarem melhorias.
O cientista político usa um termo em inglês, “gatekeeper”, ou o mesmo que um porteiro, para descrever esse papel de controlar e evitar que proposições que venham do governo, e sejam contrárias ao interesse do eleitorado, sejam aprovadas na Casa. Outra característica desse perfil de vereador é trabalhar pela regulamentação de um setor, seja propondo normativas, ou as evitando.
Nas áreas em que atua – mobilidade, meio ambiente e políticas urbanas –, a nova vereadora avalia que o maior desafio será ultrapassar a posição de reagir e chegar ao nível propor “um bom debate”. Entre os projetos que pretende priorizar, está a criação de áreas de prática de esporte e de ciclismo, a revisão da malha cicloviária da cidade para cobrar reparos de trechos, e formas de garantir a diminuição das mortes no trânsito. A vereadora também já foi convidada, e aceitou, compor a bancada do meio ambiente, mas também pretende criar uma frente parlamentar sobre mobilidade ativa – ou seja, o uso do corpo para o deslocamento, seja a pé, de bicicleta, ou outros modais sem motor.
“Nós vamos estar aptos ao bom debate e estaremos juntos de todo e qualquer projeto que some para a coletividade da cidade na busca de sustentabilidade, mudanças climáticas, acesso à cidade através de mobilidade ativa combinado a um transporte coletivo de qualidade e por aí vai. Isso são propostas que deveriam vir da esquerda e da direita, de todos os lados.”
Educação, ‘ampliar a voz’ e 2026
Afirmando saber das limitações de um vereador em legislar sobre pautas ideológicas – como a sua principal bandeira, “a liberdade no sentido mais amplo do termo” –, a estratégia de Adrilles Jorge é atuar nas áreas de educação e cultura. Dessa forma, pretende “fomentar e incentivar uma percepção mais larga da vida”, o que contribui, segundo ele, para que ninguém fique preso em preconceitos. “A minha voz na Câmara vai ser uma voz plena de defesa intransigente da liberdade de expressão em todos os âmbitos, em São Paulo, no Estado e na nação brasileira”, diz o jornalista, que chegou a ser demitido da Jovem Pan em 2022 por fazer um gesto que foi associado ao nazismo – sendo readmitido pouco tempo depois do episódio, que sempre negou.
Como uma das primeiras propostas, planeja um tipo de “banco de conselhos”, em que aposentados de diversas áreas serão conectados às crianças da rede de ensino para trocarem experiências sobre a vida prática em suas profissões. “Esse é um projeto, parece que é pequenininho, e é pequeno de alguma forma no distrito de São Paulo, mas que visa exatamente uma conciliação da nação”, diz, afirmando que dessa forma ataca dois problemas – a população “inativa” e a suposta prevalência da “ideologia progressista” nas escolas.
Na cultura, o ex-BBB pretende propor “uma espécie de Rouanet bem aplicada”, facilitando o acesso de “alta cultura popular” para moradores das periferias. “Um aluno, um morador de periferia, ele tem acesso a funk, ele tem acesso a coisas que estão ao lado da sua cultura, como diz uma pessoa que eu não admiro muito, que é o Paulo Freire, mas ele tem que ter acesso também a Camões, a Beethoven, a Mozart, a Shakespeare.”
Sobre as pautas que convergem com as preposições de outros vereadores, citando Lucas Pavanato (PL), Rubinho Nunes (União) e Zoe Martínez (PL), Adrilles afirma que podem juntos pleitear parcerias tanto com o prefeito Ricardo Nunes (MDB), como com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). O vereador eleito não descarta uma candidatura em 2026, garantindo apenas que carregará a defesa da liberdade de expressão para qualquer cargo eletivo que venha a ocupar.
Para Lucio Rennó, a tendência é que um parlamentar em novo mandato chegue à Casa legislativa apresentando muitas proposições para dar retorno às demandas da base que o elegeu. “Conforme o parlamentar vai ficando mais seguro no seu mandato, vai se reelegendo, conquistando essa fidelização, passa a exercer outras funções que não são necessariamente de resposta direta ao eleitorado o tempo todo”, diz o cientista político, acrescentando que mirar em cargos mais elevados é uma tendência na política brasileira.
Frente Parlamentar em Defesa da Pessoa com Diabete
Com 3,4 milhões de seguidores do Instagram, Thammy Miranda, filho da cantora Gretchen, foi para seu segundo mandato na Câmara Municipal. O vereador, que já trabalhou como ator, cantor e influenciador, foi o primeiro homem trans a se eleger na casa legislativa, quando concorreu em 2020 pelo Partido Liberal (PL) e obteve 43 mil votos, a nona maior votação daquele pleito. Neste ano, se filiou ao PSD em março e fez campanha para o prefeito, reeleito no segundo turno.
Segundo dados da Câmara, o vereador apresentou 158 projetos de lei, entre autoria e coautoria, dos quais 55 foram promulgados – 10 deles como único autor. Com eles, incluiu no calendário de eventos da cidade de São Paulo o dia do “Não é não!”, em alusão à luta contra o assédio, e instituiu a política de prevenção do diabetes e de assistência integral à pessoa diabética no município, por exemplo.
Ao Estadão, Thammy disse que para o novo mandato continuará focando em pautas relacionadas às mulheres e à saúde. Uma semana após ser eleito, protocolou na Casa a criação da “Frente Parlamentar em Defesa da Pessoa com Diabete”, doença que já foi tema de três projetos apresentados por ele. Como já disse em eventos da área, não tem ninguém na família com diabetes, mas foi “tocado” pelo assunto de uma forma “que não sabe explicar”.
Assessoria e empreendedorismo para mulheres ‘seguirem em frente’
Em seu primeiro cargo político, Ana Carolina vai focar em legislar pela proteção de crianças, adolescentes e mulheres. Sem detalhar, a futura vereadora disse que pretende implementar assessoria psicológica e jurídica para que pessoas que vivem em situação de violência possam procurar apoio.
Eleita a mulher com mais votos na eleição de outubro passado, ela também tenciona incentivar o empreendedorismo feminino pelo mesmo motivo. “A maioria das mulheres são a base da família, e muitas vezes não tem onde deixar os filhos. Fazer essa parceria com a Prefeitura, com o Estado, (é uma forma) para que elas possam ter as suas condições de caminhar, de seguir em frente, de ter a sua independência financeira e possam cuidar dos seus filhos de uma forma melhor e grandiosa.”
Sobre a falta de experiência como vereadora, ela diz que vai trabalhar para mostrar que suas propostas são urgentes, mas sabe que encontrará dificuldades. Para Lucio Rennó, uma das principais dificuldades no primeiro mandato é aprender todos os “meandros” do processo legislativo, além da menor influência nas decisões da Casa por não ocuparem cargos centrais para a tramitação de proposições. Entretanto, com o apoio de uma assessoria parlamentar experiente, é possível que já no primeiro mandato o político assuma posições mais importantes. “Porque a curva de aprendizagem é rápida e porque as ambições políticas são grandes”, analisa.
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