RIO – O subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos reiterou ao Supremo Tribunal Federal (STF) o pedido de informações sobre postagens feitas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), investigado por suposta incitação aos atos golpistas de 8 de janeiro. É de responsabilidade dos integrantes da Procuradoria-Geral da República (PGR) investigar e denunciar políticos com foro especial, como deputados federais, senadores e o próprio presidente. Como os atos em análise teriam sido cometidos no decorrer do mandato de Bolsonaro no Palácio do Planalto, cabe ao órgão opinar sobre as imputações cabíveis no processo.
A Procuradoria-Geral da República é a sede administrativa do Ministério Público Federal (MPF), em Brasília. É na PGR onde atuam os servidores do MPF e o procurador-geral da República – atualmente, Augusto Aras.
A estrutura do Ministério Público tem duas divisões principais: o Ministério Público da União (MPU) e o Ministério Público nos Estados. Aras é o chefe do MPU.
O Ministério Público da União se subdivide em três: o Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério Público Militar (MPM). Logo, o PGR é considerado o chefe das três instituições.
Chefe do Ministério Público da União, logo do Ministério Público Federal, o PGR é escolhido pelo presidente da República, entre os integrantes da carreira maiores de 35 anos, e aprovado pelo Senado Federal. Tem mandato de dois anos, permitidas reconduções. A destituição do cargo, pelo presidente da República, depende de autorização do Senado. O procurador-geral da República é processado e julgado pelo STF. No Supremo Tribunal Federal, o procurador-geral da República tem assento no plenário, à direita do presidente. É ouvido na maioria dos processos e pode atuar como parte em ação.
O pedido de informações das redes sociais do ex-presidente Jair Bolsonaro foi feito por um subprocurador-geral da República, que é subordinado a Aras. Carlos Frederico Santos, que assina a petição, é chefe da Câmara Criminal do MPF. Integra um grupo de trabalho, batizado de Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos, para investigar os atos golpistas.
O subprocurador-geral da República também pediu que as plataformas usadas pelo ex-presidente – Instagram, LinkedIn, TikTok, Facebook, Twitter, YouTube – encaminhem à Corte uma lista completa com os nomes e dados de identificação dos seguidores de Bolsonaro. Elas ainda terão de indicar os números de visualizações, curtidas, compartilhamentos, repostagens e comentários de cada publicação feita pelo ex-presidente com referência a temas como eleições, urnas eletrônicas, Tribunal Superior Eleitoral, Supremo Tribunal Federal e Forças Armadas.
Os integrantes do MPF tem o objetivo de identificar eventuais manifestações do ex-presidente relacionadas à investigação dos atos antidemocráticos em 8 de janeiro, em Brasília. Um vídeo de Bolsonaro com possíveis instigações de atos violentos logo após os atos violentas na capital federal foi um dos motivos da ampliação da investigação do MP.
Na petição, o subprocurador-geral lembra que a preservação do vídeo e as informações enviadas pelas empresas “seriam suficientes para apuração quanto à eventual autoria de atos de incitação à prática de crimes previstos no artigo 286 do Código Penal”.
Quais as funções do procurador-geral da República?
O procurador-geral da República é o responsável por representar o Ministério Público Federal no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O PGR opina em todos os processos que tramitam nas duas Cortes.
“O procurador-geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal”, diz o artigo 103 da Constituição.
Como os casos de políticos com foro especial são julgados apenas nas instâncias superiores durante o exercício dos mandatos, fica a cargo do PGR investigar e denunciar deputados federais, senadores e o próprio presidente. O chefe do MP também acumula a função de procurador-geral Eleitoral, com atuação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Além de opinar nas ações de políticos que correm no Supremo, o PGR pode propor ações diretas de inconstitucionalidade contra leis, decretos e normas federais e estaduais, além de propor ações penais públicas e cíveis.
Já no STJ, a PGR pode propor representação pela federalização de casos de crimes contra os direitos humanos e ação penal. É lá que governadores são alvos de investigações.
Como é escolhido o PGR?
A Constituição coloca como critérios para ocupar a cadeira mais alta do Ministério Público Federal apenas a idade mínima de 35 anos e o ingresso na carreira. Cumpridos os dois requisitos, o presidente da República pode escolher qualquer membro do MPF para o cargo.
Desde 2001, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) elabora uma lista tríplice, em que a própria categoria escolhe os três nomes mais bem aceitos entre os procuradores para o cargo. A partir de 2003, com decisão de Luiz Inácio Lula da Silva, o nomeado passou a ser definido a partir dessa listagem. A tradição foi quebrada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2019, que deixou de lado a eleição interna da ANPR e escolheu Augusto Aras, nome de perfil conservador alinhado às ideias do presidente.
O que é a lista tríplice?
O segundo mandato de Aras se encerra em setembro deste ano. A dois meses da definição do novo chefe do Ministério Público Federal, cinco nomes estão no páreo, inclusive o do atual PGR, que pode ser reconduzido ao cargo.
A categoria definiu a lista tríplice e se organiza para apresentá-la a Lula, em encontro que ainda não tem data para ocorrer, de acordo com a Secretaria de Comunicação da Presidência. O presidente, porém, não é obrigado a escolher um nome entre os elencados pelos membros do Ministério Público.
Para escolher os três nomes da lista, os procuradores podem votar, de forma facultativa e secreta, em até três candidatos para compor a lista. Todas as unidades do MPF (Procuradoria-Geral da República, Procuradorias Regionais da República, Procuradorias da República nos Estados e no Distrito Federal, Procuradorias da República nos municípios) são habilitadas para receber os votos.
Por exemplo, em cidades onde há mais de uma unidade, como em Brasília, o eleitor poderá escolher a mais próxima para registrar seu voto (Procuradoria-Geral da República, na Procuradoria da República no Distrito Federal ou na Procuradoria Regional da República da 1ª Região). O mesmo ocorre no Rio de Janeiro, onde as duas unidades da Procuradoria Regional da República da 2ª Região estão habilitadas para receber os votos, além da Procuradoria da República no Rio de Janeiro e das Procuradorias da República nos municípios.
Congresso Nacional pode barrar a escolha do presidente?
Depois da escolha do presidente, o nome do candidato passa pelo Senado Federal, que pode sabatiná-lo antes de votar se o aceita ou não – procedimento parecido com aquele ao qual Cristiano Zanin foi submetido antes de ser nomeado ministro do Supremo. Não existe um limite legal para o número de vezes que um procurador-geral pode ser reconduzido ao cargo. A Constituição deixa isso em aberto e diz apenas que o mandato é de dois anos.
Tradicionalmente, os últimos procuradores não ficaram mais de quatro anos no cargo. Antes de Aras, Raquel Dodge, única mulher que já esteve nessa posição, ficou dois anos. Rodrigo Janot, Roberto Gurgel, Antonio Fernando Barros e Silva ficaram quatro – ou seja, foram reconduzidos uma vez. Desde a promulgação da Constituição de 1988, apenas dois procuradores extrapolaram os quatro anos: Geraldo Brindeiro ficou oito como PGR (de 1995 a 2003) e Aristides Junqueira Alvarenga, seis (de 1989 a 1995).
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.