O que se sabe sobre depoimento do general que complicou Jair Bolsonaro na apuração da PF sobre golpe

Ex-comandante do Exército, general Marco Antonio Freire Gomes confirmou reunião de Bolsonaro com Forças Armadas para apresentar ‘minuta do golpe’

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Foto do author Karina Ferreira

O general Marco Antonio Freire Gomes depôs por quase oito horas no último dia 1º, na sede da Polícia Federal (PF) em Brasília. Diferentemente de Jair Bolsonaro (PL) e de outros 23 aliados do ex-presidente, o general não é investigado e foi ouvido como testemunha no inquérito que apura uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.

Ex-comandante do Exército Brasileiro, general Marco Antônio Freire Gomes prestou depoimento à Polícia Federal por mais de sete horas no último dia 1°.  Foto: Breno Laprovitera/ALEPE

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No depoimento, cuja íntegra permanece em sigilo, o ex-comandante do Exército confirmou ter participado da reunião que houve discussão dos detalhes da “minuta do golpe”documento no qual são elencados motivos e argumentos para a imposição de um estado de sítio, seguido por um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).

Freire Gomes chefiou o Exército brasileiro entre março e dezembro daquele ano, período em que a PF acredita que militares do alto comando das Forças Armadas estiveram envolvidos no planejamento de um golpe de Estado. O general respondeu a todas as perguntas que foram feitas pelos policiais, cerca de 250, na oitiva que terminou depois das 22h.

Ele foi chamado para depor em razão da troca de mensagens entre ele e o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, citando a “minuta”. Nessas mensagens, Cid, afirmou ao general que Bolsonaro “mexeu” no decreto, “reduzindo” o texto. Após depoimento de Freire Gomes, Cid foi intimado pela PF para novos esclarecimentos na próxima segunda-feira, 11.

O inquérito da PF narra que, inicialmente, o decreto golpista previa novas eleições e a prisão dos ministros do STF Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Após o ajuste de Bolsonaro, o texto passou a prever somente a prisão de Moraes.

O depoimento do general Freire Gomes também corroborou o depoimento de Cid, que assinou um acordo de delação com a PF. O ex-comandante do Exército confirmou que ele e o tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, que ocupou o cargo de comandante da Aeronáutica, se opuseram à ruptura institucional na reunião para apresentar o plano, chamada por Bolsonaro no Palácio do Planalto.

Único que teria demonstrado apoio às investidas golpistas, o almirante Almir Garnier, da Marinha, foi chamado para depor no último dia 22, mas ficou em silêncio.

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Segundo o relatório do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que autorizou a operação, aliados de Bolsonaro tentaram convencer Freire Gomes a botar as tropas do Exército na rua e aderir ao golpe. Como foi contra, Freire Gomes se tornou alvo das ações do grupo palaciano.

Mensagens encontradas no celular do ex-major Ailton Barros – demitido do Exército por razões disciplinares – mostraram que em dezembro de 2022 o então vice na chapa de Bolsonaro, general Walter Braga Netto, chamou Freire Gomes de “indeciso” e “cagão”. Braga Netto afirmava que a “culpa pelo que está acontecendo e acontecerá é do general Freire Gomes”. “Omissão e indecisão não cabem a um combatente”, acrescentou. “Oferece a cabeça dele. Cagão.” Na mesma época, Freire Gomes vivia o luto pela morte de sua mãe, chegando a ficar afastado do cargo por uma semana, em dezembro, para se despedir dela.

Segundo o jornal O Globo, o ex-comandante disse ainda no depoimento à PF que informou a Bolsonaro, em mais de uma ocasião, que não foi encontrada prova alguma de fraude nas urnas eletrônicas. Em 2022, os militares foram incumbidos de fiscalizar o processo de votação realizado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no primeiro turno das eleições. Os trabalhos foram concluídos sem que nenhuma irregularidade fosse encontrada.

Concentração de manifestantes extremistas no acampamento em frente ao QG do Exército, em Brasília, na véspera do 8 de Janeiro Foto: Reprodução/Polícia Militar

Ainda segundo o jornal, Freire Gomes disse em seu depoimento que se amparou em um parecer jurídico do próprio governo para impedir a desmobilização do acampamento bolsonarista formado na frente do Quartel-General do Exército, em Brasília. Foi do local onde os vândalos marcharam para depredar os prédios públicos na Praça dos Três Poderes.

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Foi ele quem deu a ordem para não desmobilizar o acampamento, no dia 29 de dezembro de 2022, dois dias antes da posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e uma semana antes dos ataques antidemocráticos de 8 de Janeiro. O general justificou aos seus subordinados que, se houvesse um tumulto, ninguém saberia qual seria a reação de Bolsonaro, que estava prestes a deixar o Palácio do Planalto.

O parecer citado por Freire Gomes no depoimento diz que não é atribuição das Forças Armadas cuidar da segurança pública e que, portanto, não havia base jurídica para a remoção dos manifestantes, já que não havia ordem da Justiça para isso.

O documento em questão, elaborado em 5 de julho de 2019, foi redigido pela consultoria jurídica do Ministério da Defesa, órgão vinculado à Advocacia-Geral da União (AGU), e diz que “as funções das Forças Armadas são a defesa da Pátria, a garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, em casos excepcionais, da lei e da ordem, não lhes incumbindo, portanto, atividades típicas de segurança pública”.

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Segundo fontes ouvidas pelo Estadão, até as vésperas do depoimento de Freire Gomes, os bolsonaristas tinham a esperança de envolvê-lo na investigação. Agora, avaliam que o depoimento dele pode ser um complicador para o ex-presidente.