O que se sabe sobre o uso do TSE fora do rito para embasar decisões de Moraes contra bolsonaristas?

Moraes é acusado de usar TSE como braço investigativo contra aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL); em nota, Moraes diz que ações seguiram as normas regimentais

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Foto do author Gabriel de Sousa
Atualização:

BRASÍLIA – Uma reportagem da Folha de S.Paulo divulgada nesta terça-feira, 13, mostrou que o gabinete do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes utilizou um setor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para embasar relatórios contra aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Mensagens enviadas via WhatsApp mostram que a Corte Eleitoral foi utilizada fora do rito regimental e evidencia uma postura de Moraes como julgador e acusador.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agencia Brasil

Gabinete de Moraes pedia relatórios contra bolsonaristas por mensagens de WhatsApp

A Folha revelou que a equipe de Moraes pediu, de forma constante, a produção de relatórios para embasar investigações contra bolsonaristas. Segundo o jornal, houve um fluxo fora do rito com um órgão do TSE sendo utilizado para nutrir o STF sem uma requisição de informações feitas de forma oficial.

Os alvos eram aliados do ex-presidente que postaram ataques ao sistema eletrônico de votação, aos ministros do STF e que incitaram os membros das Forças Armadas contra o resultado da eleição presidencial de 2022.

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Na troca de conversas, Airton pedia, em nome de Moraes, que os relatórios incluíssem determinados investigados e conteúdos nas redes sociais. O gabinete do ministro também solicitou ajustes quando os documentos não estavam em conformidade com os resultados esperados pelo magistrado. O conteúdo das mensagens sugere que o magistrado, além de relator e julgador, também estava atuando como investigador nos inquéritos das fake news e das milícias digitais.

Moraes disse que seguiu ritos regimentais na relação com TSE

Na noite desta terça-feira, logo após a divulgação da reportagem da Folha, o gabinete de Moraes afirmou, em nota, que fez solicitações a inúmeros órgãos, incluindo o TSE. Segundo o magistrado, todas as ações foram feitas seguindo os termos regimentais.

“Todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria Geral da República”, disse o gabinete.

Na abertura da sessão desta quarta do STF, Moraes se defendeu das acusações afirmando que, como presidente do TSE na época da troca de mensagens, tinha “poder de polícia” para determinar a feitura dos relatórios e afirmou que seria “esquizofrênico” se auto-oficiar.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes Foto: Wilton Junior/Estadão

“Seria esquizofrênico eu, como presidente do TSE, me auto-oficiar. Até porque, como presidente do TSE, no exercício do poder de polícia, eu tinha o poder, pela lei, de determinar a feitura dos relatórios”, afirmou Moraes.

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Gabinete tinha estratégia para não deixar uso do TSE fora do rito ‘descarado’

Em outras interações entre Vieira e Tagliaferro, o juiz auxiliar sugere uma estratégia para evitar que o uso do TSE como braço investigativo não ficasse “descarado”. Uma das alternativas utilizadas foi a de registrar que a autoria do pedido dos relatórios ficassem com o timbre do TSE, assinado pelo juiz auxiliar Marco Antônio Vargas, e não com a assinatura do STF.

Tagliaferro enviou ao juiz auxiliar um relatório sobre um grupo chamado “Brasil Conservador” com o timbre do STF. Em áudio, Airton convenceu o perito de conceder a autoria ao TSE e disse que pensou em colocar o nome dele na autoria do relatório, mas desistiu da ideia porque ficaria “estranho”.

“Em um primeiro momento pensei em colocar o meu nome, de ordem do juiz Airton Vieira, etc e etc. Mas, pensando melhor, fica estranho. Porque eu não tenho como mandar para você, que é lotado no TSE, um ofício ou pedir alguma coisa e você me atender sem mais nem menos”, afirma o juiz no áudio revelado pela Folha.

O juiz auxiliar Airton Vieira, braço-direito do ministro do STF Alexandre de Moraes Foto: @observatorio3setor via YouTube

Braço direito de Moraes pediu relatórios contra Rodrigo Constantino e Paulo Figueiredo Filho

Em uma das mensagens reveladas pelo jornal, Airton Vieira envia “um pedido de Moraes para fazer relatórios a partir de publicações das redes” do blogueiro Paulo Figueiredo Filho e o comentarista político Rodrigo Constantino. Os dois são conhecidos por apoiarem o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Na troca de mensagens, Tagliaferro envia para Vieira uma primeira versão de relatório. O juiz instrutor responde o perito com outras publicações e explica que o pedido de incrementação partiu do próprio ministro do STF.

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“Quem mandou isso aí, exatamente agora, foi o ministro e mandou dizendo: ‘vocês querem que eu faça o laudo?’ Ele tá assim, ele cismou com isso aí. Como ele está esses dias sem sessão, ele está com tempo para ficar procurando”, afirma Vieira em um áudio.

Segundo a Folha, um servidor do TSE respondeu Vieira declarando que o conteúdo do primeiro relatório já era suficiente, mas que as alterações solicitadas por Moraes seriam feitas.

“Concordo com você, Eduardo. Se for ficar procurando (publicações), vai encontrar, evidente. Mas como você disse, o que já tem é suficiente. Mas não adianta, ele (Alexandre de Moraes) cismou. Quando ele cisma, é uma tragédia”, diz a mensagem revelada pelo jornal.

‘Capricha no relatório por favor’, pede auxiliar de Moraes após ordem do ministro

Em outra interação, Vieira encaminha uma captura de tela de uma conversa do ministro pedindo para que Tagliaferro analisasse uma publicação de Constantino. Na mensagem, Moraes diz: “Peça para o Eduardo analisar as mensagens desse (Constantino) para vermos se dá para bloquear e prever multa”.

Em resposta, Tagliaferro fala “já recebi” e “está para derrubada”. A Folha aponta ainda que Vieira falou para o perito do TSE “caprichar” no relatório que seria usado contra o comentarista político. “Eduardo, bloqueio e multa pelo STF. Capriche no relatório, por favor. Rsrsrs. Aí, com ofício, via e-mail. Obrigado”, diz a mensagem revelada pela Folha.

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Moraes também pediu relatórios contra Eduardo Bolsonaro e outros deputados bolsonaristas

Airton Vieira também pediu a Tagliaferro documentos que serviriam para embasar decisões contra deputados bolsonaristas da Câmara dos Deputados. Além de Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que é o filho “03″ do ex-presidente Jair Bolsonaro, foram citados pelo juiz instrutor os nomes de Bia Kicis (PL-DF), Carla Zambelli (PL-SP), Daniel Silveira (PTB-RJ), Filipe Barros (PL-PR), Junio Amaral (PL-MG), Major Vitor Hugo (PL-GO), Marco Feliciano (PL-SP) e Otoni de Paula (MDB)

“Boa noite, Eduardo! Tudo bem?! O Ministro pediu para verificar, o mais rápido possível, as redes sociais dos Deputados bolsonaristas (os nomes envio abaixo), ver se estão ofendendo Ministros do STF, TSE, divulgando ‘fake news’, etc., para fins de multa. Ele tem bastante pressa. Obrigado”, diz o juiz instrutor em uma das mensagens reveladas pela Folha.

Tagliaferro responde Vieira com um “pode deixar”. No dia seguinte, Vieira encaminha uma nova mensagem reforçando o pedido feito por Moraes e lista os nomes dos deputados que deveriam ser incluídos no relatório.

“Bom dia! Tudo bem?! 1- deputados bolsonaristas: preciso com as datas das postagens e em forma de relatório. 2- por favor, a pedido também do Ministro: identificar o iluminado do vídeo abaixo, por favor. Obrigado”, solicitou Airton.

Três dias depois, Tagliaferro encaminha para o juiz instrutor um relatório de 66 páginas com capturas de tela e informações sobre publicações dos deputados nas redes sociais, que poderiam ser utilizados por Moraes para aplicar alguma medida cautelar. Os parlamentares que não foram incluídos no documento foi Marcos Feliciano, Otoni de Paula, Filipe Barros e Eduardo Bolsonaro.

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O perito Eduardo Tagliaferro ao lado do ministro Alexandre de Moraes. Foto: @edutagliaferro via Instagram

Oposição ao governo Lula inicia campanha por impeachment do ministro e abertura de CPI

Após a repercussão das mensagens, a oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Congresso Nacional anunciou nesta quarta-feira, 14, o início de uma campanha pelo impeachment contra Moraes. O bloco também quer a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar os fatos revelados pelo jornal.

O Senado Federal pode exonerar um ministro do Supremo se 54 dos 81 senadores entenderem que o magistrado cometeu crimes de responsabilidade como:

  • Mudar o voto já proferido sem pedido das partes do processo;
  • Julgar processos em que seja suspeito;
  • Exercer atividade político-partidária;
  • Agir com desídia (negligência) nos deveres do cargo;
  • Agir de forma incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções

Apesar de a legislação brasileira prever o impeachment de um ministro do Supremo, nunca na história do País um membro da Suprema Corte perdeu a cadeira devido a um processo de cassação.

Nas redes sociais, políticos de direita e esquerda se dividiram. Enquanto governistas dizem não haver nenhum problema jurídico ou ético na atuação do magistrado, opositores do governo Lula fizeram coro para a necessidade da abertura de um processo de impeachment.

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Ministros do STF avaliam que acusações devem recrudescer ataques à Corte

Ministros do STF ouvidos pelo Estadão acreditam que as acusações contra Moraes vão recrudescer os ataques à Corte. Os magistrados também mostraram preocupação com os desdobramentos do caso.

Em público, os ministros se uniram para defender Moraes. Nos bastidores, mais da metade dos magistrados acreditam que ele deveria encerrar logo os inquéritos das fake news e das milícias digitais.

A Folha diz ter obtido o material com fontes que tiveram acesso a um aparelho telefônico que contém as mensagens. São mais de seis gigabytes de mensagens via WhatsApp trocados por funcionários do gabinete de Moraes entre agosto de 2022 e maio de 2023.

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