O que se sabe sobre envolvimento do PCC e Comando Vermelho com o poder público?

Investigações miram elo ‘financeiro’ do PCC e do CV dentro da PGR e planejamento de atentados pelo PCC contra o presidente da Câmara, Arthur Lira, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e o senador e ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro

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Foto do author Juliano  Galisi
Atualização:

A Polícia Federal (PF) investiga um suposto elo de facções criminosas dentro da Procuradoria-Geral da República (PGR). Um servidor do órgão é suspeito de ser receptador de pagamentos de armas e drogas tanto para o Comando Vermelho (CV) quanto para o Primeiro Comando da Capital (PCC). A suspeita, no entanto, não é primeira quanto ao envolvimento do crime organizado com o poder público. As principais facções criminosas do País já se envolveram em escândalos com órgãos públicos, partidos e integrantes do governo.

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Em novembro, o Estadão expôs o bom trânsito da mulher de um líder do CV em Brasília: além de se encontrar com quatro representantes do Ministério da Justiça e Segurança Pública, chefiado por Flávio Dino, Luciane Barbosa Freitas esteve em eventos do Ministério dos Direitos Humanos e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O PCC, em retaliação ao pacote anticrime do governo Bolsonaro, planejou matar representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário – incluindo o senador Sérgio Moro (União-PR) e o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB).

Servidor da PGR investigado por envolvimento com PCC e CV

Na terça-feira passada, 5, a PF deflagrou uma nova fase da Operação Dakovo, que investiga uma quadrilha suspeita de traficar armas para facções criminosas como o Comando Vermelho e o PCC. Entre os alvos estava o analista processual Wagner Vinicius de Oliveira Miranda, servidor da Procuradoria-Geral da República. Ele é suspeito de permitir que sua conta bancária fosse utilizada para a receptação de pagamentos de armas e drogas oriundos da fronteira com o Paraguai.

Operação Dakovo tem entre seus alvos servidor que era lotado na PGR e é suspeito de envolvimento com núcleo de 'laranjas' no tráfico Foto: Polícia Federal

Como servidor lotado na cúpula do Ministério Público Federal (MPF), Wagner tinha acesso aos sistemas e dados internos da PGR. Em razão disso, a Justiça Federal da Bahia solicitou à PF seu afastamento cautelar do órgão público, válido por 30 dias.

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Em nota, a PGR disse que a investigação está em andamento, sob sigilo, e que desde o início “foram adotadas todas as providências cabíveis tanto na esfera criminal quanto na administrativa”. O Estadão tenta contato com o servidor.

Integrante do Comando Vermelho teve reuniões no Ministério da Justiça

O Estadão revelou que Luciane Barbosa Farias, mulher de um líder do Comando Vermelho, se encontrou em duas ocasiões com secretários do Ministério da Justiça. A “dama do tráfico amazonense”, como é conhecida, se reuniu em Brasília com quatro autoridades da pasta encabeçada por Flávio Dino: Elias Vaz, secretário Nacional de Assuntos Legislativos; Rafael Velasco Brandani, da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen); Paula Cristina da Silva Godoy, ouvidora Nacional de Serviços Penais (Onasp); e Sandro Abel Sousa Barradas, diretor de Inteligência Penitenciária da Senappen.

Luciane Barbosa Faria e o secretário nacional de políticas penais do Ministério da Justiça, Rafael Velasco Brandani Foto: @associacaoliberdadedoam via Instagram

O nome de Luciane, condenada a 10 anos de prisão por lavagem de dinheiro, organização criminosa e associação com o tráfico, não constou nas agendas oficiais do ministério. Ela é casada há 11 anos com Clemilson dos Santos Farias, conhecido como Tio Patinhas.

Segundo denúncia do procurador Mário Ypiranga Monteiro Neto, de agosto de 2018, Clemilson Farias é líder do Comando Vermelho no Amazonas e ostenta “fama de indivíduo de altíssima periculosidade, com desprezo à vida alheia”. O procurador aponta Luciane como “braço financeiro” do marido, sendo responsável pela lavagem de dinheiro da organização criminosa.

Imagem mostra Clemilson posando com uma metralhadora capaz de derrubar aviões; outra fotografia traz recado após assassinato em Manaus: 'Devia Tio Patinhas' Foto: Reprodução

O Instituto Liberdade do Amazonas, ONG pela qual Luciane se apresentou ao Ministério da Justiça, é investigado pela Polícia Civil do Amazonas como fachada para que o Comando Vermelho “obtenha capital político em negociações com o Estado”. As ações sociais desse instituto, inclusive, seriam sustentadas com recursos oriundos da facção criminosa.

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Luciane não esteve apenas no Ministério da Justiça. O Ministério dos Direitos Humanos chegou a pagar, com recursos públicos, passagens e diárias para ela participar de um evento organizado pela pasta. O Encontro de Comitês e Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura reuniu mais de 70 indicados por comitês locais e Luciane foi a representante do Amazonas.

Em Brasília, ela esteve também no Congresso Nacional, onde se encontrou nos corredores com parlamentares, e no Conselho Nacional de Justiça, que atua no combate ao crime organizado. No CNJ, foi recebida pelo conselheiro Luiz Phillippe Vieira de Mello Filho, que é também ministro do Tribunal Superior do Trabalho.

Luciane Barbosa, integrante do Comando Vermelho, em evento do Ministério dos Direitos Humanos em Brasília Foto: @luhfarias via Instagram

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Atentados do PCC contra o pacote anticrime

O Primeiro Comando da Capital planejou atentados contra o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o senador e ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro. Em relatório feito pelo Ministério Público de São Paulo e encaminhado à Polícia Federal (PF) em 23 de novembro de 2023, obtido pelo jornal Folha de S. Paulo e confirmado pelo Estadão, foi relevado que o PCC planejava as ações como forma de retaliação à Lei Federal 13.964/2019, denominada de pacote anticrime.

O pacote anticrime foi idealizado por Moro, então ministro da Justiça, e endurecia pontos do Código Penal e da Lei de Execução Penal. Duas mudanças feitas pela lei afetaram diretamente o PCC: além de aumentar o tempo de permanência de líderes de facções nos presídios – o prazo passou de 360 dias para três anos –, a lei acirrou as condições para que um preso obtivesse a liberdade condicional.

Uma ação prevendo a derrubada de alguns dispositivos do pacote anticrime chegou a tramitar no Supremo Tribunal Federal (STF), mas foi recusada pelo plenário da Corte. Isso motivou o PCC a planejar os atentados contra autoridades públicas. Para o plano que visava Lira, Pacheco e Moro, chegaram a ser investidos mais de R$ 44 mil, incluindo explosivos, transporte, celulares, estadia, IPTU e até eletrodomésticos.

Explosivos encontrados pelos investigadores em casa usada pelo PCC: material faria parte de plano de atentado a bomba contra Moro Foto: Polícia Federal

Os atentados da facção já vinham sendo investigados pela Operação Sequaz, da Polícia Federal. O foco da PF eram os chefes da Sintonia Restrita, ala do PCC que estava encarregada de resgatar o líder máximo da organização, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola. Com o fracasso do plano, os criminosos passaram a visar autoridades públicas, como o deputado federal Coronel Telhada, o promotor Lincoln Gakiya, especializado em investigar a facção, e o vice-presidente Geraldo Alckmin.

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Como desdobramento da Sequaz, também foi deflagrada pela PF a Operação Irrestrita, que cumpriu 16 mandados de busca e apreensão e três ordens de prisão preventiva em São Paulo.