A autorização para construir um conjunto habitacional do programa Minha Casa Minha Vida aos pés do pico do Jaraguá, na zona norte de São Paulo, criou um impasse entre índios guarani e a construtora Tenda, responsável pelo empreendimento. Duas aldeias estão a menos de 500 metros do terreno, que abriga árvores ameaçadas de extinção e ao menos um local com possível importância arqueológica: ali passa o córrego das Lavras, em um trecho que no passado serviu como tanque de lavagem do ouro garimpado por Afonso Sardinha, bandeirante e sertanista que abriu as primeiras cavas de mineração do Brasil colonial, em 1580.
Os índios estão acampados no terreno da construtora desde o dia 30 de janeiro, quando teve início a limpeza da área, que derrubou 500 árvores. Desde então, o local se tornou ponto de encontro de ativistas, artistas, ambientalistas e alguns políticos. No sábado passado, eles organizaram uma programação de atividades e shows no local da ocupação, que está prestes a ser retirada do local pela polícia. A juíza Maria Claudia Bedotti, da 4.ª Vara Cível do Foro Regional da Lapa, marcou a reintegração de posse para esta terça-feira, 10.
“Não é uma reivindicação da terra. A reivindicação é que nenhuma árvore seja derrubada, que nenhum prédio seja levantado sem um estudo de impacto”, diz um dos líderes da ocupação, Thiago Henrique Karai Djekupe, de 26 anos. Os guarani veem no empreendimento “nada menos do que a extinção” dos costumes da aldeia.
A área em disputa tem 20 mil metros quadrados, onde a Tenda recebeu autorização para construir 11 torres com um total de 880 apartamentos.
Os índios pedem que o Ibama e a Fundação Nacional do Índio (Funai) deem seus pareceres sobre o empreendimento. A construtora e a Prefeitura dizem que, por não se tratar de terra indígena, a licença não precisaria ser aprovada pelos órgãos nacionais. Na Justiça Federal, a juíza Tatiana Pattaro Pereira decidiu que a construtora deve apresentar seu projeto para a área até o próximo sábado, e que os índios, o Ibama, a Funai e órgãos estaduais devem ser ouvidos.
Com a reintegração mantida, os guarani estão irredutíveis na decisão de ficar no terreno. “Não há compensação para o fim de uma cultura”, diz Thiago. No sábado, houve apresentações do cantor Arnaldo Antunes, do músico Curumin, e de um coral guarani. “Essa resistência não é só dos povos indígenas, é da humanidade toda”, disse Antunes, durante o show.
O vereador Gilberto Natalini (PV), autor de um projeto na Câmara Municipal para a criação de um parque no local, também compareceu. “A Prefeitura tem sido omissa nessa discussão toda, não compareceu nas audiências”, disse. “Se houver violência na ação de terça, se alguém ficar ferido, a Prefeitura tem culpa.”
Em nota, a Tenda disse que “possui todos os documentos necessários de legalização do empreendimento, nas três esferas do Executivo” e que vai recorrer da decisão da Justiça Federal. A empresa disse, ainda, que “respeita os questionamentos da comunidade indígena local e reitera que o projeto prevê preservação de 50% da área”.
A Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente disse que a área “não está sobre área indígena, não sendo necessária consulta a órgão de defesa de direitos indígenas”. A pasta também ressaltou que “o terreno deve ser destinado, exclusivamente, à construção de unidades habitacionais para famílias de baixa renda”, e que a construção foi aprovada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico Artístico e Turístico (Condephaat).
Histórico
O Plano Diretor aprovado em 2014, pela gestão Fernando Haddad (PT) na Prefeitura, alterou o zoneamento da área ao lado à terra indígena para Zona Especial de Interesse Social (Zeis), que é destinada à construção de moradia popular, e abriu a possibilidade para a construção no local. Até então, o terreno era classificada como área de proteção ambiental. No plano de manejo do Parque Estadual do Jaraguá, o local ainda integra a chamada zona de amortecimento, que serve de proteção contra ruídos, poluição e espécies invasoras.
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