Obras de Ricardo Nunes atrasam, colocam em risco vitrines para reeleição e viram alvo de adversários

Exigências do Tribunal de Contas do Município adiam, segundo Prefeitura, execução de parte do Plano de Metas; Boulos e Salles já politizam problemas da cidade de olho na disputa de 2024

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Atualização:

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), chega à metade do mandato com praticamente todas as vitrines planejadas por sua gestão atrasadas. Obras grandiosas, como corredores e terminais de ônibus, milhares de unidades habitacionais, novas escolas e piscinões, seguem no papel e correm o risco de não ficarem prontas a tempo de Nunes, que é candidato à reeleição, apresentá-las como trunfo eleitoral. E a demora em nada tem a ver com dificuldades financeiras. A capital segue com um caixa recorde, de quase R$ 35 bilhões.

A pandemia de covid-19 e as exigências feitas pelo Tribunal de Contas do Município para liberar editais bilionários estão entre as justificativas do governo Nunes para, em março de 2023, não ter iniciado projetos importantes para a cidade. São ao menos 13 editais paralisados por determinação do TCM em diversas áreas, como infraestrutura, educação e transportes.

Nunes visita obras de contenção de enchente na região do Ribeirão Perus, Zona Norte da capital Foto: Paulo Guereta/Prefeitura de São Paulo

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Os apontamentos do tribunal postergam, por exemplo, a execução de um pacote viário de R$ 4,6 bilhões até 2024. Nesse conjunto estão a construção do primeiro trecho do BRT Radial Leste e as obras complementares de prolongamento da Avenida Doutor Chucri Zaidan, na zona sul.

Mas, diante das chuvas intensas que têm provocado alagamento em diversos pontos da cidade, é a demora no início e na conclusão de obras de manutenção e prevenção que pode atrapalhar os planos eleitorais de Nunes. O Estadão levantou ao menos três licitações suspensas com impactos diretos na avaliação da população sobre o trabalho municipal: a construção de um piscinão para contenção do córrego Mooca, na zona leste; o recapeamento da malha viária de vias locais e a pavimentação de ruas de terra.

Apesar de a eleição ser daqui a um ano e meio, um dos principais adversários de Nunes em sua tentativa de reeleição, o deputado Guilherme Boulos (PSOL), já começa a explorar as demandas não atendidas do eleitorado paulistano. “Famílias perderam tudo com a enchente e não há amparo da Prefeitura”, postou o parlamentar semana passada. Até agora, três dos 14 piscinões prometidos por Nunes foram entregues.

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Em 2020, Boulos levou a eleição para o segundo turno, sendo derrotado por Bruno Covas (PSDB), morto em maio de 2021. No próximo ano, o agora deputado terá o apoio do PT e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A disputa deve contar ainda com um nome ligado ao bolsonarismo – o deputado federal Ricardo Salles (PL) é um dos cotados - e outro da centro-esquerda. Neste caso, a aposta é na candidatura da também deputada Tabata Amaral (PSB).

Assim como Boulos, o ex-ministro do Meio Ambiente tem usado os problemas expostos diante das chuvas para criticar a gestão Nunes e se colocar como opção eleitoral. O caixa alto registrado atualmente pelo Município também virou alvo de adversários. Segundo a própria Prefeitura, há R$ 34,9 bilhões nas contas, dos quais R$ 21,6 bilhões são de recursos do Tesouro e R$ 13,3 bilhões de recursos vinculados – relativos, por exemplo, a operações urbanas, fundos municipais e convênios com a União e o Estado.

Sem se lançar como candidata, Tabata tem falado mais sobre ações ou omissões da Prefeitura, e cobrado soluções das autoridades. Sua eventual entrada na corrida eleitoral atrapalharia tanto as estratégias de Boulos, que busca unificar a esquerda em torno de seu nome, como as de Nunes, que tenta se aproximar do eleitorado mais progressista da cidade com propostas como a tarifa zero no transporte municipal.

A população da capital, na eleição passada, deu a vitória para Lula, na disputa presidencial, e para Fernando Haddad, em sua tentativa frustrada de tornar-se governador. Ciente do desafio, Nunes tem cobrado secretários e intensificado reuniões com o objetivo de monitorar o andamento de projetos tidos como relevantes.

Monitoramento

No início do ano, o prefeito nomeou Fernando Chucre como secretário executivo de Planejamento e Entregas Prioritárias. O arquiteto que já comandou diversas outras pastas no governo municipal e nas gestões tucanas no Estado voltou à Prefeitura com a função de fazer andar cerca de 400 projetos espalhados por diversas áreas, além de cuidar pessoalmente do monitoramento do Plano de Metas. Até dezembro, 13 dos 77 objetivos anunciados em março de 2021 haviam sido realizados.

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De acordo com o secretario, um novo balanço das 77 metas será publicado em abril juntamente com o anúncio de mais dez metas a serem incluídas no conjunto de compromissos prioritários do governo. Chucre afirmou que, em dois meses de trabalho, já participou de mais de 60 reuniões com secretários a técnicos para avaliar cada meta e definir ações para executá-las.

“Estamos no período de revisão dessas metas, com diversas reuniões coordenadas pelo prefeito Ricardo Nunes, secretários e suas equipes. O objetivo é ajustar, corrigir e, em muitos casos, ampliar o conjunto de metas”, explicou Chucre. Segundo o secretário, na metade do mandato não é o resultado de metas cumpridas que avalia melhor a implantação das mesmas.

“É preciso avaliar o monitoramento realizado e os esforços da administração no cumprimento das diversas etapas necessárias ao cumprimento dos compromissos até 2024. Projetos e metas de menor complexidade já estão sendo entregues à população, outros estão em obras ou licitação. O ponto de maior atenção neste momento são os indicadores que sofreram impacto devido ao período da pandemia”, completa.

O cientista politico Bruno Silva, diretor de projetos do Movimento Voto Consciente, afirma que nem todo cidadão acompanha diuturnamente as ações da Prefeitura ou de qualquer político, mas que esse mesmo cidadão é bombardeado hoje com mais informações e isso, em alguma medida, o auxilia a se lembrar do que foi prometido e não foi cumprido. “Neste sentido, Nunes possui um duplo desafio: avançar com as promessas e construir uma marca própria”, disse.

Silva ainda destaca que somar um caixa vultoso ao término do mandato pode passar a impressão de dificuldade de gestão ou mesmo estratégia eleitoral. “Mas liberar recursos em ano eleitoral, sobretudo aqueles associados à zeladoria nos bairros que tanto criticam os cidadãos, pode não dar certo se não houver clareza dos investimentos a serem feitos ou se os prazos acabarem sendo muito apertados para a sua realização.”

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Plano de mobilidade

Ainda parcialmente suspenso pelo TCM, o plano de mobilidade é a grande aposta de Nunes para a reeleição. Pelas redes sociais, ele afirma que a cidade vai “virar um canteiro de obras de mobilidade para melhorar a qualidade de vida das pessoas e prestigiar quem usa o transporte público”. Em um vídeo divulgado nesta quinta, 16, o prefeito destaca obras como o corredor de ônibus de Itaquera, de 14 km de extensão, com previsão de atender 50 mil passageiros por dia.

O balanço mais atual do Plano de Metas da gestão, no entanto, expõe as dificuldades para tirar as prometidas melhorias no transporte do papel. Dos 40 km de corredores planejados, somente 4,1 foram entregues. Do mesmo modo, nenhum dos quatro novos terminais de ônibus foi entregue e a expansão da malha cicloviária anda a passos lentos: Nunes concluiu 36 km dos 300 km anunciados.

Enquanto não inicia as obras, o prefeito alimenta nos mais de 2 milhões de usuários do sistema de ônibus a esperança da tarifa zero. Bandeira dos políticos do PSOL, como Boulos, o tema foi aventado por Nunes ano passado, quando seu gabinete encomendou um estudo sobre a viabilidade financeira da medida. Ainda indefinida, a proposta atenderia aos milhares de autônomos da cidade que não têm direito ao vale-transporte.

Sobre as recorrentes suspensões de editais, a Prefeitura informou, por meio de nota, que “nas tratativas de grandes projetos a interlocução para o saneamento das dúvidas com o Tribunal de Contas do Município é normal”. Já o órgão informou as suspensões são resultado de infringências identificadas nos editais publicados.

Em relação ao BRT da zona leste, por exemplo, o tribunal explicou que a paralisação da concorrência se deu por questões relativas à operacionalização e monitoramento de desvios de tráfego noturno, a justificativas insuficientes para a equipe técnica adotada e necessidade de providências quanto ao licenciamento ambiental.

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