Considerado o “guru do bolsonarismo”, Olavo de Carvalho morreu nesta segunda-feira, 24, nos Estados Unidos aos 74 anos. A notícia foi divulgada em seu perfil oficial nas redes sociais e a causa da morte não foi revelada. Ele sofria de problemas cardíacos e, em 15 de janeiro, foi diagnosticado com covid-19. O governo federal emitiu nota oficial para lamentar a morte, e o presidente Jair Bolsonaro decretou luto de um dia, após afirmar que o Brasil perdeu um dos “maiores pensadores de sua história”.
Foi a segunda vez que Bolsonaro decretou luto oficial desde o início do governo. A primeira foi em junho passado, quando morreu o ex-vice-presidente Marco Maciel. Na ocasião, o luto durou três dias.
Cercado de ex-alunos do escritor, Bolsonaro abraçou parte de suas teorias para se eleger, em 2018, e desde então alimenta seguidores que, assim como Olavo, são adeptos do “politicamente incorreto”, da “luta contra o marxismo cultural” e da preocupação com o “ensino da ideologia de gênero” nas escolas. Ideias que, segundo analistas ouvidos pelo Estadão, se perpetuarão entre os representantes da chamada “nova direita”.
Nascido em Campinas, no interior paulista, Olavo morava nos Estados Unidos desde 2005. Segundo a publicação feita pela família, ele faleceu na região de Richmond, na Virgínia, onde estava hospitalizado. “O professor deixa a esposa, Roxane, oito filhos e 18 netos. A família agradece a todos os amigos as mensagens de solidariedade e pede orações pela alma do professor”, informou o texto.
A nota do governo federal afirmou que Olavo de Carvalho foi um “intransigente defensor da liberdade” e deixa como legado “um verdadeiro apostolado a respeito da vida intelectual”. Pelas redes sociais, Bolsonaro classificou o escritor como um “farol para milhões de brasileiros”. Em 2019, ele concedeu a Olavo o grau máximo da Ordem Nacional de Rio Branco, de Grã-Cruz, indicado para autoridades de alta hierarquia, como o vice-presidente Hamilton Mourão e ministros.
A carreira do autointitulado filósofo, apesar de nunca ter concluído graduação na área, começou longe da política. Na década de 1980, ele ministrava cursos de astrologia e oferecia serviços com base na análise de mapa astral. Ao longo da década seguinte, começou a desenvolver ensaios sobre literatura, filosofia e ciência política, publicando artigos em jornais e escrevendo prefácios de livros.
Em 1996, publicou o seu primeiro sucesso editorial, O Imbecil Coletivo: Atualidades Inculturais Brasileiras, em que desenvolve uma crítica ao meio intelectual brasileiro. Outra publicação popular foi O Mínimo que Você Precisa Saber para não Ser um Idiota, coletânea de artigos publicada em 2013.
Influência
Influente entre os filhos do presidente, especialmente a partir de 2015, quando intensificou sua presença na internet por meio de lives, Olavo chegou a indicar ministros no início do governo: Ricardo Vélez Rodríguez e Abraham Weintraub, os dois primeiros a comandar o Ministério da Educação, e Ernesto Araújo, que foi chanceler até março de 2021.
Mas o poder da chamada “ala ideológica” foi sendo reduzido ao longo da gestão. Olavo rompeu com Bolsonaro em meados de 2020, quando publicou um vídeo direcionando críticas e xingamentos ao governo. O escritor dizia estar decepcionado com o presidente por considerar ter sido usado por ele como uma espécie de “garoto propaganda”. Em dezembro, comentando a eleição deste ano, Olavo afirmou que a “briga já estava perdida”, mas que votaria em Bolsonaro por “falta de opção”.
Para o filósofo Pablo Ortellado, professor de Gestão de Políticas Públicas da EACH-USP, o alcance das ideias de Olavo ganhou força a partir das redes sociais e cursos online. “Os lugares tradicionais de formação política, que eram os sindicatos e o movimento estudantil, estavam ocupados pela esquerda. Olavo fez um trabalho de militante político. Fez um esforço de proselitismo popular, por meio de ações na internet, em sites e pelo Orkut, e depois com o curso online de filosofia, e foi formando pessoas que estavam fora desses ambientes. Ele é o pai espiritual dessa nova direita”, afirmou Ortellado. “Uma direita que é populista, antissistêmica, antiglobalista, antidireitos humanos, antifeminismo e antiLGBT.”
“Olavo de Carvalho teve uma atuação múltipla, em diferentes frentes, conseguindo se comunicar com o jovem secundarista e a pessoa comum que busca se informar sobre política e atualidades, até círculos muito mais especializados. As ideias dele têm uma presença no Judiciário, na administração pública, em determinados círculos militares”, disse a antropóloga Isabela Kalil, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Segundo ela, o escritor se diferencia da “direita tradicional e histórica” na cena política brasileira e está inserido na “nova direita” que se destaca na década de 2000-2010.
Para o cineasta Josias Teófilo, autor do documentário Jardim das Aflições, sobre Olavo, a influência do escritor tende a aumentar. “E eu acho que isso favorece muito Bolsonaro, porque a gente vê a quantidade de gente que está comemorando a morte do Olavo e essa coisa vai ter um efeito tremendo de união da direita.”
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