ESPECIAL PARA O ESTADÃO – A operação Sequaz, deflagrada pela Polícia Federal, se transformou em embate entre oposição e integrantes do governo Lula. O plano do PCC que tinha como alvo o senador Sérgio Moro (União Brasil-PR) e o promotor de Justiça Lincoln Gakiya resultou em uma disputa de narrativas.
Na véspera da operação, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, durante entrevista, que, enquanto esteve preso em Curitiba, pensava “só vou ficar bem quando foder com o Moro”. A proximidade entre a declaração e do petista e a operação da PF mobilizou o Planalto.
O ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Paulo Pimenta, convocou às pressas uma coletiva de imprensa e afirmou que as tentativas de associar o presidente às ações de grupos criminosos eram “perversas” e “fora de propósito”. Mais cedo, Flávio Dino, ministro da Justiça e da Segurança Pública, também veio a público refutar a vinculação do presidente com o caso. “É vil, leviano e descabido”, disse. “É mau-caratismo tentar politizar uma investigação séria.”. O ministro admitiu que desde janeiro autoridades tinham conhecimento do plano para contra Moro e vinham acompanhando os movimentos do grupo criminoso.
Moro usou a tribuna do Senado e apresentou um projeto de lei para criminalizar o planejamento de ataques e sequestros contra autoridades (mais informações nesta página). Ele recebeu a solidariedade de oposicionistas e governistas. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que qualquer tentativa de atentado contra os parlamentares é uma “agressão” ao Congresso. “É um atentado à instituição do Senado Federal”, afirmou.
Parte da oposição utilizou a fala de Moro para atacar Lula e o governo. O líder do bloco, senador Rogério Marinho (PL-RN), disse que o presidente revelou ter como motivação no cargo “se vingar de pessoas”. Já o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) acusou o governo de disseminar ódio e ser leniente com o crime organizado. “Política não se resolve com tiro e facada. O que a gente sente na prática é que nos acusam de termos um perfil, mas na verdade somos vítimas do ódio”, disse.
‘Impeachment’
Apesar dos esforços do governo, a associação entre Lula e o plano do PCC tomou as redes sociais. A hashtag “impeachment” atingiu a marca de 34,4 mil publicações no Twitter até a tarde de ontem. Alguns parlamentares, como os deputados Luiz Phelippe Bragança (PL-SP) e Carlos Jordy (PL-RJ), usaram a plataforma para pedir o impedimento do presidente.
Dos EUA, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) comparou o plano do PCC à execução de Celso Daniel, em 2002, e ao atentado de que foi vítima em 2018. “Tudo não pode ser só coincidência. O poder absoluto a qualquer preço sempre foi o objetivo da esquerda”, escreveu. Na campanha de 2022, Bolsonaro compartilhou publicações que vinculavam o PT ao PCC. O Estadão Verifica demonstrou que a publicação era falsa.
Na avaliação dos pesquisadores em segurança pública ouvidos pelo Estadão, a politização do episódio e o fortalecimento do combate ao crime organizado são caminhos que se opõem.
“O PCC nunca esteve tão forte no negócio da droga. A cocaína que não é apreendida e circula no Brasil - consumo interno e tráfico internacional - dá mais ou menos 67 bilhões de dólares por ano. Isso equivale a 4% do PIB do Brasil”, estima Renato Sérgio de Lima, doutor em Sociologia pela USP e diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “A segurança está sendo explorada, mais uma vez, em um momento de crise, sem que a gente pense na solução do problema”, pondera.
A transferência de Marcola, a quem Lima atribui um papel de “liderança simbólica” do PCC, para o sistema penitenciário federal não desarticulou a organização criminosa. Um exemplo citado por ele e pelo seu colega de Fórum, Rafael Alcadipani da Silveira, professor da FGV, é a situação de Natal, no Rio Grande do Norte. Entre os dias 13 e 18 de março, houve ao menos 200 ataques e 104 prisões, motivadas em disputas entre facções criminosas. “O crime organizado ameaça a democracia porque corrói as estruturas de Estado. Ele já controla algumas regiões inteiras. Nenhum dos lados (da polarização) tem feito ações efetivas. Essa troca de farpas é a politização de um assunto que deveria ser eminentemente técnico”, aponta Alcadipani.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.