BRASÍLIA - O relatório final do Orçamento de 2024, apresentado pelo deputado Luiz Carlos Motta (PL-SP) no Congresso, mostra onde os parlamentares querem colocar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e é apenas o começo de uma disputa endereçada para o próximo ano, período de eleições municipais e muito decisivo para os Três Poderes.
O valor das emendas parlamentares — R$ 53 bilhões — é recorde e não tem precedente no orçamento federal brasileiro. De boas intenções sobre como gastar o dinheiro, o Congresso está cheio. Na prática porém, entram no bolo as emendas Pix, pagas sem nenhum planejamento nem transparência, as emendas de bancada, divididas entre parlamentares sem compromisso com obras estruturantes, e as emendas de comissão, que serão as herdeiras da vez do orçamento secreto.
O governo alega não ter espaço para dar conta de atender todas as demandas do Centrão, mas na prática tem quitado a fatura em dia. Para o próximo ano, os parlamentares impuseram um calendário de pagamento de emendas, com liberação das mais atrativas no primeiro semestre, antes das eleições municipais. E não aceitam nenhum corte nesses recursos, mesmo com a necessidade de colocar as contas do governo em dia. A meta de zerar o déficit público, já abandonada pelo próprio presidente da República, tem data de validade e deverá ser revisada em março.
Para turbinar as emendas, o Congresso cortou verbas dos ministérios lulistas e do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), conforme o Estadão antecipou. Só do PAC, foram tirados R$ 17 bilhões. O Minha Casa, Minha Vida, por sua vez, perdeu R$ 4 bilhões. E não sem pegadinha. Uma alteração feita no projeto enviado pelo governo proíbe Lula de mexer e cancelar qualquer valor de emenda parlamentar, incluindo aquelas que não são impositivas e que ficarão sob a alçada dos ministérios. Ou seja, se quiser cancelar alguma coisa, terá de mexer nas despesas que não têm relação com congressistas.
Enquanto isso, a desigualdade no Brasil se mantém. O Orçamento de 2024 dará mais dinheiro para a Emenda Pix (R$ 8,1 bilhões) do que para o programa Farmácia Popular (R$ 5,8 bilhões). A compra de trator e asfalto (R$ 4 bilhões) terá uma verba quatro vezes maior do que o aprimoramento da segurança pública nacional (R$ 1 bilhão).
O orçamento revela a prioridade. O Brasil gastará mais com submarinos e caças militares (R$ 2,3 bilhões) do que com fiscalização ambiental (R$ 318 milhões) e ações de proteção em áreas de risco (R$ 801 milhões). O valor do fundo eleitoral (R$ 5 bilhões) é o mesmo do corte que o governo fez no Orçamento deste ano e que atingiu o Auxílio Gás, a educação básica e o custeio de hospitais.
Lula terá mais dinheiro e mais poder sobre o Orçamento em comparação ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas verá o Congresso capturar os investimentos e os ministérios controlados pelo Centrão ficarem com o “filé mignon” do Orçamento. O Ministério do Turismo, ocupado pelo deputado Celso Sabino (União-PA), entrou com R$ 271 milhões na proposta inicial do governo e saiu com R$ 2,3 bilhões no relatório final. O Ministério do Esporte, de André Fufuca (PP-MA), foi de R$ 608 milhões para R$ 2,6 bilhões. É mais do que o governo federal gasta com saneamento básico no País todo durante um ano.
Também teve recado para o Supremo Tribunal Federal (STF), a próxima trincheira que o Centrão quer avançar, depois de tirar os domínios do Executivo. O Orçamento vai bancar as passagens de avião de ministros do governo e parlamentares de Brasília em 2024, que não precisarão tirar dinheiro do bolso para irem e voltarem para casa. Em uma alteração feita de última hora na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), relatada pelo deputado Danilo Forte (União-CE), os ministros do Supremo ficaram de fora da benesse.
O Orçamento mostra que os parlamentares querem deixar Lula fazendo viagens e discursos enquanto o Legislativo controla o Orçamento e diz para onde vai o dinheiro público federal, mas sem o ônus de planejar e fiscalizar. O debate do semipresidencialismo está morno. Até porque, no parlamentarismo, se há algum descontrole no Orçamento ou desvio de dinheiro público, o primeiro-ministro cai. No formato brasileiro, porém, o Congresso fica com a parte boa, mas não responde pelo que acontece de ruim.
O ano de 2024 vai ser assim: Lula dependerá do Congresso para gastar um total de R$ 400 bilhões em despesas que não estão garantidas e que dependem de arrecadação, aprovação de propostas no Congresso e autorização expressa dos parlamentares. Por outro lado, os parlamentares vão querer influenciar na destinação do dinheiro todo e ainda pressionar pelo pagamento de emendas antes das eleições municipais.
Gradualmente, Lula abre mão de governar com o tamanho que pretendia e como experimentou nos dois primeiros mandatos, aceitando uma nova ordem em Brasília. Na quarta-feira, 20, disse que o Congresso “é a cara da sociedade brasileira”, um ano depois de dizer que o Legislativo era o “pior da história”. Ele estava ao lado dos presidentes da Câmara, Arthur (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), na promulgação da reforma tributária.
A entrega de ministérios e emendas não é mais suficiente para garantir uma base de apoio para o governo. A cada votação, uma nova negociação precisa ser feita e o Centrão nunca está satisfeito. Foi assim antes mesmo de o petista assumir, em 2022, com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, até dias atrás, na reforma tributária. E continuará assim em 2024, 2025 e 2026. O casamento de Lula com o Centrão tem papel passado, mas ninguém colocou aliança no dedo.
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