Orçamento secreto banca obra que favorece ministro

Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional, destina R$ 1,4 milhão para construção de mirante turístico vizinho a terreno onde lançará condomínio privado no RN

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Foto do author Felipe Frazão

BRASÍLIA - O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, direcionou R$ 1,4 milhão do orçamento secreto para a obra de um mirante turístico vizinho a um terreno onde construirá um condomínio privado no município de Monte das Gameleiras, no agreste do Rio Grande do Norte. A atração turística fica a cerca de 300 metros da propriedade do ministro.

Área onde está prevista a construção do mirante turístico na cidade de Monte das Gameleiras (RN). Foto: Daniel Weiner/Estadão

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O investimento bancado com dinheiro público tende a valorizar o mais novo negócio particular de Marinho, um condomínio de 100 casas num terreno de seis hectares em sociedade com Francisco Soares de Lima Júnior, seu assessor de confiança no ministério. O empreendimento foi batizado de Condomínio Clube do Vinho.

Numa audiência na Comissão de Trabalho, Administração e Serviços Públicos da Câmara, a 8 de junho, Marinho negou a autoria dos pedidos e repasse de verbas. O Estadão, entretanto, obteve por meio da Lei de Acesso à Informação duas planilhas de execução orçamentária do Ministério do Turismo, pasta chefiada por Gilson Machado, que confirmam que ele é o “autor” e o “agente político” da indicação dos recursos.

À época, o deputado Rogério Correia (PT-MG) indagou Marinho se ele tinha indicado os recursos para a construção de um mirante próximo a um terreno que possuía, informação que circulava nos bastidores da política no Rio Grande do Norte. O ministro negou, demonstrando irritação. “O senhor está falando uma informação que não é verdade. O senhor está mentindo em cima de uma ilação. Eu peço ao senhor respeito para não trazer para cá ilações”, disse na ocasião. “Não fui eu que solicitei, certo? Não fui eu que solicitei. Foi o deputado Beto Rosado (Progressistas-RN)”, afirmou o ministro.

O Estadão, contudo, obteve os documentos nos quais Rogério Marinho aparece como solicitante dos repasses. Informado disso, o ministro admitiu ao jornal que acionou o Ministério do Turismo, mas alegou que o fez a pedido do deputado Rosado. O nome do parlamentar, no entanto, não aparece no documento relacionado ao repasse da verba, apenas o de Marinho.

“Em um evento no dia 4 de dezembro de 2020, no Rio Grande do Norte, o deputado federal Beto Rosado perguntou ao ministro Rogério Marinho sobre a possibilidade de encaminhar pleito para a construção de um mirante na cidade por meio das ações orçamentárias do MDR”, destacou nota. “Após análise pela Assessoria Especial de Relações Institucionais (AESPRI) do MDR, constatou-se que o empreendimento se enquadraria em ação orçamentária de competência do Ministério do Turismo, tendo então o pleito sido encaminhado para a pasta, como é feito rotineiramente.”

A resposta enviada à reportagem não esclareceu por que o ministro negou na Câmara ter feito a solicitação, tampouco explicou sobre a relação de sociedade entre Marinho e Francisco Soares de Lima Júnior, um servidor comissionado que nomeou na pasta.

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O dinheiro foi reservado para custear a obra pelo ministro do Turismo na madrugada de 31 de dezembro de 2020, dez dias depois do pedido de Marinho. A fonte foi emenda-geral de relator do Orçamento, as chamadas RP9, base do orçamento secreto. O esquema revelado pelo Estadão foi montado pelo governo Bolsonaro para permitir a um grupo de políticos manejar bilhões do Orçamento sem que ninguém saiba de quem partiu a ordem. Segundo juristas, o mecanismo fere a Constituição.

Aos deputados, Marinho disse que possui o terreno em Monte das Gameleiras desde 2005. A propriedade apareceu pela primeira vez em suas declarações de bens entregues à Justiça Eleitoral em 2010. O terreno havia sido avaliado em R$ 200 mil em 2018, dado mais recente.

Rogério Marinho, ministro de Desenvolvimento Regional, durante evento em Minas Gerais. Foto: Marcos Correa/PR - 17/9/2021

Boa-fé

Procurado pelo Estadão, o deputado Beto Rosado referendou a versão de Marinho, seu aliado político. Em meio à pandemia do coronavírus, ele disse ter procurado dois ministros para colocar dinheiro na construção de um mirante. “Eu fiz solicitação ao Gilson Machado (do Turismo) e ao Rogério Marinho, porque, como ele é um conterrâneo meu, tem influência forte no governo, ajuda, mas saiu no Ministério do Turismo”, disse. “Não tem meu nome porque não é emenda individual minha, mas é uma indicação”, argumentou. 

A reportagem pediu ao deputado que forneça uma cópia do documento com que formalizou a indicação. “Com muita boa-fé eu vou procurar e envio”, disse Rosado. Até a conclusão desta edição, ele não enviou. 

A 150 quilômetros de Natal, o município de Monte das Gameleiras tem dois mil moradores. A renda média das famílias é de um salário mínimo. O clima pode chegar a 16 graus, com nevoeiro frequente, o que atrai turistas domésticos para dias de descanso. As formações rochosas são ponto de romaria e preservam pinturas rupestres.

O governo já reservou a quantia de R$ 1.441.714,00 para transferência à obra do mirante, mas a prefeitura ainda não pode receber o dinheiro por causa de inadimplências na Caixa. O contrato de repasse dos recursos vale até agosto de 2023. 

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Nome só veio à tona com pedidos via LAI e recursos

Ao utilizar o orçamento secreto para a obra em Gameleiras, o ministro Rogério Marinho optou por um caminho que não deixasse suas digitais. O Estadão só conseguiu identificar seu envolvimento após uma série de pedidos via Lei de Acesso à Informação e recursos. A reportagem questionou quem era o autor da indicação do convênio. O Ministério do Turismo informou que era o relator-geral do Orçamento, deputado Domingos Neto (PSD-CE), recusando-se a informar o nome por trás do pedido. 

O nome de Marinho, no entanto, apareceu depois, na reposta a um recurso em um outro pedido via LAI, desta vez sobre o quadro geral de execução de emendas. A existência dessa planilha mostra que o Turismo omitiu a informação. Também desmente Marinho, que tem alegado que quem manda nessas emendas é o Parlamento.

Empresa foi aberta após posse no ministério

Quatro meses após assumir o Ministério do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho abriu, em junho de 2020, a empresa Gameleira Vida Empreendimentos Imobiliários SPE, com sede numa casa no bairro Lagoa Nova, em Natal. Dos R$ 300 mil de capital social, 94% são dele, que registrou como sócios minoritários a irmã Valéria Marinho e o assessor Francisco Soares de Lima Júnior, que ele nomeara em abril para trabalhar no ministério.

É essa firma de Marinho que detém o empreendimento em Monte das Gameleiras, cidade que será beneficiada com a construção de um mirante financiado com verba do orçamento secreto a pedido do ministro.

O sócio e assessor de Marinho é, ao mesmo tempo, diretor do Departamento de Desenvolvimento Regional e Urbano e conselheiro da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). Ele recebe um total de R$ 17,2 mil mensais do governo federal, sendo R$ 13,6 mil pela função comissionada e outros R$ 3,5 mil em jetons.

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Francisco Soares é um nome pouco conhecido em Brasília, mas de longa carreira nos bastidores da política no Rio Grande do Norte. Ele trabalhou em uma série de cargos comissionados no Estado e em prefeituras.

Uma dessas passagens pelo poder público local deixou uma mácula no currículo. Foi no cargo de secretário de Turismo de Natal. Francisco Soares foi denunciado pelo Ministério Público por peculato. Conforme a denúncia, ele tomou para si, em 2010, um notebook da prefeitura e não devolveu ao deixar o cargo. Também foi processado por enriquecimento ilícito, numa outra ação. Num acordo judicial, aceitou pagar R$ 138 mil parcelados até 2028.

O assessor de Rogério Marinho também integra desde 2013 o quadro societário de uma outra empresa com capital social milionário, a Ultraclassic do Brasil Administração e Assessoria Comercial. São R$ 14 milhões, conforme dados da Receita. A companhia tem dinheiro de investidores franceses, por meio de uma offshore em Aruba.

Procurado, o assessor não respondeu até a conclusão desta edição.