Orçamento secreto foi usado para turbinar esquema de ‘escolas fake’

Mecanismo que direciona recursos públicos com base em critérios políticos é insuficiente para 2 mil obras do FNDE

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Foto do author André Shalders
Foto do author Julia Affonso

BRASÍLIA — O esquema das “escolas fake”, no Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE), presidido por um indicado do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (Progressistas-PI), se alimenta de emendas do orçamento secreto, o que inviabiliza que as mais de 2 mil novas obras prometidas pelo governo saiam do papel. O mecanismo de direcionamento de recursos públicos com base em critérios políticos e sem transparência, revelado pelo Estadão, não garante a continuidade de repasses. 

Não há dinheiro no caixa do FNDE para tocar 2 mil escolas, creches e quadras que o governo consentiu construir em redutos de aliados em detrimento da conclusão de 3,5 mil obras inacabadas pelo País. 

Quadra escolar no município de Altos, no Piauí; governo tem priorizado construir novas unidades em vez de concluir obras inacabadas. Foto: SIMEC/MEC

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Ao todo, o governo precisa aplicar R$ 7,6 bilhões para dar conta das antigas e futuras construções. O esquema serve apenas para propaganda eleitoral. Com aval do governo, deputados e senadores iludem seus eleitores com anúncio de novas escolas e creches que, na prática, nunca sairão do papel por razões orçamentárias. 

Em audiência na Comissão de Educação do Senado na quinta-feira passada, o presidente do FNDE, Marcelo Ponte, apadrinhado de Ciro, disse que o órgão dispõe de apenas R$ 114 milhões para obras paradas. A reportagem apurou que o valor poderá chegar neste ano a R$ 367 milhões com as verbas do orçamento secreto. 

Além do montante disponível não ser suficiente para bancar todas as obras prometidas, essas emendas são manipuladas pelo governo, em nome de acordos que podem ser desfeitos, e dependem da chancela da cúpula do Congresso. Deputados da oposição, por exemplo, praticamente não têm acesso ao orçamento secreto. 

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Há ainda o risco de o Supremo Tribunal Federal (STF) declarar inconstitucional e anular essas emendas que, como mostrou o Estadão, ferem normas orçamentárias por falta de critério e transparência. 

Desde que assumiu a Casa Civil, Ciro passou a ter o controle da parcela do orçamento secreto destinada ao Senado, estimada em R$ 5,5 bilhões para 2022. Por sua vez, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), define o destino da parte reservada aos deputados, um montante na ordem de R$ 11 bilhões. 

Com um apadrinhado de Ciro no FNDE, as duas lideranças do Progressistas têm usado dinheiro da educação para compor palanques regionais. Ciro tem recorrido ainda ao “Banco da Educação”, como o FNDE é chamado, para aumentar a bancada do Progressistas no Congresso. Um exemplo disso é o deputado Vicentinho Junior (TO), que deixou o PL e ingressou em março no partido do ministro. 

A filiação ocorreu após ele conseguir compromisso de repasse de R$ 209 milhões no FNDE. O parlamentar anunciou nas redes sociais e na imprensa a obtenção dos recursos. Na prática, porém, os empenhos (reserva orçamentária) para suas obras foram de apenas R$ 5,4 milhões, isto é 2,6% do total divulgado. Com essa cifra, não é possível construir uma única escola.

Procurados, o FNDE e o ministro não se manifestaram. 

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O Estadão mostrou que a distribuição dos recursos do orçamento secreto não é transparente. O mesmo ocorre no FNDE, que não apresenta em seu site informações sobre as 2 mil obras escolares contratadas em 2021. As informações estão restritas a integrantes do Executivo e do Legislativo.

A prática de atrelar o orçamento secreto ao andamento de obras pode ampliar a quantidade de construções inacabadas. “O uso do orçamento secreto torna ainda pior a desastrosa política de infraestrutura escolar ao permitir que novas obras sejam pactuadas num contexto em que não há recursos suficientes para obras já iniciadas”, afirma Juliana Sakai, diretora de Operações da Transparência Brasil.