Orçamento secreto: Parlamentares ignoram determinação do STF por transparência a emendas

Nomes dos deputados e senadores que apadrinharam repasses de R$ 4,3 bilhões em dezembro ficaram ocultos em 48% deste total; Progressistas foi o partido mais beneficiado

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Foto do author André Shalders

BRASÍLIA — A menos de um ano das eleições, deputados e senadores continuam a desrespeitar as determinações do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre os critérios de transparência que devem ser adotados no repasse de verbas públicas e promovem nova farra bilionária com recursos do orçamento secreto. Entre 13 e 31 de dezembro, o relator-geral do Orçamento, senador Márcio Bittar (PSL-AC), registrou no site do Congresso indicações no valor de R$ 4,3 bilhões, mas os nomes dos congressistas que apadrinharam os pedidos foram ocultados em 48% dos repasses.

No fim do ano passado, o Congresso aprovou o Orçamento da União para 2022, que prevê R$ 16,5 bilhões de emendas de relator, o chamado orçamento secreto, para deputados e senadores. Na tentativa de evitar que os responsáveis pelas transferências aparecessem, Bittar relacionou prefeitos, vereadores, representantes de entidades sem fins lucrativos e até pessoas que não têm cargo público como autores de quase metade das indicações. No papel, eles são autores de pedidos que somam pouco mais de R$ 2 bilhões, aprovados pelo relator-geral. Os políticos que endossaram os repasses, no entanto, tiveram os nomes preservados.

'É indício de grave irregularidade o descumprimento de determinação do Supremo', diza professora Elida Graziani Pinto, da FGV em São Paulo. Foto: Dida Sampaio/Estadão

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Um dos solicitantes é o advogado Gustavo Ferreira, candidato derrotado a vereador, no interior de Minas Gerais, que disse ter tentado arranjar recursos para seu município, Antônio Carlos. Questionado pelo Estadão, Ferreira – que disputou a eleição de 2020 pelo Patriota – disse ter enviado um e-mail para o Senado e falado com alguns parlamentares, mas não respondeu quais.

Também em Minas, um morador de Papagaios pediu recursos para a saúde do município. Ricardo Correia da Silva é empresário e nunca concorreu a qualquer eleição. Um outro cidadão que se apresenta como presidente do diretório municipal do Podemos de Jequitinhonha (MG) levou R$ 300 mil. Além deles, a presidente da Associação Brasileira dos Criadores do Cavalo de Passeio e Esporte, Vera Lúcia Baccin, pediu R$ 1 milhão. A associação está sediada na Bahia.

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A análise do Estadão foi feita em um conjunto de 3.350 documentos, disponíveis no site do Congresso, com cerca de 6 mil indicações de repasses. Como o material entrou na rede de maneira desordenada, foi preciso juntar 34 planilhas despadronizadas e buscar manualmente os nomes dos solicitantes presentes, em ofícios que somam 3.282 páginas, para inseri-los um a um. 

O saldo mostra que o principal beneficiado, com R$ 616 milhões, foi o Progressistas, partido do Centrão que abriga o presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), e o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. Em seguida, o PSL, sigla do relator-geral do Orçamento, Márcio Bittar, teve R$ 555 milhões. O terceiro lugar ficou com o PSD, legenda do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG), com R$ 438 milhões. 

O Estado mais favorecido foi justamente o que elegeu Pacheco: Minas Gerais, com R$ 553 milhões. O nome do senador, porém, não consta nos documentos, apesar da influência exercida por ele sobre os recursos como presidente da Casa. Já as indicações de prefeitos, vereadores, secretários municipais e estaduais, além de representantes da sociedade civil, em Minas, chegaram a R$ 250 milhões, sem qualquer padrinho informado. Arthur Lira, por exemplo, só apareceu em um pedido, de R$ 950 mil, para um município alagoano.

Durante a crise instalada no Congresso com a decisão do Supremo de barrar a execução do orçamento secreto, em novembro passado, Pacheco foi a público defender a boa-fé do Legislativo em dar mais transparência ao processo. “A má-fé não pode ser presumida”, afirmou o presidente do Senado ao protagonizar a ofensiva, que tinha como meta o recuo da ministra Rosa Weber, responsável pela liminar.

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Outros figurões que não aparecem nos documentos são o ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (DEM-AP) e o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO). Mesmo assim, os Estados de Alcolumbre e Gomes foram bem contemplados por meio de pedidos feitos por prefeitos e representantes da sociedade civil.

Mais um fato que demonstra a falta de transparência é que os pedidos de repasse tornados públicos por Márcio Bittar, na soma de R$ 4,3 bilhões, ficam bastante aquém dos R$ 6,6 bilhões de emendas de relator-geral, empenhados no mesmo período, entre 13 e 31 de dezembro. Isso quer dizer que ou o relator-geral não divulgou todos os pedidos que recebeu ou a verba foi direcionada pelo Executivo da forma como bem quis, contrariando o discurso do presidente Jair Bolsonaro e de seus ministros, segundo o qual quem manda nesses recursos é o Congresso.

 O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) escolheu até a empresa que deveria fornecer um ônibus. Estipulou também o valor de R$ 362.200 para cada uma das três unidades que indicou para o município de Itaguaí, no Rio: um modelo ORE 1 (4x4), de 29 lugares. “Eu realmente pedi os ônibus, mas não conheço a empresa e não tenho contato algum. O FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) foi quem mandou a informação para colocar o nome da empresa no ofício e a minha chefe de gabinete copiou e colou. Lamento terem colocado”, disse Sóstenes ao Estadão.

 O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) escolheu até a empresa que deveria fornecer um ônibus. Estipulou também o valor de R$ 362.200 para cada uma das três unidades que indicou para o município de Itaguaí, no Rio: um modelo ORE 1 (4x4), de 29 lugares. “Eu realmente pedi os ônibus, mas não conheço a empresa e não tenho contato algum. O FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) foi quem mandou a informação para colocar o nome da empresa no ofício e a minha chefe de gabinete copiou e colou. Lamento terem colocado”, disse Sóstenes ao Estadão.

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O prefeito de Vitória do Jari (AP), Ary Duarte da Costa, do mesmo partido do senador Alcolumbre, pediu e obteve o empenho de R$ 3,8 milhões para construir um estádio de futebol. Argumentou em poucas linhas a sua necessidade: “Possuímos em nosso município um Estádio Municipal que já foi palco de vários campeonatos e torneios de futebol, mas infelizmente com o passar dos anos foi sendo destruído pela ação do tempo e por depredação, ainda assim é utilizado para algumas práticas esportivas”.

São poucos os casos nos quais aqueles que não são parlamentares informam os padrinhos por trás das indicações. Ao pedir ao relator-geral R$ 1,7 milhão para ações em São Miguel dos Campos (AL), a secretária municipal de Saúde, Adeline de Carvalho Silva, escreveu: “Estamos solicitando à Vossa Excelência, através do gabinete do deputado Severino Pessoa.”

Enquanto isso, falta dinheiro para que órgãos federais planejem ações. Robson Pereira da Silva, superintendente regional do Incra no Distrito Federal e Entorno, pediu recursos da ordem de R$ 205 mil para ações relacionadas a regularização fundiária. Já Mauro Rodrigues Bastos, superintendente da Funasa no Pará, solicitou R$ 1 milhão para instalação de três micro sistemas de abastecimento de água. “O pleito acima justifica-se para que seja levado o abastecimento de água a diversas comunidades ribeirinhas e bairros aonde não chega água potável e nem saneamento”, sustentou.

Para a professora Elida Graziani Pinto, da FGV em São Paulo, os dados causam preocupação. “É indício de grave irregularidade o descumprimento de determinação do STF e de regulamentação do próprio Congresso sobre a necessidade da mais ampla transparência para as emendas de relator”, disse ela. “Tal opacidade recalcitrante, às vésperas das eleições, demonstra a captura do orçamento público para atender tão somente ao curto prazo os que almejam se reeleger a qualquer custo, ainda que implodindo o ordenamento jurídico brasileiro”, completou.

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Indicações por cargo

R$ 1,9 bi Deputado federal

R$ 1,53 bi Prefeito

R$ 362,2 mi Senador 

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R$ 264,7 mi Secretário estadual

R$ 91,9 mi Representante da sociedade civil

R$ 55 mi  Governador 

R$ 40,7 mi  Responsável por indicação não identificado

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R$ 36,9 mi Secretário municipal

R$ 27 mi Ministro de Estado

R$ 16,4 mi Vereador

R$ 15,7 mi Prefeito em exercício

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R$ 1,9 mi Vice-prefeito

R$ 1,2 mi Superintendente em órgão federal

R$ 1,2 mi Gestor de Fundo Municipal de Saúde

R$ 650 mil Sem cargo público

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