BRASÍLIA - Em disputa permanente com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por poder, cargos e emendas, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), conta com um grupo de aliados fiéis dentro do PT. Os petistas do Centrão, como são conhecidos nos bastidores da Casa, moldam a defesa do governo aos movimentos de Lira. Eles atuam nas votações e negociações sempre em sintonia com os demais integrantes do PP, do Republicanos e do União Brasil, entre outros que formam o bloco de partidos da política do “toma lá, dá cá”.
Desde que assumiu o comando da Câmara, em 2021, Lira buscou aliados no PT para consolidar sua liderança. O grupo de petistas aliados de primeira hora incluiu deputados que receberam recursos do orçamento secreto, esquema criado pelo governo de Jair Bolsonaro e criticado por Lula durante a campanha eleitoral. A relação se estreitou quando líderes do PT trabalharam para o Palácio do Planalto apoiar a reeleição de Lira no comando da Câmara, em fevereiro deste ano.
A lista dos chamados petistas do Centrão inclui José Guimarães (CE), Washington Quaquá (RJ), Zé Neto (BA), Reginaldo Lopes (PT) e Zeca Dirceu. Todos rejeitam o apelido e dizem que trabalham pela governabilidade de Lula. “Ninguém nunca me chamou assim”, disse Zeca Dirceu. Na última quarta-feira, 21, Lira foi convidado especial da festa de aniversário de Zeca. O pai do deputado e ex-ministro, José Dirceu, fez questão de posar ao lado do filho e do presidente da Câmara.
Na disputa entre Lira e Lula, os petistas do Centrão defendem maior controle do Congresso sobre o Orçamento da União, na contramão do que o presidente defende, que é justamente dar poder para o governo e os ministros definirem quais obras e projetos vão receber recursos. Como deputados federais, os aliados de Lira no bloco avaliam que eles próprios conseguem apadrinhar mais recursos se o poder estiver na Câmara, e não na dependência dos ministérios do governo.
Demanda
A principal demanda hoje de Lira em troca de votos para o governo é a entrega do Ministério da Saúde, hoje comandado pela cientista Nísia Trindade. Ele quer colocar no cargo o deputado licenciado Doutor Luizinho (PP-RJ), atualmente secretário estadual de Saúde no Rio.
O plano de Lira conta com o apoio de Zeca Dirceu, líder do PT na Câmara, e de José Guimarães, o líder do governo. A demanda, porém, não é considerada fácil nos bastidores e só deve ser tratada por Lula no segundo semestre deste ano. A ministra Nísia, sem filiação partidária, tem a proteção do ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha.
Padilha acumula desavenças com o Centrão e tem herdado parte da culpa pela demora no pagamento de emendas e nomeação de cargos solicitados pelo bloco. Trocar Nísia por Luizinho seria um golpe duplo de Lira, com a ajuda de seus amigos petistas: derrotaria Padilha e abocanharia um caixa de R$ 189 bilhões, dizem deputados. “Tudo está andando, tudo está andando”, disse José Guimarães ao Estadão quando perguntado sobre a pressão de Lira pela pasta da Saúde, sem comentar o apelido de petista do Centrão.
Tudo está andando, tudo está andando
José Guimarães (PT-CE), sobre pressão de Lira para comandar Ministério da Saúde
Sob medida
Em maio deste ano, o presidente Lula viu seu primeiro projeto ser aprovado na Câmara, o arcabouço fiscal. A votação foi liderada pessoalmente por Lira, que contou os votos até a aprovação. E não foi só para ajudar o governo. O texto foi encomendado sob medida pelo presidente da Câmara, que comandou até mesmo a redação do relatório da proposta, apresentado pelo deputado Claudio Cajado (PP-BA).
O projeto reduziu a margem para Lula gastar, deixando as contas públicas a serviço das emendas parlamentares, que vão ocupar espaço recorde mesmo após o fim do orçamento secreto. Após a aprovação, Lira fez questão de agradecer os líderes petistas pelo empenho pela aprovação do projeto, que desagradou a ala mais à esquerda do PT, incluindo a presidente nacional da legenda, Gleisi Hoffmann, e o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ).
José Guimarães foi um dos petistas do Centrão que articulou a aprovação do arcabouço fiscal conforme os interesses do presidente da Câmara. Ele também apoiou a aprovação da primeira medida provisória assinada por Lula com esvaziamento dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. Na mesma semana, foi acusado nos bastidores de não ter feito nenhum empenho para barrar a aprovação do marco temporal, que limita a demarcação de terras indígenas, projeto de interesse direto de Lira e da bancada ruralista.
No dia da votação do arcabouço fiscal na Câmara, o governo Lula liberou mais de R$ 1 bilhão em emendas parlamentares para pagamento. O Estadão flagrou deputados exigindo cargos e emendas em troca do apoio à pauta do Executivo. Depois da votação, à meia-noite de uma terça-feira, outro petista comemorava a articulação e dava o tom de como, de acordo com ele, deveria funcionar a relação do governo do Congresso se Lula quiser construir uma base de apoio.
“O caminho está dado. Agora mostramos que, se o governo quiser, ele consegue”, afirmou o deputado Washington Quaquá (PT-RJ), um dos integrantes da direção nacional do PT e da ala de petistas do Centrão. Quaquá nutre amizades com petistas e vários deputados do bloco. Ele é coordenador da bancada fluminense na Câmara, composta majoritariamente por opositores de Lula. Um dos maiores amigos no grupo é o deputado Eduardo Pazuello (PL-RJ), ex-ministro da Saúde de Bolsonaro, que rasga elogios para Quaquá nos corredores da Câmara.
O caminho está dado. Agora mostramos que, se o governo quiser, ele consegue
Washington Quaquá (PT-RJ), após votação do arcabouço fiscal na Câmara
Dos petistas que receberam orçamento secreto nos últimos anos, está o deputado Reginaldo Lopes, ex-líder do partido na Câmara, outro interlocutor de Lira na legenda de Lula. Lopes recebeu do presidente da Casa a missão de coordenar o grupo que elabora a reforma tributária. O petista já avisou que o texto vai corresponder aos interesses da Câmara, e não de Lula. “Não vai ser a reforma tributária que o governo quer, mas a que o Congresso vai votar”, disse Lopes, em março.
Outro que se aproximou de integrantes do Centrão foi o deputado Zé Neto (PT-BA). Ele passou a defender uma abertura maior de diálogo - leia-se cargos e emendas - para o grupo de Lira. Zé Neto é assíduo nas reuniões da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), composta majoritariamente por deputados do PL, União Brasil e PP e que promove almoços toda terça-feira em Brasília. Nesses encontros, Zé Neto costuma brincar que, por ser do PT, parece um infiltrado, mas ressalta que procura buscar consensos e abandonar a velha polarização, criticando colegas do PT que se mantém isolados. “A gente virou governo, mas parece que não desencarnou”, ironizou em uma das conversas.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.