Pablo Marçal: o que leva parte do eleitorado de São Paulo apostar no nome do PRTB para a Prefeitura?

Especialistas apontam que potenciais eleitores do influenciador acreditam que o candidato terá condições de conduzir políticas que permitirão uma transformação pessoal e financeira, aos moldes da narrativa criada pelo ex-coach sobre sua própria trajetória

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Foto do author Hugo Henud
Atualização:

“De fora da política, não é corrupto, vai criar oportunidades para ganharmos dinheiro, cumpre as promessas.” É assim que os entrevistados pela antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, desde 2020, descrevem o influenciador e agora candidato à Prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal (PRTB). Especialistas explicam que o ex-coach é visto por parte do eleitorado paulistano como uma figura genuinamente antissistema, capaz de romper com a política institucional e conduzir a população à transformação pessoal e financeira, o que explica, em grande medida, como ele conseguiu ampliar suas intenções de votos em um curto de período de tempo.

Com mais de 15 milhões de seguidores e inscritos nas redes sociais, Marçal aposta no conceito de self-made man, que descreve alguém que alcançou sucesso por conta própria, uma ideia potencializada pela narrativa da jornada do herói: saindo de uma infância pobre, ele conseguiu empreender, criou seu próprio negócio digital, enriqueceu e prosperou, conforme destaca a antropóloga e pesquisadora Isabela Kalil.

Pablo Marçal, candidato pelo PRTB, durante debate eleitoral Foto: Felipe Rau/Estadão

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A pesquisadora afirma que o eleitorado, especialmente das zonas periféricas, é fisgado pela maneira como Marçal conta sua própria história. “A mensagem de Marçal, que é mais fácil de vender para a classe média e baixa, em geral, é: ‘Eu já fui pobre, eu sei o que é isso e sei o caminho para fazer você enriquecer. Se for eleito, vou te ajudar a repetir esse processo’. O eleitor compra essa ideia”, explica.

Não é à toa que a última pesquisa Datafolha mostra Marçal com uma pontuação semelhante à de Guilherme Boulos (PSOL) nas zonas periféricas de São Paulo. Boulos, com sua trajetória em movimentos sociais e uma agenda de propostas voltada para o eleitorado de baixa renda, aposta nesse grupo para vencer as eleições. Ambos, contudo, pontuam com 18% das intenções de voto nesse segmento.

A população periférica paulista, que historicamente votava mais em partidos de esquerda, tem optado, nos últimos anos, por siglas de centro-direita. A perda de votos levou o PT, em 2017, a realizar uma pesquisa intitulada ‘Percepções e Valores Políticos nas Periferias de São Paulo’ para compreender as mudanças nesse segmento.

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O estudo identificou diversas características valorizadas por esse grupo que estão presentes na figura de Marçal: a ideologia do mérito, onde o sucesso individual está relacionado ao esforço pessoal e à superação de obstáculos; a valorização da religião e da família; o descrédito em relação às instituições e aos políticos, vistos como corruptos e ineficazes; a crença no poder do “faça você mesmo”; e a percepção do Estado como um ‘inimigo’, visto como uma instituição que representa um entrave em suas vidas, além de cobrar impostos excessivos sem oferecer serviços públicos de qualidade em troca.

“O eleitorado de baixa e média renda vê em Marçal alguém que conseguiu vencer sozinho, com seu próprio mérito, o que é muito importante para essa população que deseja ascender e ter reconhecimento. Também identificam nele alguém que conseguiu vencer sem a ajuda do Estado, que muitas vezes é visto por esse eleitorado com descrédito e como uma instituição que atrapalha a vida deles. Ele utiliza ainda a ética religiosa para valorizar a família, o livre mercado e a prosperidade financeira”, completa Isabela Kalil.

Além disso, o discurso propagado por Marçal, que começou nas redes sociais e agora transcende o meio digital, ganha ainda mais tração em um cenário de crescente precarização social e do trabalho, conforme analisa Rosana Pinheiro-Machado, pesquisadora que entrevistou seguidores do ex-coach.

“Marçal é projetado pelos eleitores como alguém que não tem nada a perder, que fala tudo o que realmente pensa e que deu certo na vida. A mensagem de Marçal é a de um mundo onde as pessoas podem ficar ricas: basta querer, basta ter mérito. Isso tem grande apelo para uma parte significativa do eleitorado, especialmente em um cenário onde as pessoas buscam novas oportunidades diante de uma vida precarizada. O eleitor quer viver nesse mundo projetado por Marçal”, diz Rosana Pinheiro-Machado, que também é professora titular da Universidade de Dublin, na Irlanda.

O cientista político João Feres, coordenador do Laboratório de Estudos da Mídia e Esfera Pública (LEMEP) do IESP/Uerj, que conduziu uma pesquisa qualitativa sobre o eleitorado de Marçal, aponta que o discurso religioso e a valorização da família, combinados à promessa de prosperidade financeira, são alguns dos aspectos que têm atraído o eleitorado da capital paulista em torno do ex-coach.

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‘Propostas em segundo plano, ‘colete à prova de balas’ contra denúncias

O eleitorado, pontua Pinheiro-Machado, já está desacreditado do sistema político tradicional e, ao votar em Marçal, projeta na cidade os ideais que o ex-coach tem propagado inúmeras vezes em palestras e produtos digitais: qualquer pessoa, por meio do mérito e por seus próprios esforços, pode empreender e enriquecer.

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“Em caso de fracasso, a justificativa é que a pessoa não estava com o mindset correto, não estava com o drive mental ajustado. É uma ideia simplista de que basta trabalhar muito para conseguir o que se quiser. E, obviamente, existem questões estruturais profundas e uma desigualdade social imensa, tanto em São Paulo quanto no País, o que torna essa ideia irreal. As propostas concretas ficam em segundo plano”, explica.

Não por acaso, as propostas consideradas exageradas ou incomuns apresentadas por Marçal até agora – como a construção de um prédio de 1 quilômetro de altura, a criação de um “cinturão de teleféricos”, a promessa de levar “São Paulo para 2050″, entre outras – são inócuas em termos de impacto adverso entre o eleitorado do ex-coach.

“A força da narrativa de Marçal está menos nas propostas que ele vende, e mais no que seus eleitores estão buscando de forma inconsciente: controle sobre suas próprias vidas, sucesso pessoal e estabilidade em meio ao caos. Querem alguém que entenda as suas dificuldades, que os guie na sua transformação pessoal e crie oportunidades reais – sejam elas quais forem. Não é sobre ‘a conjuntura econômica ou social de São Paulo’, e sim sobre dignidade, perseverança, ascensão, mérito e reconhecimento”, diz o estrategista de comunicação Marc Tawil.

Além dos planos de governo estarem em segundo plano para o eleitorado de Marçal, outra particularidade tem chamado a atenção dos especialistas ouvidos pela reportagem: as denúncias que ligam aliados políticos de Marçal ao Primeiro Comando da Capital (PCC) estão gerando pouco impacto negativo na campanha do candidato até agora.

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Para Yuri Sanches, diretor de política do instituto AtlasIntel, o perfil do eleitorado de Marçal, considerado mais ideológico, somado à polarização presente na corrida eleitoral, faz com que as denúncias contra ele sejam vistas como parte de uma tentativa do establishment de retirá-lo das eleições, sendo, por isso, descredibilizadas pelos apoiadores do ex-coach.

“Qualquer tipo de instituição que faça uma denúncia tão séria assim contra Pablo Marçal será vista com certa desconfiança pelos eleitores dele, que acham que, na verdade, não se trata de algo legítimo, mas sim de uma fake news, de algo vindo do establishment, uma forma de denegrir a imagem de Marçal para impedir que ele entre no sistema e o ‘limpe’, acabando com os privilégios dos corruptos, por exemplo. Ele também domina as redes sociais e consegue, assim, rebater as acusações, mesmo com essa última decisão que gerou o bloqueio do perfil. Então, Marçal tem quase um ‘colete à prova de balas’, pelo menos até agora, contra essas denúncias”, explica.

Sanches indica, no entanto, que o cenário pode mudar agora que os demais candidatos estão focados em expor essas denúncias por meio do horário eleitoral gratuito na rádio e na TV. “Vamos ver como será daqui para frente”.

O perfil de Marçal é descrito pelo eleitorado como o de um gestor e empresário, características consideradas fundamentais para resolver os diferentes problemas que atingem a cidade, especialmente nas áreas de segurança e orçamento.

“Sinceramente, acho que ele resolveria qualquer problema melhor do que os outros. São Paulo tem problemas de orçamento, obras mal feitas e atrasadas. Para resolver esse tipo de problema, a gente precisa de um gestor. Marçal é um empresário qualificado, tem habilidade para lidar com esse tipo de situação. Mas acho que ele se destacaria principalmente na questão da segurança”, afirma Pedro Henrique Teixeira, estudante de Direito, de 24 anos, que diz ser apoiador de Marçal.

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Marçal reproduz estratégias de coach na campanha

O pesquisador e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), João Cezar de Castro, demonstra como Marçal está replicando nas eleições de São Paulo a lógica e as táticas que usou para construir seu império digital. Para o professor, Marçal é o primeiro nome relevante na política a ser “100% nativo digital”, o que o diferencia de outros políticos que também usaram estratégias digitais em campanhas eleitorais, como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

“Marçal inaugura o que chamo de ‘colonização da política pela economia da atenção’; ou seja, ele traz todas essas técnicas presentes no meio digital para a esfera política. É totalmente diferente de um político que aprende a utilizar, testando o que vai funcionar ou não no digital, como Bolsonaro. Marçal é o primeiro 100% nativo digital, elevando o nível para outro patamar no uso de ferramentas digitais. Ele já chega na campanha pronto, com todas essas técnicas do que funciona no digital”, diz.

Como exemplo, o pesquisador cita o uso dos chamados cortes – vídeos curtos que viralizam rapidamente nas redes – que já provocaram polêmica no início da campanha. O PSB, partido da candidata Tabata Amaral, entrou com uma ação que resultou no bloqueio das redes sociais de Marçal, após suspeitas de que o influenciador estava remunerando usuários para produzir “cortes” e divulgá-los nas redes, uma prática que ele já utilizava amplamente para criar engajamento e vender produtos.

Marçal inaugura o que chamo de ‘colonização da política pela economia da atenção’; ou seja, ele traz todas essas técnicas presentes no meio digital para a esfera política. É totalmente diferente de um político que aprende a utilizar, testando o que vai funcionar ou não no digital, como Bolsonaro

João Cezar de Castro, pesquisador e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Outra tática reproduzida na campanha, destaca o pesquisador, é o uso de termos como “prosperar”, “destravar” e “pegar o código”, que Marçal incorporou ao discurso político para resultar em um sentimento de pertencimento a um grupo.

No campo político, a estratégia se traduz, por exemplo, em uma postura agressiva em relação aos adversários. “A tríade que Marçal domina é: lacre, like, lucro. Ele grita muito alto ou faz um gesto absurdo e, assim, lacra”, diz.

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