BRASÍLIA - O município de Pacajus, no Ceará, a cerca de 50 quilômetros da capital Fortaleza, vive episódios dignos da série House of Cards. Isso porque a sucessão de fatos que começa com a cassação dos mandatos do prefeito Bruno Figueiredo (PDT) e de seu vice, Francisco Fagner (União), em 21 de setembro, chega agora em uma tentativa de anulação do processo promovida por vereadores, na última sexta-feira, 17, na Câmara Municipal.
Tudo começou com a cassação dos mandatos, com votação unânime na Câmara de vereadores. Foram 10 vereadores favoráveis à cassação do prefeito e do vice, acusados de nepotismo – quando um agente público usa seu poder para nomear, contratar ou favorecer parentes. Sobrinha e nora de Figueiredo estavam entre o quadro de comissionados e teriam sido nomeadas durante sua gestão. O vice, Fagner, teria garantido vagas na prefeitura a duas irmãs e um irmão.
Durante a sessão legislativa, a defesa do prefeito e do vice alegou que a infração fora corrigida quando os parentes foram exonerados e, por isso, a cassação seria uma medida extrema. O salário líquido de Byanka Hellen Noguera Barbosa, nora que ocupava o cargo de Diretora de Projetos Institucionais, vinculado ao gabinete do prefeito, foi de R$ 4.165,15 em julho. Em agosto, com a demissão, o valor foi de R$ 9.297,95. O dado está disponível no Portal da Transparência da Prefeitura de Pacajus.
O presidente da Câmara de Vereadores da cidade, Tó da Guiomar (União Brasil), assumiu o cargo interinamente logo após a decisão. Eleições municipais foram marcadas para esta quinta-feira, 23, e ocorrerão de forma indireta, ou seja, serão os vereadores quem votarão nominalmente para definir o próximo comandante do Executivo. Isso acontece porque a Lei Orgânica de Pacajus prevê que se um cargo ficar vago nos dois anos antes das próximas eleições, será realizado um novo pleito em 30 dias, pela Câmara Municipal.
Nesta terça-feira, 21, o juiz Alfredo Rolim Pereira, do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) assinou uma sentença em que anula a cassação de Bruno Figueiredo e Francisco Fagner. Porém, o magistrado decidiu não devolver os cargos de imediato, o que não impedirá a realização das eleições indiretas. A decisão do juiz só vai valer após transitar em julgado, ou seja, quando não houver mais possibilidade de recurso judicial.
“Compreendo que por razões de estabilidade social, mostra-se prudente estabelecer que a presente decisão somente produzirá efeitos a partir do seu trânsito em julgado, salvo decisão em sentido contrário da instância superior, em reexame necessário”, afirmou o juiz na decisão.
A lei municipal 1.130 foi aprovada pelo prefeito interino em outubro, mas, caso não existisse, o rito seguiria os critérios da Constituição Federal, que também prevê eleições diretas em vacâncias no Parlamento. A votação ocorrerá em pauta exclusiva.
Mas Tó da Guiomar não parece querer desocupar a cadeira e vem tentando reduzir a concorrência na disputa. Foram registrados dois pedidos de impugnação de candidaturas, feitos pela chefe de seu gabinete. Para a anulação da chapa de Gustavo Menezes (PT), candidato a prefeito, o pedido leva em conta uma condenação de Menezes por crime de poluição ambiental. A resposta saiu no dia 19, com o indeferimento da chapa, que pode recorrer até dia 22, um antes da nova eleição. A chefe de gabinete também pediu a impugnação da candidatura de Alexandre de Oliveira Nogueira (PSDB), por suposta ocultação de patrimônio declarado.
Segundo a Câmara de Pacajus, estão aptos para concorrer, neste momento, apenas as candidaturas do atual prefeito interino, e de Alexandre Oliveira Nogueira (PDT) e Adail José Pereira da Silva (PSDB). Alexandre seria a indicação do prefeito cassado e, segundo fontes, seu cunhado. Ele já esteve no quadro de funcionários da prefeitura, como diretor de comunicação do gabinete do prefeito, entre 2018 e 2019.
No último dia 15, o Ministério Público Estadual do Ceará deu um parecer recomendando a nulidade do processo de cassação, assinado pelo promotor de Justiça Sérgio Henrique de Almeida Leitão. O promotor alega que regras do rito legislativo foram descumpridas, além de erros no preenchimento da ata da sessão, que é feita à mão. O mesmo promotor, em julho, expediu uma recomendação ministerial para que Figueiredo, então prefeito da cidade, exonerasse a nora. Um inquérito civil está tramitando para averiguar outros casos possíveis de nepotismo na Prefeitura de Pacajus, para instruir uma futura ação civil pública por improbidade administrativa.
Dois dias depois do parecer, vereadores promoveram uma sessão para anular a cassação do prefeito e do vice, no último dia 17. Além da falta de quórum – apenas 7 dos 15 vereadores estiveram presentes –, houve também a tentativa de promover uma cerimônia para empossar o prefeito cassado. Quatro deles votaram pela anulação de seus próprios votos, pois, na sessão que cassou o prefeito e o vice, foram favoráveis à perda do mandato.
Figueiredo publicou um vídeo em sua conta no Instagram afirmando que não queria tornar as coisas ainda mais difíceis “principalmente para o povo da nossa cidade”, e, portanto, não participaria da cerimônia. O ex-prefeito se referiu a sessão ilegal como “iniciativa própria” de alguns vereadores que tentaram “desaprovar” o decreto de cassação. O ex-prefeito falou ainda confiar na Justiça, “principalmente a divina”.
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