O encontro Lula-Biden marca a volta das relações institucionais entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos, depois do que se viu no relacionamento pessoal entre Bolsonaro e Trump. Cercada de forte simbolismo, a reunião procurou acentuar as convergências na defesa da democracia e dos direitos humanos, e contra a extrema direita, depois das experiências traumáticas com a invasão do Congresso norte-americano e da Praça dos Três Poderes, exemplos da divisão política existente nos dois países.
Além desses temas políticos, foi ressaltada a coincidência de percepções nas questões de meio ambiente e mudança de clima. Lula insistiu na governança global e na cooperação internacional para ajudar o governo brasileiro no combate aos ilícitos na Amazônia: queimadas, destruição da floresta e garimpo ilegal. Não foi surpresa a intenção de Biden de passar a contribuir para o fundo amazônico.
Foram igualmente mencionados a questão da equidade social e racial, de interesse dos dois governos, e o crescimento do intercâmbio comercial, com superávit dos EUA e exportação de produtos industriais para o mercado americano, sob a sombra da presença comercial da China na América Latina. O aceno dos EUA à ampliação dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU foi fato positivo para o Brasil.
Essas questões mostraram a coincidência de visões entre os dois líderes. Na conversa também foram mencionados temas em que não há convergência, como Cuba e Venezuela, a Organização Mundial de Comércio (OMC) e a guerra da Ucrânia. Nesse particular, não avançou a proposta do presidente Lula de criação de um grupo para conversar com os presidentes da Rússia e da Ucrânia visando a alcançar a paz na guerra, que já passa de um ano.
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O governo de Washington não tem interesse agora em discutir esse assunto e a proposta não deverá prosperar. Finalmente, o governo brasileiro deixou claro que, a exemplo de todos os países da América Latina, da África e de muitos da Ásia, não deverá tomar partido na guerra entre a Rússia e a Ucrânia, nem na crescente confrontação entre os EUA e a China, colocando o interesse nacional acima de questões ideológicas ou geopolíticas.
Em resumo, a visita foi importante politicamente, mostrando que há muitas áreas em que os dois países falam a mesma língua e que os pontos em que não há coincidência não deverão influir no desenvolvimento normal das relações entre o Brasil e os EUA.
*Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres e em Washington
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