TSE vê disparo em massa como abuso de poder econômico; leia análise

Os votos discutidos no plenário trouxeram à tona muitos dos temas que vêm sendo debatidos no PL das Fake News

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Por Rose Marie Santini
Atualização:

A decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de cassar o mandato do deputado estadual do Paraná Fernando Francischini (PSL) por propagar desinformação acontece no mesmo dia daquela que rejeita a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão por impulsionamento ilegal de mensagens em massa via WhatsApp. 

Os votos discutidos no plenário trouxeram à tona muitos dos temas que vêm sendo debatidos no PL das Fake News (PL 2630). Ganha destaque o malfadado "disparo em massa" uma vez que ainda que julgada improcedente a ação o Tribunal fixou tese no sentido de que o uso do disparo em massa contendo desinformação poderá configurar abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social. Ou seja, na prática os candidatos poderão perder seus mandatos em 2022. 

Prédio sede do Tribunal Superior Eleitoral. Foto: Dida Sampaio / Estadão

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Os problemas conceituais dessa tese se somam aos já profundamente criticados no PL 2630. No caso dos disparos em massa, tanto a natureza das mensagens quanto a estrutura usada para disseminá-las são métricas importantes para gerar medidas coercitivas da Justiça. Mas como seria possível estabelecer tal relação de causalidade? Como isolar variáveis e provar que determinada mensagem ou campanha foi responsável pela vitória de um candidato? Parece haver confusão sobre como acontece efetivamente o processo da campanha digital, que se vale de estratégias complexas, incluindo diferentes plataformas, mensagens hiper-segmentadas, uma arquitetura de grupos já pré-existente e uma base importante de apoiadores para alcançar as verdadeiras multidões. Quinhentos usuários configurarão como  “massa”, ou será necessário um milhão deles? Para estabelecer relações de causalidade não é possível usar categorias abstratas como muito, pouco ou massivo. É preciso determinar diretamente os limites para cada ação. 

A falta de clareza conceitual tem o potencial de gerar complicações de interpretação e de fadar ao fracasso tais iniciativas do Legislativo e Judiciário. É fundamental aprofundar o entendimento de como funciona cada ambiente onde se prolifera a desinformação, embora as plataformas ainda mantenham opacos suas formas de funcionamento e seus algoritmos e neguem informações sobre sua base de usuários mesmo quando solicitados pela Justiça, permanecendo como  caixas pretas inacessíveis. 

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As empresas de mensageria se escondem através da prerrogativa do sigilo de uma comunicação exclusivamente interpessoal. Fato é que no Brasil o WhatsApp não é somente um aplicativo de comunicação interpessoal a muito tempo. A existência de um universo de grupos com links públicos de assuntos diversos constituem na prática uma rede social fechada e deveriam ser tratadas como tal. Esta permanente fachada de transparência impede a ampliação do debate, o desenvolvimento de pesquisas e consequentemente atrapalha a legislação sobre o tema.

Os aplicativos de mensageria, sobretudo WhatsApp e Telegram, são peças-chave para a coordenação das campanhas de desinformação por não serem monitoradas por empresas e instituições. Muito utilizados no Brasil, essas plataformas se diferenciam das redes sociais por não disponibilizarem mural público nem adotarem práticas de moderação ou filtragem de conteúdo.

No WhatsApp, a criptografia de ponta a ponta permite que autores, destinatários e compartilhadores de informações falsas ou hostis escapem de punições e permaneçam invisíveis. O anonimato é o grande atrativo do Telegram, que não expõe os números de telefones dos usuários, permite o uso de robôs e permite a criação de canais com número ilimitado de usuários para o envio de mensagens em larga escala. O próprio formato dos aplicativos favorece a desinformação. Portanto, proibir o disparo “em massa” em apps de mensageria é pedir para que o WhatsApp e o Telegram deixem de apresentar as características que os diferenciam do SMS e que atraem tantos usuários.

É preciso reconhecer que a tecnologia está em constante mudança, e que tentativas de prever os seus fenômenos anômalos serão contingentes. Cabe, portanto, mirar nas intenções criminosas dos agentes maliciosos que  usam tais estruturas, e não apenas nas ferramentas mobilizadas para isso. A tecnologia não tem um valor em si, mas sim o uso que dela se faz. 

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PROFESSORA DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO DA UFRJ E DIRETORA DO NETLAB (LABORATÓRIO DE ESTUDOS DE INTERNET E REDES SOCIAIS

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