BRASÍLIA — Integrantes da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro pediram ao Tribunal de Contas da União (TCU) que investigue o caso das pedras preciosas presenteadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. O Estadão mostrou na semana passada que mensagens trocadas por militares vinculados à Presidência da República indicam que o casal recebeu um envelope com as pedras em Teófilo Otoni, em 26 de outubro do ano passado. O caso foi denunciado pela deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
Pelo teor das mensagens, não houve registro das pedras preciosas no cadastro oficial da Presidência da República, protocolo exigido para presentes recebidos por presidentes da república. Pela legislação, qualquer presente recebido por chefe do Estado brasileiro precisa passar por esse protocolo.
Nesta segunda-feira, 7, Bolsonaro disse que as joias valem no máximo R$ 400.
A parlamentar lembra ainda que presentes dados a presidentes são, por regra, patrimônio da União, quando possuem valor superior a R$ 100, exceto quando são itens de consumo imediato ou de natureza personalíssima, interpretação que o TCU já descartou para pedras preciosas.
“Se as pedras preciosas foram dadas no exercício da função de presidente da República, Bolsonaro cometeu crime de peculato”, diz a deputada.
O objetivo da representação é que o TCU investigue se houve dano ao erário caso Bolsonaro tenha recebido e ficado com essas pedras preciosas. Jandira assina o pedido com outros parlamentares da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga os ataques golpistas de 8 de Janeiro. Assinam a representação os deputados federais Rogério Correia (PT-MG), Duda Salabert (PDT-MG), Henrique Vieira (PSOL-RJ), Rubens Pereira Junior (PT-MA) e Duarte Jr (PSB-MA) e os senadores Jorge Kajuru (PSB-GO), Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) e Fabiano Contarato (PT-ES).
Os parlamentares já tinham solicitado também que a Procuradoria-Geral da República (PGR) apure o caso.
Nas redes sociais, Bolsonaro repercutiu afirmações de um advogado ao jornal Folha de S. Paulo, de que foi ele quem deu as pedras preciosas ao ex-presidente e que os presentes custaram R$ 400.
Joias em Teófilo Otoni
Mensagens trocadas por militares vinculados à Presidência da República, obtidas pela CPMI do 8 de Janeiro, sugerem que Bolsonaro e Michelle receberam um envelope e uma caixa com supostas pedras preciosas na cidade de Teófilo Otoni, no ano passado. A troca de e-mails indica também que os presentes não teriam sido cadastrados oficialmente.
O Estadão teve acesso a dois e-mails trocados pelos primeiros-tenentes do Exército Adriano Alves Teperino e Osmar Crivelatti e pelo segundo-tenente da Força Cleiton Henrique Holzschuk. Os três foram ajudantes de Ordem da Presidência da República durante o governo Bolsonaro. Crivelatti era braço direito do tenente-coronel Mauro Cid - “faz-tudo” do ex-presidente e preso desde maio por inserção de dados falsos de vacinação da covid-19 no sistema do Ministério da Saúde.
Os dois e-mails são intituladas “Passagem do Serviço Coordenação AJO/PR. Observações eventuais”. As duas mensagens são listas numeradas com detalhes das atividades que os militares deveriam cumprir. A CPMI obteve essas trocas de e-mails.
A mensagem de 27 de outubro, às 18h21, é assinada pelo então coordenador administrativo da Ajudância de Ordens da Presidência da República, Cleiton Henrique Holzschuk. O militar envia os afazeres aos dois colegas. O item de número 36, intitulado “Presente PR”, trata das supostas pedras.
“Em 27/10/2022, foi guardado no cofre grande, 01(um) envelope contendo pedras preciosas para o PR (presidente da República) e 01 9 (uma) caixa de pedras preciosas para a PD (primeira-dama), recebidas em Teófilo Otoni em 26/10/2022. A pedido do TC Cid, as pedras não devem ser cadastradas e devem ser entregues em mão para ele. Demais dúvidas, Sgt Furriel está ciente do assunto”, indica o e-mail.
O e-mail de 31 de outubro, às 18h58, é assinado por Osmar Crivelatti. Nesta mensagem, as “pedras preciosas” são tratadas no item 24 da “passagem de serviço”, o que indica que outros afazeres que constavam da lista já haviam sido finalizados.
Bolsonaro esteve na cidade mineira em 26 de outubro do ano passado, durante o 2º turno da campanha eleitoral contra o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Naquela data, o então presidente discursou durante um comício, ao lado do pastor Silas Malafaia e do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo).
Crivelatti é, atualmente, um dos assessores pessoais de Bolsonaro. O militar entregou à Polícia Federal (PF) as armas que o ex-presidente recebeu dos Emirados Árabes Unidos com o advogado Paulo Cunha, que representa Bolsonaro. As mensagens foram obtidas pela CPMI do 8 de Janeiro na caixa de e-mails do militar.
A existência do e-mail foi revelada pela deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), durante sessão da CPMI do 8 de janeiro na terça-feira, 1. A parlamentar declarou que que havia obtido a informação sobre as “pedras preciosas” após análise de “mil e-mails” que haviam chegado à comissão.
“Essas pedras nunca foram registradas nem como presente ao presidente da República e à primeira-dama nem em lugar nenhum”, afirmou Feghali.
Presentes
O procedimento de praxe para presentes recebidos por qualquer presidente da República começa com um cadastro. Os bens ficam sob responsabilidade da Diretoria de Documentação Histórica, que faz parte do gabinete da Presidência. O órgão analisa o que vai para o acervo pessoal do presidente e o que deve ser incorporado ao patrimônio da União - e só o que vai para esse segundo grupo tem seu valor avaliado. A listagem não possui o valor dos bens.
Bolsonaro recebeu mais de 19 mil itens enquanto esteve na Presidência da República. A lista oficial de presentes recebidos por ele indica que, em Teófilo Otoni, o então presidente ganhou uma placa do Sindicato Rural da cidade, um quadro e o livro “Cinco minutos com Jesus”, de apoiadores, e um item de consumo da Indústria e Comércio Mate Cola LTDA.
Joias da Arábia
Como o Estadão revelou em março, o governo Bolsonaro tentou entrar ilegalmente no Brasil, em 2021, com um conjunto de colar, anel, relógio e um par de brincos de diamantes da marca Chopard, de valor milionário. Segundo declarações iniciais, tratava-se supostamente de um presente do governo da Arábia Saudita para o então presidente e para a ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
O tenente da Marinha Marcos André Soeiro, ex-assessor de Bento Albuquerque, almirante de esquadra da Marinha que atuava como ministro de Minas e Energia, foi o responsável por tentar entrar com as joias no país, apreendidas no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.
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