Parlamentares de direita dominam emendas na segurança pública; veja quem mais destinou recursos

Levantamento do Estadão a partir do Painel Segurança Transparente, do governo federal, identificou predomínio de bolsonaristas sobre petistas nos investimentos do setor

Foto do author Guilherme Caetano
Atualização:

BRASÍLIA – Parlamentares de partidos de direita apresentaram quatro vezes mais recursos de emendas parlamentares para a área da segurança pública do que colegas de esquerda em 2024. E 86% dos repasses totais foram para corporações militares.

Do total de R$ 364 milhões em emendas destinadas a Estados no ano passado, parlamentares de direita (PL, Novo, Republicanos, Podemos, PP e União Brasil) foram responsáveis por R$ 50,3 milhões, enquanto os de esquerda (PT e PSB) enviaram R$ 12,2 milhões. Centristas (PSD e MDB) bancaram R$ 7,2 milhões.

Agentes federais demonstrando equipamentos de menor potencial ofensivo durante evento no Ministério da Justiça e Segurança Pública Foto: Jamile Ferraris/MJSP

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Preponderantes, as bancadas estaduais estaduais compõem o grosso das transferências, R$ 294 milhões. Os colegiados são nove entre os dez autores de maior volume de verbas, liderados de longe pelos parlamentares de São Paulo (R$ 156 milhões). O deputado federal Eduardo Pazuello (PL-RJ) é quem lidera entre os parlamentares segundo a quantidade de dinheiro repassado, com R$ 10,3 milhões. Os recursos foram destinados à compra munição e equipamento de proteção balística para a PM de seu Estado.

Corporações militares, como a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiro Militar, são os maiores beneficiados pelas verbas: R$ 313,4 milhões (86%). Juntas, Polícias Civis, Polícias Científicas e Guardas Civis Municipais (GCM) foram destino dos outros R$ 45 milhões (14%).

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Os dados foram levantados pelo Estadão a partir do Painel Segurança Transparente, plataforma do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), que divulga informações mais transparentes do uso do Fundo Nacional de Segurança Pública e passou a disponibilizar em janeiro dados sobre emendas parlamentares.

A desproporção no engajamento de direita e esquerda na atenção dada à área da segurança é visível ao se analisar os dados referentes ao PL de Jair Bolsonaro e PT de Luiz Inácio Lula da Silva. O partido de esquerda elegeu 69 dos 513 deputados federais em 2022 (13,4% do total) e participa de 12,5% dos investimentos via emendas aos Estados. A sigla da direita, por sua vez, elegeu 99 deputados federais (19,3%), mas é responsável por quase a metade (46,2%) dos valores das transferências parlamentares.

Excluídos os investimentos das bancadas, o PL emplaca quatro parlamentares entre os dez que mais enviaram recursos para o setor, incluindo Pazuello. O senador Flávio Bolsonaro (RJ) repassou R$ 4,7 milhões para modernizar a Polícia Civil fluminense com ferramentas de tecnologia de dados; o senador Carlos Portinho (RJ) enviou R$ 3 milhões para compra de viaturas e drones para os bombeiros; e o deputado federal Pastor Eurico (PE) transferiu R$ 2,8 milhões à PM pernambucana destinados à compra de equipamentos de proteção individual e embarcações.

Apenas os senadores Fabiano Contarato (PT-ES) e Flávio Arns (PSB-PR) aparecem como representantes de esquerda. Enquanto Contarato destinou R$ 7,4 milhões para a compra de viaturas e equipamentos de combate a incêndio e salvamento para o corpo de bombeiros de seu Estado, Arns repassou R$ 2,6 milhões à PM do Paraná para investimentos em mobiliário, informática, radiocomunicação e equipamentos de menor poder ofensivo.

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A pauta da segurança pública é central na agenda conservadora, e ganhou ainda mais peso com a ascensão do bolsonarismo — que defendem com mais ênfase a intransigência no combate ao crime e até mesmo a violações de direitos em busca da segurança das cidades. Nesse cenário, a PM, responsável pela patrulha armada das cidades, se destaca. Bolsonaro, enquanto presidente da República (2019-22), por exemplo, tornou-se frequentador assíduo de cerimônias de formaturas das Forças Armadas e das PMs como forma de privilegiar esses profissionais, enquanto deixou de lado as solenidades de policiais civis.

Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), diz ver sentido na maior concentração de recursos de deputados e senadores na Polícia Militar, uma vez que a corporação é responsável pelo policiamento ostensivo, a atribuição de segurança pública de maior visibilidade. Para ele, investimentos na polícia investigativa — a Civil — trazem menos dividendos eleitorais aos parlamentares, já que são mais difíceis de serem vistos pela população.

Lima, entretanto, tem críticas em relação ao peso que as emendas parlamentares conquistaram no volume dos investimentos em segurança pública. Ele menciona o fato de uma grande quantidade de recursos ser direcionado para equipamentos de maior potencial bélico e viaturas, por exemplo.

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“As emendas não inovam em absolutamente nada. Elas pegam carona no modelo de policiamento com forte ênfase naquilo que pode dar visibilidade aos parlamentares. Uma vez que o orçamento federal cada vez mais é carimbado pelas emendas, a capacidade estatal em inovação vai sendo reduzido. Você vai dificultando que o FNSP induza novas tecnologias e ferramentas, como, por exemplo, o uso das câmeras corporais, a compra de equipamentos de menor potencial letal, tipo taser, escudo balístico”, afirma ele.

Camila Pintarelli, diretora do FNSP, vinculado ao MJSP, diz que “as emendas parlamentares de fato assumiram um relevante papel na estruturação e planejamento orçamentários na segurança pública”.

“Por isso, o Fundo Nacional de Segurança Pública trata o tema com muita seriedade, ciente de sua importância aos entes federativos. Em 2024, por exemplo, houve execução de mais de 99% das emendas aportadas ao Fundo, seja com aquisição e remessa de bens aos entes, seja com a celebração tempestiva dos convênios”, declara ela.

O levantamento do Estadão compreende a modalidade “Emendas destinadas a repasses aos entes federativos”, que correspondem a cerca de dois terços do aporte total de R$ 556 milhões de transferências parlamentares registradas na plataforma no exercício de 2024.

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A modalidade “Emendas destinadas à aquisição de bens e itens aos entes federativos”, referentes a doações aos Estados — como de caminhonetes, drones e notebooks —, soma outros R$ 192 milhões, que não foram considerados.

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