Partidos políticos brasileiros repudiaram as declarações do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) nesta quinta-feira, 31, sugerindo a volta do AI-5 "se a esquerda radicalizar". Legendas como PSDB, MDB, PDT, Republicanos, Cidadania, DEM, PT, PSB e PSOL viram na manifestação uma ameaça à democracia e a oposição pretende pedir a cassação do mandato do deputado.
"É uma declaração extremamente grave, inaceitável, fere o decoro parlamentar. Ele abusa das prerrogativas conferidas aos parlamentares, em especial à imunidade parlamentar. O deputado está usando a imunidade parlamentar para defender o fim da democracia, para ameaçar o Parlamento, para atacar a Constituição que ele jurou defender. Vamos pedir a cassação do seu mandato", afirmou o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição.
O MDB considerou "inaceitável" a declaração e lembrou que não se pode tolerar qualquer menção a atos que possam colocar em risco a liberdade da população. "Lutamos contra a ditadura e seu pior mal, o AI-5, que nos marcou como o momento mais triste da nossa história recente. O Brasil espera que não percamos o equilíbrio e o foco no que mais precisamos: empregos e renda para as pessoas", diz o documento assinado pelo deputado federal Baleia Rossi (SP), presidente nacional da sigla.
Com 1.843.735 votos, Eduardo Bolsonaro foi no ano passado o deputado federal mais votado na história. É também o líder da bancada do PSL, o partido do presidente, na Câmara.
"Ameaçar a democracia é jogar o Brasil novamente nas trevas", diz trecho de nota publicada pelo PSDB. O PSDB nasceu na luta pela volta da democracia no Brasil e condena de maneira veemente as declarações do filho do presidente da República". O documento é assinado pelo presidente do partido, Bruno Araújo (PE).
O Republicanos publicou nota lembrando que o AI-5 foi o mais severo dos Atos Institucionais do governo militar no Brasil. "Infelizmente não é a primeira vez que Eduardo Bolsonaro, o deputado mais votado da nossa democracia, dá indícios de que flerta com o autoritarismo", afirma a nota assinada pelo deputado federal Marcos Pereira (SP), presidente nacional do Republicanos.
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou que a "ruptura do modelo democrático é inaceitável". O ex-ministro Ciro Gomes, candidato derrotado à Presidência pelo PDT, disse que Eduardo está "ultrapassando qualquer limite". "Vou pedir ao meu Partido que represente ao Conselho de Ética da Câmara para cassar teu mandato por falta de decoro!, escreveu.
Presidente da Câmara e do Senado reagem
O presidente do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (DEM-AP), qualificou como "lamentável" o fato de que um político eleito por voto popular possa insinuar contra a ferramenta que lhe outorgou o próprio mandato. "Mais do que isso: é um absurdo ver um agente político, fruto do sistema democrático, fazer qualquer tipo de incitação antidemocrática. E é inadmissível esse afronta à Constituição. Não há espaço para que se fale em retrocesso autoritário".
Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) disse que as declarações de Eduardo são repugnantes. “Manifestações como a do senhor Eduardo Bolsonaro são repugnantes, do ponto de vista democrático, e têm de ser repelidas como toda a indignação possível pelas instituições brasileiras".
O filho "03" do presidente Jair Bolsonaro já havia afirmado em discurso no plenário da Câmara na última terça-feira, 29, que a polícia deveria ser acionada em caso de protestos semelhantes e o País poderia ver a "história se repetir".
Ala do PSL também critica fala
Deputados do PSL ligados ao presidente do partido Luciano Bivar (PE) também criticaram a fala do líder da bancada na Câmara. “O filho do presidente calado é um poeta”, disse o principal porta-voz de Bivar, Junior Bozzella (PSL-SP), em nota. “Repudiamos qualquer tentativa de golpe. O primeiro golpe foi tentar tomar o PSL, o segundo foi usar o Planalto para tomar a liderança do partido e agora flerta com um novo AI-5 para instaurar uma ditadura”, afirmou Bozzella. “Não entendo como um deputado federal pode sequer cogitar algo assim”, disse.
O senador Major Olimpio (PSL-SP) divulgou um vídeo criticando a declaração. “Acho lamentável no dia de hoje discutir ato semelhante o AI-5 de 1968”, afirmou. “Como um parlamentar vai defender o fechamento do Congresso?”, completou. Para outro deputado do PSL, também da ala “bivarista”, Coronel Tadeu (PSL), falar em ato institucional na época atual “é algo inimaginável”.
DEM
O presidente nacional do DEM, Antônio Carlos Magalhães Neto, disse que o partido condena e vai combater qualquer tentativa de ameaça à liberdade política e ao pleno funcionamento das instituições. "As declarações do deputado Eduardo Bolsonaro são uma inaceitável afronta à democracia. Nesse momento o país precisa de equilíbrio e responsabilidade, não de ameaças e radicalizações como as defendidas pelo parlamentar".
Solidariedade
O presidente do Solidariedade, Paulinho da Força (SP), chamou o filho do presidente de "mimado". "AI-5 é ditadura! Eduardo Bolsonaro ameaça o povo brasileiro ao mencionar a volta de um dos período mais cruéis da história, marcado por arrocho salarial, prisões, torturas e assassinatos. Proposta de garoto mimado deve ser repudiada por todos os democratas", disse.
Cidadania
O vice-presidente do Cidadania, deputado federal Rubens Bueno (PR), classificou a fala como “um atentado contra a Constituição”. “Trata-se de uma estupidez política, uma ameaça de golpe que precisa ser rechaçada por todos os democratas. Invocar o AI-5 é atentar contra a nossa Constituição que rejeita qualquer instrumento de exceção. Um parlamentar não pode nem mesmo aventar uma possibilidade desse tipo. Creio que cabe até uma reprimenda pública por parte da Câmara ao deputado Eduardo Bolsonaro”, afirmou.
Representações
O líder do PSOL na Câmara, Ivan Valente, anunciou duas representações contra o filho do presidente. “Vamos representar no Conselho de Ética e entrar no Supremo Tribunal Federal (STF) por quebra da ordem constitucional”, afirmou Valente.
"Em menos de uma semana, Eduardo Bolsonaro volta a defender regime de exceção e ameaça a esquerda. O Ministério Público (no caso do deputado, seria a Procuradoria Geral da República por conta da prerrogativa de foro) e o Supremo Tribunal Federal precisam tomar providências e não vamos nos intimidar, continuaremos denunciando o desmonte e abusos. A população precisa saber o que vocês estão fazendo”, afirmou a presidente nacional do PT, a deputada Gleisi Hoffmann (PR).
O que foi o AI-5
O Ato Institucional nº 5 foi o mais duro instituído pela ditadura militar, em 1968, ao revogar direitos fundamentais e delegar ao presidente da República o direito de cassar mandatos de parlamentares, intervir nos municípios e Estados. Também suspendeu quaisquer garantias constitucionais, como o direito a habeas corpus. A partir da medida, a repressão do regime militar recrudesceu.
Baixado durante o governo do general Costa e Silva, o artigo vigorou até dezembro de 1978 e deu poderes de exceção ao Executivo, possibilitando ações como perseguições, prisões, tortura e morte de adversários políticos do regime.
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