BRASÍLIA – Preocupado com pesquisas que indicam o crescimento da desaprovação do governo entre evangélicos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu a ministros uma ação mais efetiva para se aproximar das igrejas. Além de articularem a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que amplia a imunidade tributária para instituições religiosas, auxiliares de Lula têm mantido agora reuniões reservadas com pastores, até mesmo com os críticos do governo.
Nesta quinta-feira, 7, por exemplo, quem esteve no Palácio do Planalto foi o pastor Anderson Silva, que se encontrou com o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência, Paulo Pimenta. Líder da igreja Vivo por Ti e apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro, Silva chegou a pedir a Deus, no ano passado, que “arrebentasse a mandíbula de Lula”.
O governo nega que a reunião tenha ocorrido por causa da última pesquisa Quaest, divulgada na quarta-feira, 6. Um recorte do levantamento mostra que a reprovação da gestão Lula aumentou de 36% para 48%, em três meses, justamente no segmento evangélico. O grupo representa um terço da população e a maior parte é eleitora de Bolsonaro.
A queda na avaliação de Lula ocorreu após ele comparar os ataques de Israel na Faixa de Gaza ao Holocausto. Um auxiliar do presidente garantiu, porém, que o encontro com o pastor Anderson Silva já estava agendado há algum tempo.
“Recebo todos que querem conversar e dialogar para o Brasil dar certo. É meu trabalho todos os dias”, disse Pimenta ao Estadão.
Compareceram à reunião no Planalto, no gabinete do chefe da Secom, o apóstolo Léo Fuzaro, o ator Sandro Rocha e o secretário de Comunicação Institucional, Emanuel Hassen. “Foi uma reunião pedida, mas não deixa de ser uma tentativa de aproximação”, observou um interlocutor de Lula.
Em vídeo publicado nas redes sociais, recentemente, o pastor disse ter se arrependido de apoiar Bolsonaro e do ataque feito a Lula. “Foi desnecessária aquela fala, num momento sensível”, afirmou ele, numa referência a um podcast veiculado em 17 de maio de 2023.
Durante a gravação, Silva estava ao lado do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), escolhido nesta semana para presidir a Comissão de Educação da Câmara. A certa altura da conversa, o pastor aumentou o tom contra Lula e os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Senhor, mata meus inimigos, quebra os dentes dos meus inimigos. Senhor arrebenta a mandíbula do Lula. Senhor, prostra enfermos os ministros do STF, para que eles te conheçam no leito da enfermidade”, pediu Silva, em oração. Nikolas riu. O então ministro da Justiça Flávio Dino, hoje magistrado do Supremo, encaminhou o podcast para investigação da Polícia Federal.
“Perdi a mão. Saí do trilho”, admitiu Silva, que disse ter usado a expressão “arrebentar a mandíbula” como metáfora. “Não incitei violência contra absolutamente ninguém”, declarou.
Definindo-se como um “conservador anarquista”, o pastor contou que já foi candidato. “E não digo que não serei”, acrescentou, sem citar cargos. “Eu não sou bem-visto nem pela direita nem pela esquerda em seus extremos. Sou um pastor e me arrependo da bolsonarização do meu ministério”, insistiu ele.
Silva também usou as redes sociais para pedir a eleitores que não comparecessem ao ato político convocado por Bolsonaro na Avenida Paulista, no último dia 25. “O Evangelho não é o bolsonarismo”, resumiu. O ex-presidente é alvo de investigações da Polícia Federal, que o apontam como mentor dos atos golpistas de 8 de janeiro do ano passado.
‘Governo precisa fazer gesto concreto a evangélicos’
Autor da PEC que amplia a imunidade tributária para templos de qualquer culto, o deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ) disse, por sua vez, que o governo Lula precisa fazer um “gesto concreto” na direção dos evangélicos, se quiser aumentar sua popularidade.
“A PEC é um grande passo nessa direção”, avaliou Crivella. “Igreja forte é crime fraco”, afirmou ele, ao defender o trabalho social feito pelas igrejas. “O governo deveria lançar o programa ‘Meu Filho, Minha Vida’, com creche para todas as crianças”.
Na terça-feira, 12, o deputado tem reunião marcada com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para discutir “ajustes” na PEC, que já foi aprovada por duas comissões da Câmara e deve ser analisada em plenário, nos próximos dias.
Nos bastidores, auxiliares de Haddad se queixam da perda de arrecadação num momento em que a equipe econômica faz de tudo para cumprir a meta de déficit zero.
Além disso, mesmo aliados do governo têm ressalvas à proposta, sob o argumento de que, sendo o Estado laico, a concessão de vantagens fiscais a instituições religiosas não tem explicação.
Lula quer mais benefícios para igrejas
Lula, porém, está empenhado na aprovação da PEC, que proíbe a cobrança de impostos sobre bens ou serviços necessários à formação do patrimônio de todas as religiões. De acordo com o texto, organizações assistenciais e beneficentes, como creches, asilos e comunidades terapêuticas, também não podem ser tributadas.
Para ser aprovada, a PEC precisa de 308 votos na Câmara e 49 no Senado, em dois turnos de votação. No Planalto, ministros estão tão confiantes no sinal verde que já falam até mesmo em organizar um encontro de Lula com líderes religiosos para divulgar a medida. Apesar do prazo apertado, se tudo correr como previsto, Crivella gostaria que o anúncio fosse feito na Semana Santa.
Sobrinho de Edir Macedo, bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, Crivella já foi prefeito do Rio e ministro da Pesca no governo Dilma Rousseff (PT), mas se aproximou de Bolsonaro.
Questionado se agora vai apoiar Lula, ele desconversou. “Todo evangélico sabe que temos de orar pelas nossas autoridades. Perdemos a eleição. Peço a Deus que ajude o governo”.
Crivella está conversando com todos os parlamentares sobre a PEC, mesmo com aqueles que não veem sentido na concessão de mais benefícios fiscais a templos religiosos.
“Igreja não cobra ingresso, não tem roleta de acesso e quem sustenta os templos não é o governo. São os fiéis. Eles já pagaram impostos sobre a renda e o consumo. E mais: é justo pagar imposto na hora que se vai comprar alimento para creche?”, perguntou. “Pelo amor de Deus...”
Antes de encerrar a entrevista, o deputado disse que, para o fiscal da Receita, existem onze mandamentos, e não dez. E qual é o décimo primeiro? “Não isentarás”, respondeu ele.
Em janeiro, a Receita cancelou um ato de Bolsonaro que ampliava o alcance da isenção de contribuições previdenciárias sobre a remuneração de pastores. O Tribunal de Contas da União (TCU) estimou que a norma, editada às vésperas das eleições de 2022, provocou perda de arrecadação da ordem de R$ 300 milhões.
Mesmo assim, diante da repercussão negativa no segmento evangélico, Haddad suspendeu a revogação e criou um grupo de trabalho para discutir a possível retomada da medida.
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