BRASÍLIA – O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem sido fiel ao toma lá, dá cá e acelerou a liberação de emendas para influenciar votações importantes no Congresso, como a reforma tributária na semana passada.
Desde o início do ano, o Planalto já liberou (empenhou) R$ 16,3 bilhões em recursos indicados por parlamentares. Desse total, R$ 4,4 bilhões já foram pagos. Além disso, o governo pagou R$ 6,6 bilhões de recursos empenhados em anos anteriores, totalizando R$ 11 bilhões já pagos.
Durante a campanha eleitoral do ano passado, Lula classificou o orçamento secreto, esquema criado pelo governo de Jair Bolsonaro, como uma excrescência. Após assumir o governo, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que a liberação de emendas passaria a ser transparente e de acordo com critérios técnicos.
Nos primeiros sete meses de governo, no entanto, o governo petista pagou emendas do orçamento secreto deixadas por Bolsonaro e ainda fez liberação recorde de recursos ainda menos transparentes: as emendas Pix. Tudo para atender o Centrão e evitar um caos na articulação política.
As maiores liberações ocorreram exatamente nos dias de votações estratégicas para o Executivo que não tinham apoio para serem aprovadas. Ou seja, o caixa do governo federal rodou no ritmo das negociações mais intensas, conforme levantamento do Estadão com dados do Siga Brasil, portal mantido pelo Senado.
Só no dia 23 de maio, o governo liberou mais de R$ 1 bilhão em emendas para pagamento. Naquele dia, a Câmara aprovou o projeto do novo arcabouço fiscal. O Estadão flagrou deputados admitindo a troca de votos por verbas e cargos. Com o desembolso, Lula conseguiu a primeira vitória no Congresso, após uma série de derrotas.
Sete dia depois, outro recorde: R$ 1,7 bilhão em emendas liberadas na véspera da votação da Medida Provisória dos Ministérios. A Câmara ameaçava não votar esse projeto, o que faria o governo perder ministérios criados pelo petista. Após a tensão na negociação e a liberação do dinheiro, os deputados aprovaram a medida com 337 votos favoráveis e 125 contrários.
Quanto mais o governo tratar da maneira como escolheu, da confecção da sua base, mais fácil fica a vida do governo, mais fácil fica a nossa vida aqui.”
Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, após a aprovação da reforma tributária
O apetite do Centrão não foi saciado. Parlamentares começaram a cobrar um controle maior do caixa da União e mais cargos para aliados políticos. No dia 15 de junho, Lula organizou uma reunião ministerial e deu um “pito” nos ministros, afirmando que era preciso acelerar a liberação de verbas e cargos para o Centrão, diante do risco de o Executivo não conseguir aprovar projetos.
No dia seguinte, o petista se reuniu com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e prometeu abrir mais espaço para o Centrão. Não deu outra. Só naquele dia: R$ 1 bilhão liberado em emendas. Lira pressionou o governo a demitir a ministra da Saúde, Nísia Trindade, e colocar um indicado do PP no cargo. Mais tarde, Lula avisou que não entregaria a pasta para o Centrão, mas poderia ceder outros cargos ainda em negociação.
“O toma lá, dá cá continua a pleno vapor. As emendas não garantem base fiel para o governo e os parlamentares vão se mover na medida em que forem contemplados”, diz o cientista político Leandro Consentino, do Insper.
Para o especialista, o cenário é diferente do presidencialismo de coalizão tradicional, em que o Congresso decidia se aderia ou não ao governo eleito. Agora, é Lula quem está tendo de se movimentar para aderir ou não ao Centrão. “O governo está bastante dependente dessa negociação e podemos antever no futuro uma reforma ministerial para contemplar cada vez mais o apetite do grupo.”
A Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, responsável pela articulação política, afirmou à reportagem que o governo seguiu critérios técnicos para a liberação, incluindo a “impositividade”, que obriga o Executivo a executar os recursos, e os prazos definidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), segundo a qual a execução poderia começar a partir da primeira semana de maio. “Tudo o que foi definido em lei está sendo cumprido pelo governo de forma regular”, afirmou a pasta. A legislação, no entanto, não determina quanto o governo deve liberar em cada período – situação que fica sob controle político.
Como foi a votação da reforma tributária
Durante a votação da reforma tributária, na última semana, Brasília se transformou em um verdadeiro campo de negociação com a circulação de empresários, deputados, senadores, governadores e prefeitos em busca de defender interesses na proposta.
O combo de benesses no projeto veio acompanhado de recursos para os redutos eleitorais. “A situação para os Estados e municípios já estava resolvida, mas eles queriam uma coisa a mais. Quando o governo negocia uma vez, significa que vai negociar toda vez e o Parlamento é muito sabujo do Executivo”, disse o deputado Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR), um dos mentores da proposta e figurinha carimbada no assunto.
Em um único dia, na véspera da votação na Câmara, o governo liberou R$ 5,3 bilhões em emendas Pix para atender parlamentares em Estados e municípios. Esse tipo de recurso é enviado diretamente para as cidades sem apresentação de projetos, transparência e nem fiscalização. A reforma tributária passou com 375 votos a favor e 113 contra.
Os pagamentos totais feitos por Lula durante o ano incluem R$ 2 bilhões do orçamento secreto deixados por Bolsonaro e o compromisso de pagar R$ 6,3 bilhões em emendas Pix. “Estamos assistindo a uma reedição da mesma prática a despeito de ela ter sido criticada duramente por Lula durante a campanha eleitoral”, observa Consentino, do Insper.
Após a aprovação da reforma tributária, o presidente da Câmara afirmou que a proposta passou “graças aos partidos de centro” – como ele chama o Centrão. “Quanto mais o governo tratar da maneira como escolheu, da confecção da sua base, mais fácil fica a vida do governo, mais fácil fica a nossa vida aqui”, disse Lira em entrevista à GloboNews.
Apesar das primeiras vitórias, a vida do governo ainda não está resolvida no Congresso. Lula precisará concluir a votação do novo arcabouço fiscal e encaminhar o Orçamento de 2024, que define para onde vai o dinheiro federal. Ele já decidiu trocar a ministra do Turismo, Daniela Carneiro, pelo deputado Celso Sabino (União-PA) e vai negociar outros cargos exigidos pelo Centrão, como a Embratur, os Correios e mais ministérios. E a pressão por dinheiro continua. A fatura de emendas ainda não liberadas neste ano soma R$ 20 bilhões, fora outros R$ 25 bilhões de anos anteriores que estão “pendurados” à espera de pagamento.
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